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A proposta de Edilson Vitorelli para a participação em litígios coletivos

3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS À COMPREENSÃO DA TUTELA COLETIVA

3.5. LEGITIMAÇÃO COLETIVA E DEVIDO PROCESSO LEGAL: A

3.5.3. A proposta de Edilson Vitorelli para a participação em litígios coletivos

Como visto, Edilson Vitorelli classificou as situações jurídicas coletivas a partir do litígio; vale dizer, utilizou as variáveis do litígio – conflituosidade interna e complexidade, para traçar as seguintes espécies: (i) litígio coletivo de difusão global; (ii) litígio coletivo de difusão local; e, (iii) litígio coletivo de difusão irradiada. A partir de tal divisão, o autor traçou o que entende por devido processo legal coletivo, definindo, inclusive, a disciplina que entende adequada para a participação processual em cada uma das referidas situações.

No caso dos litígios de difusão local, Vitorelli lembra que há baixa conflituosidade entre os integrantes do grupo. Por tal motivo, defende que a ausência de pessoas especificamente afetadas justifica um tratamento processual que prestigie a sociedade como um todo, já que a relevância da lesão para os indivíduos é baixa. Em tal contexto, a escolha do legitimado deve recair sobre ente apto a promover a defesa da sociedade como um todo, e não em prestígio a uma determinada parcela do espectro social. Logo, é mais interessante que sejam escolhidos os legitimados “imparciais”, como o Ministério Público, a Defensoria Pública e PROCONs, evitando-se a atuação isolada de instituições vinculadas a finalidades temáticas específicas, como sindicatos e organizações não governamentais, pois tendem a favorecer uma visão do litígio direcionada aos interesses a que estão vinculadas (e não uma perspectiva global que interesse a todos indistintamente)250.

249 Nesse sentido, formulando inclusive uma proposta de lege lata para realização do referido controle: (GIDI,

Antônio. A representação adequada nas ações coletivas brasileiras: uma proposta. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2003, nº 108, p. 68)

250 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016,

A situação muda de figura quando se está a tratar de litígios de difusão local, em que há nível médio de conflituosidade e afetação substancialmente mais elevada de uma determinada comunidade ou minoria social. Em tais hipóteses, o representante ideal não é um órgão estatal imparcial como o Ministério Público, sendo mais adequado que se pense em entes e/ou associações vinculadas tematicamente à defesa da comunidade ou da minoria social lesada (como a FUNAI ou ONGs). Deste modo, prestigia-se a visão do grupo de pessoas afetadas pela lesão de massa, eis que as associações e sindicatos tendem a ser mais abertas à vontade da coletividade a que estão tematicamente vinculadas e estar mais inteiradas dos problemas do grupo251.

O legitimado, por sua vez, deve incentivar a participação do grupo atingido, ouvindo os anseios da comunidade para tornar a respectiva atuação processual ainda mais aderente àquilo que é pretendido pelo grupo titular da situação jurídica.

Cabe lembrar que as comunidades tradicionais e/ou minorias não são imunes a divergências internas; isto é, os litígios de difusão local envolvem algum grau de conflituosidade interna. Para acomodar processualmente tais aspectos, é possível pensar numa maior abertura do processo aos influxos individuais dos membros do grupo, bem como na possibilidade de atuação de mais de um legitimado coletivo, um para cada posição relevante252. Além disso, e não sendo possível dispor de dois legitimados atuando juntos, pode-se cogitar da própria na abertura em juízo, pelo legitimado, da divergência interna e visões existentes, o que viabilizaria que o Poder Judiciário decidisse sobre a melhor solução a ser adotada253. O importante é que todos os pontos de vista relevantes tenham alguma vazão no processo, sendo que os custos decorrentes de tal pluralização seriam recompensados com uma maior qualificação e aderência da prestação jurisdicional.

No caso dos litígios irradiados, há dificuldades ainda mais graves: diante da multiplicidade de interesses desalinhados - isto é, do elevado grau de conflituosidade -, é muito pouco provável que um único legitimado esteja em condições de defender com igual vigor a

251 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016,

p. 510-511.

252 “(...) se a opinião do representante for compartilhada por uma parcela do grupo, o mais indicado pode ser a

pluralização da representação, com a formação de subgrupo, atribuindo-se a outro legitimado a tarefa de atuar em nome dos descontentes.” VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016, p. 510.

253 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016,

multiplicidade de perspectivas envolvidas. Logo, há que se distribuir a representação/legitimação entre múltiplos agentes, sendo que cada um dos legitimados deve estar efetivamente alinhado aos interesses do subgrupo defendido, garantindo-se, assim, por meio de diferentes amostragens participativas, uma maior aderência entre os legitimados e os interesses materiais subjacentes ao litígio254-255.

Além disso, e obedecendo à lógica da complementaridade entre participação e representação256, cada legitimado deverá viabilizar “momentos participativos” do respectivo

subgrupo; isto é, ocasiões para contato entre os titulares de cada perspectiva do litígio e o legitimado correspectivo. A amplitude e multiplicidade dos referidos momentos de participação serão diretamente proporcionais à complexidade do litígio, tudo de modo a permitir uma maior correspondência entre o que é pretendido pelos grupos de interesse e o que é efetivamente postulado e defendido pelo legitimado coletivo. Desse modo, evita-se que a variedade de soluções possíveis e o distanciamento do legitimado acabem levando a um “descolamento” entre a atuação representativa e o que efetivamente é pretendido pelo afetados pela lesão. Ademais, os referidos momentos participativos servirão à solução de eventuais divergências nos subgrupos, de modo a suprimir novas subdivisões e o correlato excesso de legitimado coletivos em atuação257.

254 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016,

p.538-539

255 Também nessa linha, colhe-se a lição de Sérgio Arenhart: É nesse sentido que se exige uma outra dimensão e um

novo conteúdo para o contraditório. O direito de influir, aqui, deve poder ser exercido pelos vários núcleos de interesses que podem incidir sobre o objeto da controvérsia, seja diretamente pelos interessados (quando possível), seja por meio de “representantes adequados” de tais interesses, seja ainda pelos especialistas que possam contribuir com o aporte de uma visão mais adequada e correta do problema e de eventuais soluções possíveis. (ARENHART, Sérgio Cruz. Processos estruturais no direito brasileiro: reflexões a partir do caso da ACP do carvão. Revista de Processo Comparado. nº 2, versão eletrônica. São Paulo: RT, jul/dez, 2015).

256 “(...)exige que o processo representativo contemple momentos participativos, anteriores, simultâneos e posteriores

à atuação do representante, nos quais os representados tenham efetiva oportunidade de questionar a atuação do representante, ouvir suas explicações e, em situações extremas, demandar sua substituição ou a divisão do grupo, pluralizando a representação. Nenhum esquema processual representativo que inadmita, de modo geral e absoluto, a participação dos indivíduos representados, nem imponha sobre o representante o questionamento contínuo de sua conduta, sob ameaça de substituição, pode ser compatível com um regime jurídico que demanda a adequada tutela de direitos materiais. Isso porque, ausentes essas condições, não há garantias institucionais de que o representante tem estímulos para agir adequadamente em defesa dos direitos do grupo, arriscando-se o rompimento da relação representativa, o que faria do representante um mero agente de seus próprios interesses ou das posições sociais dominantes, cuja atuação perderia o vínculo com aqueles que ele diz representar. Representação é uma atividade que pressupõe juízo de valores por parte do representante, perdendo qualquer sentido caso se considere que ele tem a prerrogativa de afirmar verdades em nome de terceiros, ou, em outro extremo, fazer, em seu nome, escolhas completamente voluntaristas.” (VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016, p.252).

257 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016,