• Nenhum resultado encontrado

2. A ESPECIFICIDADE DA PUBLICIDADE

2.2. CONDIÇÕES HISTÓRICAS

2.2.1. UM COMEÇO

Com essa compreensão, localizar historicamente a comunicação de massa se justifica pela compreensão da necessidade de gerir a complexidade dos fenômenos que delimitam a sua própria problemática.

Diante de uma realidade onde as relações entre econômico, político e social não podem ser pensadas de maneira separada, nem alheias ao processo do “progresso” das sociedades ocidentais, visto encontrarem-se cada qual na gênese das outras, qualquer perspectiva de análise da publicidade inclui uma volta ao passado. Contudo, como já afirmado, não se pretende uma história completa da comunicação, nem da publicidade em si.

A caracterização da comunicação de massa e da publicidade, primeiramente, pressupõe a explosão demográfica que acometeu o mundo. Uma população que se expandiu na Europa Moderna dos primeiros tempos exigindo que as formas de

33 Luiz C. Martino. Os meios de Comunicação como simulações tecnológicas da Consciência. Mimeo, 2007.

43 comunicação acompanhassem seu crescimento. A partir do final do século XVIII, esse contingente multiplicado e crescendo vertiginosamente, concentrou-se nas cidades industriais que se formaram em consequência dos diversos fatores que constituem a Revolução Industrial. A industrialização de base capitalista e a urbanização abalaram as células tradicionais e como recorta Menna Barreto (2006:33): “O que passou a superpovoar a nova cidade industrial era, antes de tudo, uma multidão psiquicamente vazia e desorientada diante de uma realidade nacional em rápida transformação”.

Pensar a Comunicação a partir da Revolução Industrial é percorrer um caminho já trilhado. Contudo, não podemos deixar de enfrentar esse desafio enquanto marco dos processos na base da formação social que constitui a sociedade contemporânea. Sem qualquer intenção de esgotá-la ou tratá-la com superficialidade, buscamos recortar alguns movimentos que pontue a nossa pesquisa. Inicialmente constatamos que vários autores34

34 Além dos citados, Raymond Aron, 1981; Paul Montoux, 1988 e Nino Salomone, 1980.

consideram que a essência da Revolução Industrial está no desenvolvimento do progresso e da razão que aprofundou e integrou as relações entre a ciência, a técnica e o trabalho. Uma rede de interseções que se revela no processo de produção, distribuição e consumo, embora a simultaneidade desses fenômenos pareça indicar um determinismo linear, deixo desde logo explícito, tratar-se exclusivamente da necessária continuidade histórica.

Contextualizar a Revolução Industrial implica em caracterizar a constituição do “espaço público” moderno. Numa ruptura desconhecida das comunidades, os diferentes espaços sociais passam a configurar a necessária especialização funcional que nos habituamos a distinguir nas sociedades atuais. Apesar das disputas em torno das datas, variando do século XVI até o XVIII permanece o consenso em torno das mudanças que ocorreram. Algumas delas incidiram sobre a cultura material da época, afetando tanto a quantidade como a modalidade dos itens disponíveis. Outras afetaram a dimensão cultural de forma particular, entre elas a circulação de notícias com o advento da impressão impondo uma expansão da alfabetização numa população que “ávida por respostas ao enigma do seu mundo novo” se entregou às informações que passaram a ser difundidas com certa regularidade.

44 Da perspectiva de Robert Heilbroner em Introdução à História do Pensamento das Ideias Econômicas (1969), a economia não é a causa principal da Revolução Industrial, nem tampouco as mudanças econômicas foram determinadas por uma causa única. Pelo contrário, ele ressalta que esse novo modo de vida é proveniente da confluência de várias revoluções. Por muitos séculos a tradição e a autoridade guiaram a questão da sobrevivência do homem, vida econômica e vida social eram uma única e mesma coisa, mas a introdução da ideia de lucro no percurso de poucos séculos transformou o homem social em “homem econômico”. Esse novo modo de vida que cresceu insidiosamente fora dos moldes dos hábitos, dando mostras de que o sistema de vida baseado no mercado surgiu “lado a lado com os velhos sistemas”, impôs as modificações que gestaram esse mundo “auto-reprodutor e auto-suficiente”.

Essa estrutura que cresceu dentro da “antiga”, lentamente acolhendo as transformações das instituições política e religiosa rompe, por volta do final século XVIII, completamente com essa velha organização. A partir de então, o problema da sobrevivência passa a ser pensada exclusivamente pelo sistema de mercado, a estrutura criada pela ação livre de homens que buscavam o lucro e que vai constituir o sistema capitalista. “E a ideia de lucro, que lhe é implícita, estava tão firmemente enraizada que os homens dentro em pouco passariam a afirmar vigorosamente que essa atitude era eterna e onipresente” (Heilbroner, 1969: 26).

A Revolução Industrial pensada por Rioux35

35 J. P. Rioux. A Revolução Industrial. 1985

(1985) só encontra precedente similar na mutação do período neolítico. Com esse argumento, ele considera que o poder de produção humano liberado a partir desse fato, inicialmente europeu, se reflete na abundância de bens e serviços da sociedade atual. A grandeza do fenômeno dimensiona todas as consequências, imediatas e as mais recentes, do que as ciências humanas assimilaram como capitalismo. Esse conceito concebido por volta de 1880, após a assimilação do significado da Revolução Industrial, expressa o florescimento desse sistema econômico “triunfante”. Como ele nos diz, sinteticamente, “a revolução industrial é o ato de nascimento do mundo em que vivemos e que tanto nos custa compreender”.

45 Rioux (1985) de forma semelhante à Heilbroner (1969), explica que a Revolução Industrial é um fenômeno de inter-relações múltiplas, não um momento de mudança radical, mas sim uma sequência de pequenas revoluções. Com um olhar que deixa entrever as ações dos modos de comunicar, como o elo articulador dessa sequência de transformações, chama a atenção para a conjunção dos processos político, econômico e social que marca a passagem da Idade Média para a Idade Moderna. Sob esse título, conforme alerta, está o ápice de uma série de outras revoluções que levaram uma economia de subsistência até uma economia de lucro, fazendo emergir de um mundo quase sem mediação, uma nova forma de existir balizada por novas relações.

As forças da decolagem (take-off), segundo o autor, são eventos de dimensões extraordinárias na base das grandes transformações do período, mas, como acontecimentos isolados, não foram suficientes para a desestabilização do velho quadro de forças das sociedades de subsistência. Apenas no conjunto de suas formações liberaram “as passagens para o capitalismo industrial”. A revolução demográfica apontada como um fator positivo, parte “das origens da decolagem”, realça a hipótese de que a queda da taxa de mortalidade na explosão populacional poderia ter fornecido uma “massa” de produtores e consumidores, equacionando o crescimento econômico na base do progresso técnico (Rioux, 1985:13)

Sem dúvida, uma condição, mas não a única. Apenas um estímulo que isolado jamais teria o nível de suficiência para provocar a Revolução. Contudo, a queda da mortalidade na base desse crescimento é indicativa de um processo de informação e de mudanças de hábitos sociais, só passíveis diante de um processo de circulação de conhecimento. Considerando a Revolução Industrial antes de tudo uma revolução técnica, ele discorre sobre as transformações agrícolas como o evento que desde o início demonstra o ser decisivo nas mudanças gerais. As inovações implantadas por grandes proprietários e agrônomos a partir do século XVII, realçam a melhoria nas estradas e dos meios de transportes para a produção em paralelo ao progressivo processo de alfabetização, provocando um aumento acentuado na quantidade e na velocidade da transmissão de informações.

Para Rioux, a agricultura evidencia a técnica na concretização dos processos de industrialização, e ressalta que, “um estudo cronológico minucioso revela que os

46 progressos da indústria sempre foram precedidos do progresso da agricultura” (Rioux, 1985:23-27). No entanto, chama a atenção para o fato de que todas essas revoluções embora demonstrem estreita ligação com a Revolução Industrial, são apenas pré- condições, só tornando-se fatores determinantes quando consideradas em conjunto como a mudança de percepção a respeito do lucro, do comércio e das técnicas industriais. De outra forma, todos estes fatores vão se somando com o incentivo à formação dos mercados, à classe burguesia e ao capital que se estabeleceu entre uma e outra revolução. Nesse ponto, considera-se também a possibilidade da formação de uma mão-de-obra excedente oriunda de um campo em vias de mecanização intensiva.

Para além do exposto, segundo as palavras do autor: “A primeira constatação que se pode fazer é que a revolução industrial irrompeu nos países onde a percentagem de adultos analfabetos havia diminuído consideravelmente (...)”. A isto se acrescenta que: “Mais tarde somente as sociedades industriais liberais farão da instrução a condição preliminar do progresso científico, técnico e industrial, a chave de uma eventual ascensão social individualizada pelo ‘talento’”. As evidências de que os processos da Revolução Industrial, percorrendo quatro séculos, alteraram profundamente a estrutura da civilização ocidental e nos revelam que a soma das condições científicas e tecnológicas na base das formações econômicas, políticas e sociais nos conduziram à aceleração da produção, o que conseqüentemente alterou todas as nossas relações (Rioux, 1985:41).

O desenvolvimento industrial nos trouxe para uma economia de produção “ilimitada”, em que os processos massivos representando a própria Revolução Industrial partem para preencher o vazio que ela mesma provocou. Na medida em que a ampliação dos meios de produção fez tudo coincidir, tornou os media produtos e delegou à publicidade a possibilidade de, como comunicação massiva, influir na vida cotidiana. Desse patamar, pode-se configurar a formação da sociedade tecnológica,36

36 Sociedade complexa ou tecnológica em contraste a sociedade tradicional, conceito elaborado por Guy Rocher. Sociedade Tradicional e Sociedade Tecnológica. In: Sociologia Geral 3. Lisboa. Editora Presença, 1971: 8-79.

47 se entrega aos avanços tecnológicos estruturando toda a sua realidade pela comunicação mediática.37