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4.1 EXTRAFISCALIDADE, NORMA TRIBUTÁRIA INDUTORA E O TRIBUTO

4.1.2 Conceito de Extrafiscalidade

Sem muito que se diferencie da explicação de progressividade extrafiscal, pois esta é pura operacionalização da extrafiscalidade através do princípio da Progressividade, temos que MARTHA TORÍBIO LEÃO define:

“Assim, a extrafiscalidade não é outra coisa senão a utilização da norma tributária com o intuito de provocar certos comportamentos como resposta a impulsos veiculados pela própria norma. Por isso, pode-se dizer que o Estado adota um plano não apenas indicativo, mas também “incitativo”: ele não só sinaliza as consequências para determinados fatos, como também induz o engajamento da iniciativa privada para a realização de determinados fins.”89

JULIANA WERNEK CAMARGO simplifica ao dizer que:

“com a instituição do tributo com fins extrafiscais, interfere-se na órbita econômica privada, de modo ordinatório ou sancionatório, para estimular ou desestimular particulares, ou mesmo setores econômicos.”90

Em suma, extrafiscalidade é, como já reiteradamente expusemos “um manejo dos elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, prestigiando situações sociais, políticas e econômicas mais valiosas.”

É interessante, tratando do conceito de extrafiscalidade, apresentar opinião de LEÃO quanto à possibilidade de aplicação dessas normas tributárias indutoras em ato ilícito:

88 Cf. LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. Série Doutrina Tributária Vol. XVI. São Paulo: Quartier Latin, 2015. pp. 50-51

89 LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. Série Doutrina Tributária Vol. XVI. São Paulo:

Quartier Latin, 2015. p. 44

90 CAMARGO, Juliana Wernek de. O IPTU como instrumento da atuação urbanística. Belo Horizonte: Fórum, 2008. pp. 108-109

“Neste ponto, é importante reiterar que o desincentivo refere-se a atos lícitos, na medida em que o ilícito não pode ser coibido pela via tributária. Quando se utiliza a norma tributária indutora para desestimular determinadas condutas, admite-se que estas, apesar de indesejadas socialmente ou economicamente, são lícitas. Como já destacado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, e referido na introdução deste trabalho não é permitido em nosso sistema tributário que se utilize de um tributo com a finalidade extrafiscal de se penalizar a ilicitude, porque ‘’tributo não é multa, nem pode ser usado como se fosse’. Nessa direção, MACHADO e MACHADO SEGUNDO destacam que a utilização da norma tributária indutora oneratória não implica de nenhum modo a conversão da atividade lícita em ilícita, porque

‘a distinção essencial entre o tributo extrafiscal proibitivo e a sanção, no sentido de pena, reside precisamente na licitude da atividade para o tributo, e ilicitude da atividade para a sanção’”91

A autora pretende dizer, ao contrário do que argumentamos nesta Monografia, que não existe tributo extrafiscal sancionatório, mas tributo extrafiscal ou sanção, e isso pois o tributo extrafiscal seria exclusivamente decorrente de ato lícito, e a sanção seria exclusivamente decorrente de ato ilícito.

Ainda que Martha Toríbio Leão tenha utilizado essa distinção para se referir aos tributos em geral, essa, como à frente se verá, parece ser a base utilizada por doutrinadores como Elizabeth Nazar Carrazza e Evandro Paes Barbosa para entender que o IPTU progressivo no tempo não é caso de tributo sancionatório, pois consideram que o tributo incide sobre o fato lícito “ser proprietário, ter domínio útil ou posse de imóvel situado em zona urbana”, enquanto a sanção recai sobre a conduta ilícita de tredestinação de sua finalidade (uso em desacordo com a função social da propriedade”.

Não parece possível, porém, para aquele que estuda o artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal, concordar.

Ocorre que, parece, a criação do IPTU progressivo no tempo, admitido como tributo pela doutrina, fez verificar na Constituição caso de imposto, claramente utilizado em função extrafiscal, mas que possui caráter de sanção de ato ilícito.

Apenas para ilustrar o que será discutido em outro tópico, o próprio EVANDRO PAES BARBOSA, percebe, na extrafiscalidade, a possibilidade de implantação de sanção, como bem se vê em sua definição:

“A extrafiscalidade consiste em inserir, nos critérios da regra-matriz de incidência do tributo, um tratamento mais benevolente quando o legislador

91 LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. Série Doutrina Tributária Vol. XVI. São Paulo:

Quartier Latin, 2015. pp. 44-45

quer estimular determinada atividade, e mais gravoso, quando quer orientar a conduta do contribuinte aos objetivos desejados pelo ente público tributante.

Desse modo, pode a Carta Magna desejar estimular a proteção ambiental, o desenvolvimento econômico e social, o planejamento urbano, ou punir a propriedade que não cumpre a função social.”92 (grifos nossos)

O Mestre insere, portanto, no campo da extrafiscalidade, sanção imposta ao proprietário que desvia a função social de seu imóvel, ato ilícito.

A propósito, “ato ilícito” no campo da função social da propriedade, configura ilícito constitucional, na medida em que é conduta flagrantemente oposta ao princípio da função social, esculpido no artigo 5º, XXII, da Constituição Federal - cláusula pétrea, da máxima importância na Ordem Constitucional -, que explicitamente prevê:

“a propriedade atenderá a sua função social”. Seria incauto pensar, se o constituinte pretendeu estabelecer direito fundamental que prestigia a função social da propriedade, que seu descumprimento seria conduta, apesar de indesejada socialmente ou economicamente, lícita. Faz-se óbvio que o descumprimento da função social é ato frontal de abuso do Direito pelo proprietário, cometedor do ilícito.

Mais claro fica, quando se analisa o parágrafo 4º do artigo 182 da Constituição Federal, em que o legislador originário pretendeu estabelecer sucessivas punições àquele que não promove adequado aproveitamento de seu imóvel – leia-se, em consonância com o princípio da função social.

Ainda, “ato ilícito”, é expressão também definida e regulamentada em nosso Código Civil, que prescreve, em seus artigos 186 e 187:

“CC

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Em harmonia, a mesma Lei nº 10.406, ao tratar da propriedade, estatui:

“CC

Art. 1.228. (...)

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de

92 BARBOSA, Evandro Paes. Progressividade do IPTU. São Paulo: Pillares, 2007. p. 63

conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”

A Lei determina, em capítulo “Da Propriedade em Geral”, que o direito de propriedade se exerça conforme suas finalidades econômicas e sociais – em outras palavras, conforme a função social da propriedade – aí já se tem que, o proprietário que desvia seu imóvel da função social, comete ato ilícito, por violação do Direito, de acordo com o artigo 186 do Código Civil. Mais provado fica, porém, na prescrição do artigo 187, que define o cometimento de ato ilícito também como a ação do titular de um direito – o direito de propriedade – que, “ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social” – quase que em literalidade a determinação do art. 1.228, §1º, do CC -, de sorte que, a violação da função social da propriedade constitui ato ilícito nas searas constitucional e infraconstitucional.

Parece, pois, inexistir óbice à relação entre extrafiscalidade e sanção, dada a inexistência de qualquer característica vinculativa da extrafiscalidade especificamente ao ato lícito, podendo ser aplicada para inibir também a ocorrência de ato ilícito.