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Desistência e legitimação ad actum na recuperação judicial

4. A RECUPERAÇÃO JUDICIAL COMO PROCESSO COLETIVO

4.5. ALGUNS REFLEXOS DA PERCEPÇÃO DA RECUPERAÇÃO COMO PROCESSO

4.5.4. Desistência e legitimação ad actum na recuperação judicial

As diversas situações processuais de legitimação no processo de recuperação judicial tendem a ser extraordinárias. Isto é, não há uma associação perfeita entre a legitimidade para a prática de atos e a titularidade do direito material, verificando-se, em muitos casos, a atuação dos credores na defesa de situações jurídicas pertencentes a uma coletividade. É o caso da apresentação de objeção ao plano, postura que justifica a instauração da assembleia geral de credores. Embora o credor objete com o objetivo de resguardar direito material próprio, tal conduta confere vazão a uma multiplicidade de situações jurídicas materiais individuais e coletivas, eis que o plano sempre tocará mais de uma esfera jurídica.

§ 9º – O Relator poderá determinar a realização da audiência fora do prédio do Tribunal, em local de fácil acesso ao público destinatário, inclusive fora da sede do juízo, sempre que julgar necessário à garantia do amplo comparecimento.

§ 10 - A audiência pública será registrada em ata e mediante gravação de áudio e vídeo, bem como transmitida por meio da rede mundial de computadores e redes de televisão estatais, sempre que possível.

§ 11 - As questões levantadas durante a audiência pública, desde que relevantes para o julgamento da causa, deverão ser examinadas pelo Órgão julgador, na forma do art. 489, § 1º, do Código de Processo Civil.

§ 12 – A audiência pública poderá ser designada nos procedimentos de uniformização de jurisprudência, previstos nos arts. 216 a 230 deste Regimento, e poderá realizar-se em outros casos em que o Relator a reputar necessária. Disponível em: www.tjba.jus.br, consulta em 27 de novembro de 2017, às 21:37.

335 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Mootnes doctrine e o Direito Brasileiro. Preservação dos Atos Validamente

Implementados no Âmbito da Recuperação Judicial. In: ELIAS, Luis Vasco (Coord.). 10 anos da lei de recuperação de empresas e falências: reflexões sobre a reestruturação empresarial no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 87-112.

Nesse sentido, aliás, a objeção apresentada por um determinado credor é eficaz em relação a todos os outros, bastando uma única objeção para justificar a convocação do conclave. De igual modo, e como já destacado, a interposição de recursos a partir da recuperação judicial também tende a ser exercício de legitimação extraordinária, uma vez que a decisão questionada geralmente afeta diversas esferas jurídicas além da do próprio credor recorrente.

A desistência nada mais é do que o negócio jurídico em que a parte abdica expressamente de sua posição processual336; isto é, volta atrás no exercício de uma situação jurídica processual

ativa. É possível voltar atrás no exercício do próprio direito de ação – desistência total -, bem como desistir do exercício de outras situações jurídicas ativas, tais como a apresentação de recurso (que é desdobramento do direito de ação337).

Em determinados casos, o legislador percebeu que o exercício de uma determinada posição processual ativa pode resultar num panorama processual que interesse não só ao respectivo titular, mas a outros sujeitos. Em tais hipóteses, o legislador costuma a impedir o exercício da desistência e/ou a condicionar os respectivos efeitos à aceitação dos demais interessados. É o caso da desistência do autor já depois da apresentação da contestação, que fica condicionada à anuência do réu (art. 485, §4º, do CPC). Supõe-se, pois, que o réu que apresentou a contestação pode ter interesse no julgamento de mérito, de modo que a desistência fica condicionada à respectiva aceitação.

Por tal motivo, a desistência da ação possui um regramento todo especial nos processos coletivos. Como o exercício da legitimação ativa geralmente está direcionado à defesa de situações jurídicas materiais alheias ao patrimônio jurídico do titular da legitimidade (potencial responsável pela desistência), tanto a Lei n. 7.347/1985 quanto a Lei n. 4.717/1967 instituem uma lógica de substituição do legitimado coletivo em caso de desistência; isto é, caso um determinado legitimado apresente desistência, abre-se oportunidade para a assunção da posição ativa por um outro legitimado (o Ministério Público), prestigiando-se, pois, a manutenção do processo338.

336 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 810

337 Nesse sentido, conferir: (i) MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 14 ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 5, p. 236; e, (ii) DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 14. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 3, p. 108.

338 Sobre o tema, conferir DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo

No caso da recuperação judicial, há dispositivo específico regulando a desistência do pedido: o art. 52, §4º, da Lei n. 11.101/2005 é expresso ao prever que, uma vez proferida a decisão de processamento da recuperação, a desistência da ação fica condicionada à aprovação em assembleia geral de credores. Ou seja, atendendo aos interesses materiais subjacentes á recuperação, o legislador impede que a continuidade do processo fique ao alvedrio do devedor, o que, naturalmente, é coerente com a natureza coletiva do processo de recuperação e com a natureza extraordinária para a demanda.

Entretanto, não há regramento específico para a desistência do exercício da legitimação para prática de atos processuais internos que favoreçam não só o legitimado, mas os diversos indivíduos e coletividades cujas esferas jurídicas sejam afetáveis pelo processo de recuperação judicial. Para ficar com um exemplo mais simples, imagine-se um processo de recuperação em que apenas um credor tenha objetado o plano. Nesse caso, eventual desistência impedirá a realização de assembleia geral de credores e, certamente, frustrará os interesses de diversos credores. Eventualmente, inclusive, a apresentação de objeção por um credor faz com que os demais confiem na realização do conclave de deixem de se opor pessoalmente.

O mesmo pode acontecer com os recursos.

Como visto, a insurgência veiculada por um determinado legitimado certamente terá efeitos sobre outras partes, bem como sobre indivíduos e coletividades alheios ao processo. Logo, eventual desistência pode ter reflexos sobre as esferas jurídicas de diversos indivíduos e coletividades, não se adstringindo àquele que resolveu voltar atrás no exercício da legitimação.

Diante de tais aspectos, há de haver limitação dos efeitos da desistência no âmbito do processo de recuperação judicial. Considerando a natureza coletiva do processo, bem como as próprias características das situações de legitimação normalmente verificadas, tal ato volitivo não deve levar ao desfazimento do ato processual praticado e reestabelecimento do status quo.

No caso específico da objeção – que simplesmente provoca a designação de assembleia geral de credores –, deve o juiz seguir com a convocação do conclave, tendo por ineficaz o ato de desistência. Essa, aliás, é a solução proposta por Cássio Cavali e Luiz Roberto Ayoub, ainda que por motivos diversos dos aqui expostos339.

339 “O ideal seria que não fosse permitida a desistência à objeção, pois muitos credores, ao saberem que foi

No caso particular dos recursos e/ou das impugnações a créditos, a solução deve ser semelhante àquela verificada no âmbito da ação civil pública e da ação popular; isto é, o juiz ou o relator deve intimar outros colegitimados para que assumam a posição do impugnante/recorrente. Caso inexistam, a posição deverá ser assumida pelo Ministério Público.

4.5.5. O hibridismo entre cognição e execução, bem como entre jurisdição e negociação: