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O plano de recuperação judicial

2. O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO: ABRANGÊNCIA E PRINCIPAIS ETAPAS

2.3. AS PRINCIPAIS FASES/ATOS DO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

2.3.5. O plano de recuperação judicial

O processo de recuperação judicial foi dimensionado para satisfazer da melhor maneira possível os interesses de diversos sujeitos e grupos que orbitam em torno da empresa. A um só tempo, busca-se preservar a atividade empresarial não se descuidando dos direitos da coletividade de empregados, bem como de eventuais outros grupos envolvidos. Por fim, deve ser viabilizada a efetivação dos créditos existentes85.

A realização de tal missão, por sua vez, está vinculada a um conjunto organizado de bens (common pool of assets), que, a princípio, seria dilapidado caso todos os credores partissem para a satisfação individual de suas situações jurídicas. Nesse sentido, a recuperação judicial parte da premissa de que o conjunto organizado de bens e direitos do devedor, enquanto afetado a uma atividade produtiva, possui valor agregado superior àquele que se alcançaria com uma venda segregada do ativo. Com base em tal ponto de partida, busca-se por meio do processo uma atuação cooperativa/negociada de todos os envolvidos, o que se faz com o objetivo de alcançar um denominador comum vantajoso para todos86.

É justamente aí que se insere o plano de recuperação judicial. Por meio da referida avença os envolvidos estabelecem verdadeira barganha coletiva voltada a realizar, da melhor maneira

84 Esse é o teor do Enunciado de nº 46, da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: “Não

compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores.”

85 “A recuperação judicial deve ser boa para o devedor, que continuará produzindo para pagamento de seus credores,

ainda que em termos renegociados e compatíveis com sua situação econômica. Mas também deverá ser boa para os credores, que receberão seus créditos, ainda que em novos termos e com a possibilidade de eliminação desse prejuízo no médio ou no longo prazo, considerando que a recuperanda continuará a negociar com seus fornecedores.” (COSTA, Daniel Carnio da. “Reflexões sobre processos de insolvência: divisão equilibrada de ônus, superação do dualismo pendular e gestão democrática de processos”. In: ELIAS, Luis Vasco (Coord.) 10 anos da lei de recuperação de empresas e falências: reflexões sobre a reestruturação empresarial no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 87-112)

86 AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3.

possível, os interesses que orbitam em torno da empresa, evitando-se, assim, a concretização dos efeitos nefastos de eventual encerramento respectivo87.

O plano consiste em um projeto em que estão previstas operações ou meios destinados a debelar a crise da empresa. É a proposta apresentada pelo devedor aos credores relativamente a como a empresa pretende se reorganizar para superar a crise88.

Desse modo, o plano deve indicar o passo a passo da reestruturação: as propostas negociais de equacionamento da crise e de composição paralela dos diferentes interesses em jogo. A ideia aqui é que o devedor e os credores negociem num ambiente procedimental os meios que levarão à acomodação dos diferentes interesses, inclusive com a preservação da empresa. Logo, tem-se que a crise deverá ser enfrentada por meio de composição direcionada pelo Poder Judiciário.

O art. 50, da Lei nº 11.101/2005 estabelece os diferentes meios de que se podem valer os envolvidos para afastamento da crise. De acordo com respectivo teor, pode o plano estipular novos prazos e condições para pagamento das obrigações (art. 50, I, da Lei nº 11.101/2005), propor cisão, incorporação, fusão ou transformação da sociedade, bem como a cessão de quotas ou ações (art. 50, II, da Lei nº 11.101/2005); pode ainda substituir os administradores da sociedade (art. 50, IV, da Lei nº 11.101/2005), admitir que os credores nomeiem administradores com poder de veto (art. 50, V, da Lei nº 11.101/2005), aumentar o capital social da sociedade, alienar unidade produtiva isolada com afastamento geral da responsabilidade patrimonial, além de outros meios típicos e atípicos. O rol do art. 50, da Lei nº 11.101/2005 é extenso e não é taxativo, sendo possível a estipulação de meios atípicos de recuperação da empresa.

Entretanto, a liberdade de negociação encontra alguns limites. O plano não pode afastar normas cogentes; aliás, o próprio art. 50, da Lei nº 11.101/2005 estabelece que a escolha de meios observará o quanto previsto na “legislação pertinente”. Não é possível, por exemplo, que o plano resulte: (i) em concentração de mercado que viole legislação concorrencial; (ii) em reestruturação das relações trabalhistas que afaste o conteúdo mínimo do contrato de trabalho;

87 AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3.

ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 231.

88 SPINELLI, Luís Felipe; TELLECHA, Rodrigo. Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei nº

(iii) em livre venda de bens da sociedade não especificados no próprio plano; e, (iv) em pagamento do crédito trabalhista em prazo superior a um ano. Inclusive, a própria Lei nº 11.101/2005 traz alguns limites materiais específicos, afastando, por exemplo, a eficácia da supressão ou substituição de garantia real caso o(s) respectivo(s) titular(es) não anuam.

Por outro lado, e de acordo com o art. 41, da Lei nº 11.101/2005, não é possível tratar os credores de maneira desigual sem razão plausível; por isso, o plano deverá tratar os credores por classe e se abster de dispensar tratamento individualizado sem que haja justificativa para tanto. Quando muito, o plano poderá estabelecer diferentes núcleos de homogeneidade dentro de cada classe e dispensar tratamento desigual entre eles89, o que, aliás, encontra suporte no enunciado 57, da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal90. Nesse sentido, pode-se pensar em estabelecer tratamento mais benéfico aos créditos quirografários de menor monta, fixando-se alíquotas progressivas de deságio voltadas a fazer com que os titulares dos créditos de valor mais elevado contribuam mais com o soerguimento da empresa.