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2. O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO: ABRANGÊNCIA E PRINCIPAIS ETAPAS

2.2. OS SUJEITOS DO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

2.2.8. O juiz

O art. 139, do CPC, é expresso ao estabelecer que a direção do processo cabe ao juiz. É importante destacar, contudo, que tal posição não torna o magistrado a principal figura do processo nem tampouco lhe garante qualquer tipo de ascendência hierárquica em relação aos demais sujeitos processuais. Excetuado o momento de decisão – em que o magistrado exerce assimetricamente a função que lhe é reservada60 – há verdadeira simetria/divisão de esforços na

condução do processo, cabendo ao juiz observar o quanto disposto no art. 6º, do CPC e cooperar com as partes para que se alcance o melhor resultado possível61.

Vige no Brasil, portanto, o modelo cooperativo de gestão e condução do processo62, cujas premissas são: (i) inclusão do juízo no diálogo processual por meio do redimensionamento do contraditório e consequente possibilidade real de influência das partes na decisão; (ii) condução simétrica do feito; (iii) comportamento dos sujeitos processuais em conformidade com a boa-fé objetiva; e, (iv) respeito ao auto regramento da vontade (art. 190, do CPC)63.

Na recuperação judicial a simetria entre o juízo e demais sujeitos é ainda maior. Em primeiro lugar, tem-se que o processo de recuperação judicial não se encerra com um ato de heterocomposição, cabendo aos sujeitos processuais alcançar — sob a chancela e acompanhamento do Estado-juiz — uma solução negociada para a crise64. Ao juiz, portanto, cabe

60 “O juiz tem seu papel redimensionado, assumindo uma dupla posição: mostra-se paritário na condução do

processo, no diálogo processual, sendo, contudo, assimétrico no quando da decisão da causa.” (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 114)

61 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Capítulo I – Dos Poderes, deveres e responsabilidade do juiz. In: CABRAL,

Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.) Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 248.

62 Sobre o tema, conferir: (i) DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e

cooperativo. Revista de Processo. nº 198, p. 213, São Paulo: RT, ago., 2011; (ii) DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra: Coimbra, 2010; (iii) MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. São Paulo: RT, 2011; (iv) DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017; (v) GOUVEIA, Lúcio Grassi de. Cognição processual civil: atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. In: DIDIER JR., Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 183-195; e, (vi) ZANETI JR., Hermes. Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 199.

63 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 141-147.

64 “O processo de recuperação judicial, com efeito, é, por um lado, marcado por certo grau de autonomia e

discricionariedade das partes, o que se mostra – para citar apenas alguns exemplos – pelas circunstâncias de que a sua propositura é uma faculdade do devedor (Lei nº 11.101/2005, art. 48) e de que são os credores que aprovam o plano de recuperação (arts. 35, I, “a”, e 56) proposto pelo devedor (art. 53); o que inclusive já levou a se dizer que,

apenas: (i) avaliar se o devedor preencheu os pressupostos necessários ao processamento do pedido de recuperação judicial65; (ii) solucionar questões incidentais, tais como a certificação dos créditos e/ou conceder provimentos voltados a viabilizar o resultado útil do processo; (iii) avaliar a legalidade do procedimento de negociação coletiva da dívida, zelando (inclusive com provimentos decisórios) para que não se subverta o processo negocial estabelecido em lei; (iv) juntamente com o administrador judicial e com o comitê de credores, fiscalizar a administração do devedor e zelar para que o patrimônio da empresa não seja desviado; e (v) avaliar se a composição alcançada entre a assembleia de credores e o devedor atende à legalidade, bem como se o devedor reúne as condições formais para concessão da recuperação judicial (art. 58 e 59, da Lei nº 11.101/2005)66.

Portanto, tem-se a atuação do juiz na recuperação judicial é muito mais próxima à dos demais sujeitos processuais do que na generalidade dos processos, valendo salientar que a principal decisão é de natureza negocial; isto é, cabe à assembleia de credores deliberar sobre a aceitação ou não da proposta do devedor, e não ao juiz que exerce apenas as funções acima indicadas.

As demais atividades do processo de recuperação judicial — certificação de créditos, fiscalização do devedor e construção do ambiente para reestruturação da atividade — são exercidas pelos diferentes sujeitos processuais em verdadeira comunidade de trabalho, cabendo ao juiz apenas a decisão final quanto à certificação de créditos e/ou a prolação de provimentos decisórios voltados a afastar os efeitos de eventuais situações anômalas que venham a impedir o

na aprovação do plano, desenvolve-se uma “nova relação negocial” entre devedor e credores”. (WARDE JR., Wafrido Jorge; PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Discricionariedade da assembleia geral de credores e poderes do juiz na apreciação do plano de recuperação judicial. In: ELIAS, Luis Vasco (Coord.). 10 anos da lei de recuperação de empresas e falências: reflexões sobre a reestruturação empresarial no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 491-492).

65 “Ressalvo que o controle judicial do mérito do plano será, pois, possível, mas desde que o credor ou credores

apontem, a tempo e hora, eventual fraude ou conluio, ou, ainda, outro vício grave, que tenha o condão de comprometer a deliberação assemblear. Não se admite, contudo, que o credor insatisfeito se insurja tout court contra a vontade da maioria.” (TUCCI, José Rogério Cruz e. Contra o processo autoritário. Revista de processo. nº 242 (versão eletrônica). São Paulo: Revista dos Tribunais, abr., 2015.)

66 Há fortes discussões sobre o limite da atuação do juiz na análise do plano de recuperação judicial, havendo quem

entenda: (i) que ao juiz não é dada qualquer margem de análise alheia à legalidade estrita, sendo-lhe reservado um papel meramente homologatório da decisão da assembleia de credores e consequente respeito à liberdade contratual; e, (ii) que o juiz também examinar também a viabilidade econômica do plano. Para exame do tema, inclusive com referências jurisprudenciais, conferir: WARDE JR., Wafrido Jorge; PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Discricionariedade da assembleia geral de credores e poderes do juiz na apreciação do plano de recuperação judicial. In: ELIAS, Luis Vasco (Coord.) 10 anos da lei de recuperação de empresas e falências: reflexões sobre a reestruturação empresarial no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 491-500.

sucesso do processo e/ou a negociação, tal como a gestão temerária da empresa pelo devedor ou suspensão abusiva de fornecimento por credor, dentre outras situações.