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A denominada progressividade no tempo, espécie extrafiscal prevista no art.

182, §4º, II, da CF, estabelece relação diretamente proporcional entre o tempo de violação e suas consequências tributárias, ou seja, quanto mais tempo a situação agressiva à finalidade social da propriedade - e a consequente inobservância dos ditames do plano diretor - se mantém, maior será a alíquota aplicável no lançamento.

Verifica-se, naquilo que a doutrina costuma chamar de tributo extrafiscal, ao menos prima facie, característica de imposição de sanção de ato ilícito.

Inclusive, em homenagem aos princípios da capacidade contributiva e da vedação da utilização do tributo com efeito de confisco, a referida alíquota é limitada ao valor máximo de 15% com base na lei municipal específica. Isso para dizer que a própria legislação brasileira, tal qual seus máximos decisores – STF e STJ -, aplica as normas tributárias – princípios, regras e normas reguladoras típicos de tributo – ao IPTU Progressivo no Tempo.

É de se notar, nada tem a ver a aplicação da norma redigida no art. 182, §4º, II da Constituição Federal, com o princípio da Capacidade Contributiva, na medida em que sua aplicação se dá da mesma forma, para o imóvel A valendo 10.000, como para o imóvel B, valendo 1.000.000. Característica na exação fiscal (quem mais tem, mais paga), a Capacidade Contributiva aqui, na extrafiscalidade, exsurge “apenas” como limitadora da aplicação indiscriminada da norma, nos dizeres de LACOMBE:

“A questão da aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva é muito mais complexa, basta dizer que no presente caso há a total desconsideração da capacidade contributiva subjetiva e parcial desconsideração da objetiva, uma vez que embora não seja signo de riqueza o efeito confiscatório não pode ser desconsiderado.”74

MENKE, nesse sentido, afirma:

73 FURLAN, Valéria. Imposto Predial Territorial Urbano. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 160

74 LACOMBE, 2002, p. 568, apud PONTES, 2018 p. 120

“[...] a capacidade contributiva cumpre outra função que não apenas a de servir de critério para dosagem do valor a pagar a título de crédito tributário.

Ela se relaciona ao conteúdo essencial dos direitos; e, portanto, limita as restrições causadas pelas normas tributária, ainda que justificada por um fim extrafiscal.”75

Do lado contrário, há na doutrina, quem discorde da aplicabilidade do princípio, sob o argumento de que não haveria caráter confiscatório no IPTU progressivo no tempo visto que seria mera reação ao ilícito. Assim ensina OLIVEIRA:

“Não se pode dizer que a elevação da alíquota tenha caráter confiscatório.

Decorre ela da sanção pelo descumprimento de importante valor constitucional, que é a função social da propriedade. Apenas em não sendo cumprido o preceito é que nasce a possibilidade da sanção. Esta é a reação da ordem jurídica ao não cumprimento de uma obrigação legal. Logo não tem caráter confiscatório, ainda que seja exasperação de pagamento em dinheiro.”76

Sem pretender discutir a sanção, tópico seguinte de estudo nesta Monografia, temos que caso se verifique o pertencimento do IPTU progressivo no tempo à seara tributária, parece mais ponderada a opção daqueles que entendem aplicável o princípio da vedação da utilização do tributo com efeito de confisco, pois que, conforme já decidiu reiteradamente o Supremo Tribunal Federal, este princípio não apenas se aplica aos tributos, mas a todo o Direito Tributário, onde possa haver confisco.

D’outro lado, caso se pudesse desconectar a referida norma do Regime Tributário, entendida apenas como sancionatória, sequer haveria questão a ser discutida, visto que o princípio do não confisco, ainda que seja detidamente reconhecido em alguns outros capítulos de nossa Constituição Federal – como no instituto da Desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, que preveem justa e prévia indenização em dinheiro77 -, além de não ser “Princípio Geral do Direito”, à sanção não se aplica – nesse sentido há, na própria Lex Major

75 MENKE, 2008, p. 85, apud PONTES, 2018 p. 119

76 OLIVEIRA, 2005, p. 52, apud PONTES, 2018 p. 122

77 Há hipótese de “desapropriação confiscatória”, em verdade uma expropriação confiscatória - descrita no artigo 243 da Constituição Federal -, para a propriedade rural ou urbana onde for localizada plantação ilícita de plantas psicotrópicas ou exploração de trabalho escravo, como forma de sanção a seu proprietário, quando, então, não existirá indenização.

entendimento de que a sanção por ato ilícito autoriza a expropriação, ou seja, autoriza que o Estado tome a propriedade do particular sem indenização de qualquer tipo em nome das funções da pena (retributiva, educacional, preventiva), fundado no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal.78

Em conclusão, importa dizer, a progressividade extrafiscal, característica do artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal, é o que denota possível caráter sancionatório, por sua utilização voltada a promover o bom uso da propriedade urbana. Em palavras outras, ainda que em geral o tributo não possa ser instituído como uma sanção por ato ilícito, observa-se da norma constitucional a intenção do legislador originário em, diante da ilicitude pelo descumprimento da função social, e guardados todos os cuidados procedimentais, sancionar o proprietário que mal destina seu imóvel.79

78 “CF Art. 5º (...)

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos”

79 Claro, ainda que haja sanção, esta não é aplicada com fins arrecadatórios, mas com a finalidade exclusiva de fazer cessar a má destinação da propriedade, inadequada a sua função social.

4 A EXTRAFISCALIDADE

Três são os quesitos de imprescindível análise para o deslinde da questão proposta nesta Monografia. Um, já referido, é ter (ou não) o dispositivo do artigo 182,

§4º, II, CF, caráter de tributo. O segundo, caso o primeiro tenha resposta afirmativa, é perceber se esse tributo tem caráter predominantemente80 fiscal ou extrafiscal e, por fim, verificar a existência de caráter sancionatório do instituto.

E aqui já nos adiantamos: caso venha (o IPTU progressivo) a constituir tributo, seu caráter predominante será extrafiscal. Tentar entender o contrário seria fazer de malabares o texto constitucional. O “porquê” disso, se ainda não ficou claro, logo ficará.

Caráter fiscal nada mais é do que o tributo em seu objetivo próprio, original, o de arrecadar.

Caráter extrafiscal, contudo, é aquele encontrado na norma – tributária - que pretende induzir ou inibir certo comportamento de seu destinatário – contribuinte –, utilizando como meio de coerção81 para que se produza o resultado esperado.

Nessa linha também entende o professor José Souto Maior Borges que, em poucas mas brilhantes palavras, define a extrafiscalidade:

“A doutrina da extrafiscalidade – ao contrário da concepção da finança

“neutra” – não considera a atividade financeira um simples instrumento ou meio de obtenção de receita, utilizável para o custeio da despesa pública.

Através dela, o Estado provoca modificações deliberadas nas estruturas sociais. É, portanto, um fator importantíssimo na dinâmica socioestrutural”82

Aqui já se fazem notar os contornos da semelhança entre a extrafiscalidade e o IPTU progressivo no tempo (art. 182, §4º, II, CF).

Poder-se-ia chegar à conclusão de que este “tributo” - que ainda não definimos tributo ser – nada mais é, desconsiderada a terminologia jurídica, que um instrumento

80 Diz-se predominante pois, hoje, é muito difícil – se não impossível - encontrarmos um tributo “puro”,

exclusivamente fiscal ou extrafiscal. O comum é que os tributos em geral possuam caráter predominantemente fiscal, mas também trazendo um viés de extrafiscalidade, ou seja, buscando fim maior que a mera arrecadação.

81 Aqui entendida “coerção” como a força que exerce o Estado para fazer valer o Direito, a fim de que não se torne, a norma, vazia de eficácia.

82 BORGES, José Souto Maior. Introdução ao direito financeiro. São Paulo: Max Limonad, 1998. p.

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de indução do comportamento utilizado. Indução esta voltada a, no específico caso do art. 182, §4º, II, da CF, promover o adequado aproveitamento do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que se faz eficaz através da cominação de uma sanção legal, qual seja, a progressividade do IPTU.

Percebe-se, então, o grande questionamento do tema aqui estudado. Seria possível admitir que um tributo fosse aplicado, em sua função extrafiscal, como sanção? Ou a vedação de “sanção de ato ilícito” presente no artigo 3º do CTN se estende a este tributo extrafiscal e, assim sendo, segue a lógica constitucional?

Em outras palavras, após estudada a característica da “Sanção”, toda a nebulosidade que cerca o instrumento que previu o legislador constitucional para efetivar a promoção da função social da propriedade se resume em aceitar (ou não), a extrafiscalidade, a presença de elemento sancionador.

Ainda melhor fraseando, seria o caráter extrafiscal do tributo excepcionador da proibição de “sanção de ato ilícito”? Sua presença no IPTU progressivo no tempo é indelével, mas se pode considerá-lo “sanção de ato ilícito”?

Para sanar a dúvida, então, não é outro o caminho senão o estudo do tema da extrafiscalidade, a fim de se compreender se sua estrutura aceita a utilização de tributo como sanção.

4.1 EXTRAFISCALIDADE, NORMA TRIBUTÁRIA INDUTORA E O TRIBUTO