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Da fase de votação do plano de recuperação

2. O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO: ABRANGÊNCIA E PRINCIPAIS ETAPAS

2.3. AS PRINCIPAIS FASES/ATOS DO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

2.3.4. Da fase de votação do plano de recuperação

No âmbito externo, a assembleia de credores constitui órgão organizado para atuar em prol do interesse comum da generalidade de credores74. Trata-se da principal instância

deliberativa da recuperação judicial, eis que decide sobre a aprovação ou não do plano de recuperação judicial.

Porém, a expressão da vontade coletiva depende de um procedimento jurídico específico expressamente definido na Lei nº 11.101/200575, não se confundindo com a média das opiniões

dos integrantes da coletividade de credores. É o referido procedimento que serve de objeto ao presente ponto; isto é, a assembleia geral será avaliada como procedimento de formação da vontade coletiva.

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que a assembleia geral de credores é órgão de funcionamento facultativo na recuperação judicial. Embora o referido órgão se instale em praticamente todos os processos de recuperação, é abstratamente viável que o plano de recuperação judicial seja aprovado sem assembleia. O art. 56, da Lei nº 11.101/2005 estabelece que a assembleia apenas será convocada caso haja objeção de algum credor ao plano76, sendo certo que o art. 58 da mesma lei institui que ele seguirá para homologação judicial caso não haja irresignação formalizada nos autos dentro do prazo fixado. Ou seja, a lei vê na não apresentação de objeções a aceitação/aprovação do plano de recuperação pelos credores.

Caso haja objeção ao plano, deve o administrador judicial requerer ao juiz a convocação da assembleia (art. 22, I, g, da Lei nº 11.101/2005); o juiz, por sua vez, convocará a assembleia geral de credores e determinará que o edital de convocação seja publicado no órgão oficial e em

74 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Seção IV: Da Assembleia-Geral de Credores. In: SOUZA

JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio A. de Moraes (Coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 188.

75 “Mas, como bem observa Wiedemann, enquanto no indivíduo a formação e expressão da vontade – a decisão

(Entschluss) de praticar um ato jurídico – obedecem a um processo de natureza psicológica, nos grupos a formação e expressão da vontade coletiva – a deliberação (Beschluss) – obedecem a um processo de natureza jurídica. Exatamente por isso não pode ser considerada expressão da vontade coletiva, consoante esclarece exemplarmente Bulhões Pedreira, em lição plenamente aplicável à hipótese de uma comunhão de credores, o resultado de eventual pesquisa de opinião que se fizesse junto aos sócios de determinada sociedade acerca de assunto sobre o qual se irá deliberar (...)” (FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. “Seção IV: Da Assembleia-Geral de Credores”. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio A. de Moraes (Coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 188.)

76 A objeção é o ato por meio do qual qualquer credor exprime a sua desconformidade em relação aos termos do

plano de recuperação judicial. A causa de pedir respectiva é livre, isto é, o credor pode afirmar que o plano foge aos limites definidos em lei e/ou trazer argumentos de natureza eminentemente econômica.

jornais de grande circulação (art. 36, da Lei nº 11.101/2005). Com isso, busca-se dar ampla publicidade à realização do ato, viabilizando que os credores se organizem e compareçam ao conclave.

A assembleia geral de credores é integrada por diferentes instâncias deliberativas: as chamadas classes de credores. De acordo com o art. 40, da Lei nº 11.101/2005, são classes integrantes da assembleia geral: (i) os titulares de créditos advindos da legislação trabalhista (ou fruto de acidentes de trabalho); (ii) os titulares de créditos com garantias reais; (iii) os titulares de créditos quirografários; e, (iv) os titulares de créditos que se enquadrem como microempresa ou empresa de pequeno porte. As instâncias deliberativas, por sua vez, são integradas pelos credores submetidos ao processo de recuperação judicial. Ou seja, para participar da assembleia geral, basta ostentar a condição de credor submetido aos efeitos da recuperação e do plano apresentado, apresentando-se, na data e hora designados, com toda a documentação de representação77e 78.

Na data, hora e local definidos no ato de convocação, a assembleia de credores se reunirá sob a presidência do administrador judicial, que, por sua vez, designará um dos credores para secretariar o conclave (art. 39, da Lei nº 11.101/2005). O quórum mínimo para instalação em primeira convocação é de credores cujos créditos somados totalizem mais da metade do valor de cada classe; em não se atingindo o referido quórum, a assembleia se instalará em segunda convocação com qualquer número de credores presentes (observando-se o prazo de cinco dias entre as convocações).

Para aprovação do plano de recuperação judicial, por sua vez, há que se observar os quóruns indicados no art. 45, da Lei nº 11.101/2005; vale dizer, o plano deverá ser aprovado em todas as classes, sendo certo que, no interior de cada uma das referidas instâncias, será observado o seguinte: (i) nas classes dos credores trabalhistas e credores enquadrados como microempresa e empresa de pequeno porte, a proposta de plano deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes (independentemente do valor do crédito); e (ii) nas classes integradas por credores quirografários e com garantia real, a proposta deverá ser aprovada por credores que

77 SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luís Felipe; TELLECHA, Rodrigo. Recuperação de empresas e falência:

teoria e prática na Lei nº 11.101/2005. São Paulo: Almedina, 2016, p. 203

78 Contudo, o art. 43, da Lei nº 11.101/2005 estabelece situações em que o credor submetido à recuperação judicial

não poderá participar da assembleia. Tratam-se, pois, de situações em que os credores presumivelmente poderiam se alinhar aos interesses do devedor (conflito de interesses), repercutindo negativamente na formação de uma vontade convergente ao melhor interesse da generalidade de credores. É o caso, por exemplo, do credor que simultaneamente seja acionista relevante do devedor ou parente do administrador.

representem a maioria simples dos créditos titularizados pelos presentes e, cumulativamente, pela maioria dos credores presentes79. Caso não haja aprovação do plano, o caminho a ser adotado é a falência.

Alternativamente, contudo, o art. 58, §1º, da Lei nº 11.101/2005 estabelece que o juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano de recuperação cuja aprovação não tenha atingido os quóruns do art. 45, da Lei nº 11.101/2005, mas respeite os seguintes requisitos cumulativos: (i) tenha recebido o voto favorável de credores que representem mais da metade de todos os créditos presentes à assembleia (independentemente de classes); (ii) tenha sido aprovado pela maioria das classes presentes à assembleia, ao passo que, na(s) classe(s) em que houve a rejeição, conte com o voto de um terço dos credores; e (iii) não trate de maneira diferenciada entre os credores integrantes da classe em que houve rejeição. Trata-se, pois, da chamada concessão por cram down, que visa evitar que o posicionamento individual de determinada classe de credores prejudique o conjunto geral dos envolvidos no processo de recuperação80.

A assembleia é soberana para deliberar sobre a aceitação ou rejeição do plano de recuperação81. Assim, e conquanto a eficácia do plano fique subordinada ao pronunciamento do juízo quanto ao respeito ao procedimento instituído e à legalidade das condições entabuladas82, só o referido órgão pode avaliar a conveniência e oportunidade de aceitar (ou não) a proposta, examinando inclusive sua viabilidade econômico-financeira.

Ao magistrado, por sua vez, cabe apenas o exercício de juízo de regularidade do procedimento assemblear (verificar se os requisitos procedimentais foram observados), bem como o controle de eventuais cláusulas cujo objeto seja ilícito83 (p. ex., cláusulas que definam o

79 “A rigor, LREF pretendeu estabelecer um sistema de votação equilibrado e balanceado, buscando evitar que

credores mais representativos - em razão da quantidade de créditos - dominem irrestritamente a assembleia em uma votação feita exclusivamente pelo valor dos créditos, e que credores pouco representativos do ponto de vista econômico, mas numericamente relevantes, dominem em uma votação realizada unicamente por cabeça.” SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luís Felipe; TELLECHA, Rodrigo. Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei nº 11.101/2005. São Paulo: Almedina, 2016, p. 214.

80 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Seção IV: Do procedimento de recuperação judicial. In: SOUZA JUNIOR, Francisco

Satiro de; PITOMBO, Antônio A. de Moraes (Coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 291-292.

81 AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3.

ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 264.

82 AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3.

ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 92.

83 Nesse sentido, conferir o Enunciado de nº 44, da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal:

“A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle judicial de legalidade.”

pagamento de créditos trabalhistas em desconformidade com o prazo máximo estipulado no art. 54, da Lei nº 11.101/2005); ou seja, não há que se falar em controle judicial da viabilidade econômica do plano de recuperação84.