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2. A ESPECIFICIDADE DA PUBLICIDADE

2.4. R/EVOLUÇÃO DA PUBLICIDADE

2.4.1 A PUBLICIDADE REDIMENSIONADA

Carências, consideradas por eles como dependentes ou a serem preenchidas pelo consumo num processo organizado, no interior das empresas, pelas estratégias do marketing. Para eles, a publicidade na realização da sua função de manutenção do consumo, divulga e celebra abertamente os benefícios de sua existência, difundindo de forma massiva a circulação das quantidades introduzidas pela produção seriada. Um processo em que a publicidade mais do que instrumento para escoar produtos materiais, se mostra formadora de uma produção própria, os consumidores. Uma produção acelerada de compradores ou audiência, para os meios de comunicação, um contingente capaz de justificar as regras de expansão capitalista.

Breton e Proulx (2002:103) marcam o nascimento da publicidade no começo do século XX e estabelecem estreita relação entre ela e a crise de controle social que marcou esta época. Com essa compreensão, os autores afirmam que a publicidade se fez fundamental na propagação das técnicas de informação e de comunicação ao colocar em destaque parceria com os meios eletrônicos de comunicação. Como consequência imediata dessa associação, eles ressaltam a forte tendência da publicidade em contribuir com modificações sociais profundas. Contudo, eles não deixam de chamar a atenção para o fato de que as suas modificações ocorrem na “interface do aparelho comercial e do das mídias” sendo, portanto, sustentadas por uma estrutura do cotidiano mediatizada.

Exemplificando a natureza híbrida da publicidade, Breton e Proulx (2002:104) destacam a associação da publicidade com a televisão e demonstram que além de uma parceria financeira, ambos, como meios comunicacionais, influem e potencializam o conhecimento posto em circulação. Nesse sentido, procurando realçar mais a ação cultural dos meios e da própria publicidade, eles se reportam às

72 Grifo do autor que faz referência à polêmica em torno da ideia da produção de necessidades pela publicidade.

83 observações de Stuart Ewen73

Desta perspectiva, a publicidade é pensada como uma teoria da produção de consumo a partir da organização científica do trabalho elaborada por Taylor, que desde 1880 vinha construindo, no âmbito do social, um sistema hierarquizado com disposições à especialização. Essa concepção fragmentada do trabalho na base da

, o qual a propósito da publicidade nos anos 20 coloca ênfase nas modificações dos meios de comunicação, um projeto que visava modelar uma cultura que fosse uma ampla resposta à publicidade, “ela própria tornada o único sistema de comunicação.

A análise da publicidade no quadro de proposições dos autores ao evidenciar estas circunstâncias, mais uma vez, impõe um recorte regressivo. A estratégia adotada para pensar a publicidade a partir do século XX, especificamente no continente norte- americano, como consequência e repercussão da industrialização iniciada na Europa, tem como referência o aumento desequilibrado da produtividade que desencadeou uma profunda crise no modo de produção capitalista. Conhecida como a crise de 29, esse episódio no dizer de David Potter (1985), é o ponto culminante de uma produção não planificada. Um período iniciado nos anos 20, que correspondendo às fases de tensões e violentas flutuações que levaram a desestabilização do mercado, provocando, inclusive, uma intervenção estatal, o New Dial.

No começo do século, além da crise de 29, “cujos efeitos se prolongam durante aproximadamente uma década”, as duas Grandes Guerras e um conjunto de situações adjacentes, de acordo com os autores, também foram impedimento para que a publicidade se desenvolvesse no ritmo que ela iria conhecer imediatamente após esses eventos. Mas, como sabemos, as circunstâncias geradas pelas guerras também proporcionaram a oportunidade das “primeiras campanhas de persuasão suscitando sentimentos de patriotismo tanto na adesão dos homens ao exército quanto à formação de um exército de mulheres trabalhando na indústria militar” (Breton e Proulx, 2002:104). Se de um lado o cenário de crise impediu a evolução tranquila e continuada da publicidade, por outro acelerou seu processo evolutivo e acentuou certas características que lhe definem como uma prática revolucionária.

73Stuart Ewen. Consciences sous influence, publicité et genèse de la société de consommation. Paris. Aubier, 1983.

84 constituição e difusão das primeiras linhas de montagem tornou-se o padrão de produção acelerada da indústria militar. O aprendizado dos modos de produção automatizados empreendido desde os primeiros tempos de configuração das sociedades capitalistas fez surgir, especificamente nesse período histórico, um conjunto de práticas alteradas por altas e aceleradas metas produtivas que em tempos de guerra ao responderem às exigências do momento, não demonstraram o problema implícito a essa elevada produção ou, no sentido inverso, o conjunto de empecilhos ao necessário escoamento da produção.

As tecnologias desenvolvidas e manifestas nesse potencial produtivo, com o fim da guerra, se propagaram para os setores de produção privada trazendo à tona a compreensão de um “excedente” além da capacidade de consumo. Nesse cenário de pós-guerra, diante de um mercado reduzido, constata-se a incapacidade de uma resposta à produção aquecida. As empresas reconhecendo os diversos impedimentos limitadores do mercado passam a empregar “estratégias” com vistas à eficácia e eficiência da circulação dos produtos. Neste sentido, entendemos o papel da metodologia fordista ao expandir a lógica da produção para o consumo. Como explicam os autores:

O golpe de mestre da filosofia fordista foi ter compreendido que apenas o aumento do poder de compra dos trabalhadores poderia crescer sensivelmente o consumo dos produtos fabricados e, conseqüentemente manter em um ritmo elevado a produção industrial e permitir o escoamento do excedente econômico (Breton e Proulx, 2002:105).

Sem dúvida, a maior contribuição de Henry Ford foi o entendimento de que o aumento dos salários dos trabalhadores paralelo à limitação das horas de trabalho implicava em maior poder de compra. Mas, para efetivar a redução do tempo entre produção e consumo, estes trabalhadores com maior poder de compra, precisavam ser informados, primeiro em relação aos benefícios dos produtos e, depois, em relação as suas próprias necessidades. Equacionado dessa maneira, o problema do excedente da produção seriada se resolvia inaugurado o consumo de massa, aonde tanto a publicidade quanto os meios técnicos de comunicação viriam a desempenhar um papel crucial. Para estes autores, é a partir desse momento que se instaura o capitalismo social.

85 A racionalização da vida dos trabalhadores como proposta permitiu que esse tipo de capitalismo estendesse o controle para além da fábrica e influísse diretamente no modo de vida de todos. Um processo de modificação implantado de forma continuada, com o objetivo de moldar comportamentos e criar hábitos que interferissem no cotidiano, consolidando uma nova cultura totalmente voltada para o consumo. Chamando a atenção para o conjunto de informações próprias do saber dessa cultura, os autores novamente referenciados em Stuart Ewen (conforme citação anterior) entendem que os capitalistas tornam-se “capitães de consciência”, e que através das técnicas de persuasão da publicidade produzem, cada vez mais, consumidores. O que de acordo com a concepção de Baudrillard74

A dinâmica que a publicidade estabelece com o jogo contínuo entre dar a conhecer a nossa “abundância” e as mudanças empreendidas pelos próprios consumidores serve justamente para marcar a passagem do capitalismo de produção para o de consumo, explorando sentimentos e desejos para consolidar os valores que foram culturalmente construídos. Se a concepção advinda da automatização das tarefas teve um papel de relevância na materialização prática da publicidade destituindo a crença ingênua de que a produção deveria sempre gerar em paralelo uma quantidade de consumo, a estreita interdependência entre o capital e a comunicação social consolida a , também citado pelos autores, deixa a mostra que o verdadeiro imperativo da publicidade é justamente esse tipo de produção.

De forma paradoxal são os produtos em quantidades excessivas e com tecnologia e função semelhantes que acabam por reafirmar que o verdadeiro produto no interior do sistema, não é outro, senão o próprio consumidor. Um processo de ampla cooperação, onde a tarefa da publicidade de condicionar os trabalhadores promovendo a adesão “aos valores e a nova ordem do consumo de massa” assegura o escoamento constante dos excedentes econômicos, tornando essencial o mercado mantido pela produção destes indivíduos que, dependentes, não mais escapam das constantes solicitações empreendidas pela parceria sociedade, empresas, meios de comunicação e publicidade, estes últimos, inclusive, interpretando o mundo nos seus próprios termos (Breton e Proulx, 2002:105).

86 ação publicitária como importante processo de comunicação nessa estrutura social. Nesse sentido, a função da publicidade, a produção simbólica de consumidores por meio do convencimento e da persuasão acaba por se configurar como o produto fundamental desse social. Visto que ao ofertar estilos de vida modelando os comportamentos dos consumidores, os acostuma rapidamente ao conforto e à praticidade, levando-os a exigir mais e mais produtos para manter o seu estilo de vida.

Um ponto de vista que demonstra a complexidade da publicidade, pois, a cada modificação sua, visa permanecer promovendo constantes transformações no público. O que só nos faz reafirmar que na publicidade as conquistas não são definitivas, uma vez que os produtos são trabalhados na mente do consumidor, no limite da tensão do que ele é e do que poderá vir a ser. Esquema elaborado desde o princípio da sistematização da publicidade pelos estudos americanos. Neste sentido, segundo Breton e Proulx (2002), a análise de Stuart Ewen (1983) sobre os primórdios da publicidade americana ultrapassa a dimensão econômica e acentua o papel que ela vai desempenhar na esfera da integração social e da modificação cultural no período entre guerras.

Enfatizando a integração social, eles nos dizem que a publicidade foi o instrumento pelo qual os norte-americanos buscaram obter a unidade nacional. Através dela, as diferentes ondas de imigrantes receberam uma imagem social, um “eu arquetípico”, um padrão único que em grande escala desenhou o conceito de nação. De forma semelhante, apelando para o padrão com a intenção de modificar culturalmente indivíduos que defendiam uma vida regulada pelos filtros do puritanismo, a publicidade recomendava e mostrava em seus anúncios outros estilos de vida, fazendo disso a representação do “progresso”. Diante de uma visão ascética da existência que se recusava ao luxo e à acumulação, a publicidade, como instrumento de reprodução do consumo, se impôs junto a esses indivíduos com a missão única de criar uma moral do gasto e de satisfação, apontando nas diversas necessidades humanas “a falha pessoal que o consumo ajudaria a corrigir” (Breton e Proulx, 2002:106).

A essa transformação empreendida na sociedade americana, Breton e Proulx chamam de o “nascimento da publicidade”. Uma cultura do consumidor defendida por eles, como uma teoria da produção de consumo graças à expansão capitalista e do

87 grande impulso da produção em decorrência da aplicação dos métodos taylorista e fordista. Somente a compreensão de que a felicidade acenada pela publicidade corresponde a aplicação desses métodos na produção de consumidores especializados nos leva a entender como estrategicamente a força da publicidade testada, a princípio no continente norte-americano, se espalhou pelo mundo, ainda nos anos 50 implantado um estilo de vida característico, american way of life.

Dessa forma, fica bem transparente a definição proposta por Menna Barreto (2006:56) que calcada na “adesão” explica amplamente a publicidade e todas as suas relações. Como ele nos diz: “a propaganda ao objetivar o que se afigura tão simples à primeira vista ─ a adesão ─, atravessa a sociedade de massa de alto a baixo, como verdadeiro eixo de sua coerência econômica, política e psicológica”. Ampliando esse horizonte, ele ainda afirma que é em “torno desse eixo que se agregam os ideais de massa mais peculiares dessa sociedade, condicionando como é fácil ver, a sua organização política, e atendendo fundamentalmente, como é possível provar, a sua organização econômica”.