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O problema posto e o critério encontrado

3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS À COMPREENSÃO DA TUTELA COLETIVA

3.3. DOS DIFERENTES TIPOS DE LITÍGIO COLETIVO: UM BREVE EXAME DA

3.3.1. O problema posto e o critério encontrado

O CDC foi responsável por trazer a definição legal das situações jurídicas coletivas. Consequentemente, a referida lei teve importância evidente para o avanço da tutela coletiva no Brasil, tendo marcado um passo decisivo na evolução legislativa que teve início com a Lei nº 4.717/1965 (ação popular) passando pela edição da Lei nº 7.347/1985 (ação civil pública), pela promulgação da Constituição Federal em 1988 e fechando com a edição do Estatuto da Criança e

174 MAIA, Diogo Campos Medina. A ação coletiva passiva: o retrospecto histórico de uma necessidade presente.In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluísio de Castro Gonçalves; WATANABE, Kazuo (Coord.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos. São Paulo: RT, 2007, p. 339.

175 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 11. ed. Salvador:

do Adolescente e da Lei nº 8.429/1992, o chamado microssistema que rege o processo coletivo no Brasil176.

Partindo da definição legal de direitos coletivos, e tendo por dado objetivo o fato de que o legitimado à defesa das referidas situações jurídicas não se confunde com o respectivo titular, Edilson Vitorelli estabelece alguns problemas teóricos que, em certa medida, põem em xeque o próprio centro gravitacional de que parte o atual microssistema de processo coletivo.

No que importa ao objeto do presente estudo, as questões postas giram em torno do seguinte: (i) “a relação entre o grupo titular de direitos coletivos e o legitimado que é parte no processo”177; (ii) titularidade dos direitos transindividuais e a própria definição dos

grupos/coletividades; (iii) da participação dos afetados na formação do pedido de tutela coletiva, bem como os limites da atuação do legitimado; e, (iv) se as particularidades das situações jurídicas coletivas impõem mera adaptação do processo civil individual ou uma reformulação e criação de um novo sistema178.

Com o objetivo de solucionar tais problemas, e entrando particularmente no aspecto da titularidade e conformação das situações jurídicas coletivas, Edilson Vitorelli passa a questionar o próprio dogma da indivisibilidade dos direitos difusos e coletivos em sentido estrito, demonstrando, a partir de exemplos práticos, que nem sempre as lesões coletivas afetam os interesses dos integrantes do grupo com a mesma intensidade e despertam o mesmo interesse179.

Embora para o conceito tradicional de situações jurídicas coletivas o direito a um meio ambiente equilibrado pertença a uma coletividade (num sentido orgânico) e afete a todos de maneira indeterminada, tem-se que um eventual litígio resultante de um derramamento de óleo na Baia de Guanabara terá repercussão avassaladora para a população que vive nos arredores do

176 Sobre o tema, conferir: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo

coletivo. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 4, p. 55-60.

177 “Se o legitimado coletivo não é o titular dos direitos demandados, parece essencial pesquisar suas

responsabilidades para com os reais titulares desses direitos, tema que passou ao largo do debate do processo coletivo no Brasil”. (VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016, p. 17)

178 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016,

p.24

179 A dissociação entre a titularidade dos direitos transindividuais e os indivíduos, que faz com que tais direitos sejam

"de todos, mas, ao mesmo tempo, de ninguém", retira do processo o referencial humano em relação ao qual ele deveria se orientar, bem como suprime indevidamente as posições sociais que divergem da esposada pelo legitimado coletivo, autor da ação, e ainda contribui para calar a crítica pública, por parte das pessoas cujas vidas são efetivamente transformadas pelo litígio e por seu resultado. (VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016, p.94)

corpo d’água — notadamente comunidades pesqueiras, ao passo que terá repercussão mínima (ou nenhuma) sobre a vida de alguém que vive em Manaus/AM. Por outro lado, um derramamento de óleo ocorrido no meio do Oceano Atlântico — longe de áreas habitadas —resulta numa situação bem diferente, eis que terá repercussão predominantemente uniforme na vida de todos: vale dizer, o interesse na recomposição do meio ambiente é algo mais uniforme sob o ponto de vista dos afetados.

A crítica, portanto, vem da seguinte constatação: de acordo com a tipificação contida no CDC — que vale para todo o microssistema da tutela coletiva —, os processos resultantes dos exemplos acima teriam por objeto direitos coletivos lato sensu, logo, e a despeito de tais situações serem radicalmente diversas sob o ponto de vista do referencial humano, receberiam do microssistema de tutela coletiva uma solução processual semelhante.

É justamente aí que entra um dos pontos fundamentais da contribuição de Edilson Vitorelli. Para o referido autor, a indeterminação dos afetados (e consequente ideia de que se estaria tratando a todos de maneira semelhante) só seria aceitável se a lesão discutida fosse efetivamente indivisível. Em havendo a percepção de que a realidade do conflito afetará de maneira diferente os integrantes da coletividade (como é o caso dos litígios transindividuais), há de se pensar de maneira diversa; isto é, levar em consideração tal referencial180.

Nesse sentido, Edilson Vitorelli questiona a estruturação do devido processo coletivo a partir das amplíssimas categorias do CDC (que permitem um tratamento semelhante para situações drasticamente diferentes) e propõe a conformação do devido processo a partir do litígio, afirmando que é à luz desse dado que se pode definir a titularidade do direito em juízo e tornar o processo muito mais aderente ao(s) bem(s) da vida discutido181.

180 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016,

p.65.

181 “O conceito tripartite formulado supra é, reconhece-se, bem mais complexo que o atualmente existente nos

estudos do processo coletivo. Entretanto, se um conceito mais complexo puder dar conta da realidade dos litígios coletivos com mais precisão, ele terá valido o esforço.” VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: RT, 2016, p.108.