• Nenhum resultado encontrado

2 O LUGAR DA FRONTEIRA AMAZÔNICA BRASILEIRA NA AGENDA

2.1 A QUESTÃO AMAZÔNICA COMO QUESTÃO DE DESENVOLVIMENTO

O termo Amazônia é uma invenção histórico-social e cultural, que tem suas raízes no processo de colonização da vasta região, mas que vem se reinventando historicamente. Segundo Aragón (2013),

Desde quando Gaspar de Carvajal, durante a expedição de Francisco de Orellana em 1541/42, pensou ter encontrado as amazonas, mulheres guerreiras e temidas da mitologia grega, a Amazônia tem sido alvo de mitos e lendas que influenciaram a sua concepção e desenvolvimento. O próprio termo Amazônia derivou do dado por Carvajal ao rio (Rio das Amazonas) na expedição que do rio Coca no equador foi até a foz do Amazonas no Oceano Atlântico. Pode-se dizer sem medo de errar que a Amazônia tem sido desde então vista com os olhos do descobridor, do aventureiro, e como fonte inesgotável de recursos (ARAGÓN, 2013, p. 21).

Sua reinvenção histórica, no entanto, vem se dando de modo diverso e tenso, posto que a origem do mito fundador carrega do “velho mundo” uma visão particular – o ideário de civilização europeu dominante -, mas apresentada, transmitida e imposta como universal, que, conforme Enrique Dussel (1993), cola, combina e articula política, econômica e culturalmente, a ideia e a representação dominantes de “descobrimento” no desabrochar da “modernidade e civilização”. Para esse autor, a modernidade, longe de se constituir como um descobrimento, constitui-se, sim, como um “encobrimento” de outros povos, saberes e culturas, que cultivavam modos particulares e diferentes de organização, produção e reprodução social, que vêm, historicamente, resistindo, procurando romper com sua invisibilidade e dando visibilidade às suas experiências, visões e interpretações do mundo, inscrevendo, assim, novos usos e sentidos para essa região, diferentes e contrastantes com o dominante padrão moderno-colonial. Esse processo de reinvenção e de (re)tradução da Amazônia, portanto, constitui-se num terreno de correlações de poder, em grande medida desigual, que busca pautar caminhos e horizontes de sociabilidade.

Ao analisar o “Modelo de Integração da Amazônia Brasileira aos Mercados Nacional e Internacional em Vigência nas Últimas Décadas”, Loureiro (2001) identifica um processo de “modernização às avessas”, como resultante do paradigma e da política desenvolvimentistas para a região.

Loureiro (2001, p. 49) traça e apresenta um quadro das “condições de vida e trabalho do homem da Amazônia”: uma população eminentemente rural; uma produção comercial

constituída basicamente de produtos extraídos da floresta; exportação ínfima de alguns produtos na forma bruta ou semielaborada, mas sem qualquer beneficiamento industrial; agricultura e extrativismo de subsistência; venda do “excedente da produção” de subsistência aos “regatões”82; importação de produtos do sul do País, em quantidade bastante limitada; baixa circulação de dinheiro. E completa:

o emprego sob a forma assalariada não era o mais característico da região, assim, as pessoas não dispunham de dinheiro “vivo” para fazer suas compras; elas vendiam seus produtos e com os recursos adquiridos compravam os poucos bens industrializados de que precisavam para viver (muito modestamente) (LOUREIRO, 2001, p. 49)83.

Além dessas características, ela destaca, ainda, que o “homem produzia para sua subsistência pessoal e familiar, com base no complexo mata-rio-roça-quintal; e as terras eram bastante abundantes e livres” (LOUREIRO, 2001, p. 50-51).

Conforme Alves Filho (1999), durante os governos de Getúlio Vargas e, posteriormente, de JK, assumindo concepções e posições diferentes, mas embalados pelo imaginário fausto da modernidade, já se buscava a integração da Amazônia ao eixo central de desenvolvimento econômico do Brasil (o Sudeste) com o objetivo de realizar a política de integração nacional, a fim de dar-lhe o sentido de unidade e de nação forte (construir um espírito nacionalista) e superar a ideia de isolamento, fragmentação e atraso (agrarismo)84.

A questão colocada para o Brasil por Euclides da Cunha impunha-se como um grande dilema, pois o país continuava de costas para o seu interior, separando o Litoral do Sertão, reforçando o provincianismo, o atraso e o desconhecimento sobre si mesmo. Essa política de integração da região ao eixo de desenvolvimento do país visava à exploração e exportação

82

“Embarcações de comerciantes que vendiam produtos industrializados e compravam produtos extrativos, percorrendo as beiras dos rios amazônicos” (LOUREIRO, 2001, p. 49).

83

Conforme descreve a autora, “O transporte de mercadorias para o interior era feito, essencialmente, pelos rios que serviam de estradas; barcos de todos os tamanhos levavam pessoas e transportavam mercadorias; mas, no comércio, destacavam-se os regatões. Muitos regatões exibiam seus produtos, pendurando-os nas laterais abertas dos barcos, como se elas fossem verdadeiras vitrines de lojas. Vendiam redes, mosquiteiros, medicamentos, querosene para ascender lamparinas e candeeiros, armas e munições, sal, tecidos e artigos de cozinha (panelas, etc.) e inúmeros outros produtos necessários à vida cotidiana [...] Nos anos 40, 50, 60 Belém e Manaus constituíam-se em pólos comerciais e de prestação de serviços diversos para a população da região norte (...) Mas, as cidades de porte médio: Santarém, Macapá, Porto Velho, Boa Vista, Rio Branco, etc faziam o mesmo papel daquelas duas, mas em menor proporção” (Idem, p. 49-50).

84

A definição da Amazônia Legal ou Clássica tem origem em 1953, durante o governo Vargas. Essa delimitação trás embutida, como uma de suas finalidades e estratégias, definir a área de ação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), criada naquele ano, para se buscar integrar a região (retirando-a do seu “isolamento”) a um plano nacional de desenvolvimento de país moderno. Esta foi substituída, em 1966, pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) durante o governo dos militares. No governo JK, construiu-se a BR 010, chamada de “Rodovia Bernardo Sayão”, mais conhecida por Belém-Brasília”, no afã de levar a cabo a política de integração nacional, parte desse modelo desenvolvimentista, que gerou mudanças na organização espacial da região amazônica e na sua paisagem natural e sociocultural, inaugurando novas estruturas e processos socioeconômicos, mas reproduzindo exclusão e desigualdade social e antigas lógicas e instituições (PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 12).

das suas riquezas naturais e de fornecimento da matéria-prima para abastecer e desenvolver o centro urbano-indústrial nascente do capitalismo dependente e periférico, por sua vez sob inserção (subordinada) à política internacional. Ademais, buscava-se transformar essa região num mercado de consumo de manufaturados do centro econômico e político do país. Isto é, o espírito modernizante não consegue se desatrelar do espírito colonialista, posto a sua relação dialética e unidade contraditória.

Nesse horizonte, o governo civil-e-militar (1964-1985)85, assentado num profundo apelo político-ideológico positivista de ordem, progresso e desenvolvimento da nação brasileira, associado à doutrina da segurança nacional, pavimenta o caminho da integração capitalista da Amazônia a partir da segunda metade da década de 60. A Região passa a ser vista como espaço geopolítico e econômico estratégico, devendo ser submetida ao modelo desenvolvimentista autoritário, com base no grande capital, de modo a salvaguardar o território nacional do risco separatista, haja vista o avanço das ideias socialistas no continente latino-americano (ALVES FILHO, 1999)86.

Porto-Gonçalves (2005) explica que, de forma burocratizada, autoritária, seletiva e articulada com o grande capital, gesta-se em gabinetes e escritórios multinacionais um conjunto de “Grandes Projetos” ou “Projetos Faraônicos”, que foram pensados e impostos sobre a região amazônica de fora para dentro e para fora87. Isso revela que, como adverte o referido autor, “mais uma vez o destino da Amazônia era decidido à revelia de seus habitantes, como se fora uma região colonial, vazia de gente (de gente inferior, como pensam

85

Sobre a ditadura civil-militar consultar: os quatro volumes escritos pelo Jornalista Elio Gaspari: “A Ditadura Envergonhada”, “A Ditadura Escancarada”, “A Ditadura Encurralada” e “A Ditadura Derrotada”; “1964: A Conquista do Estado — Ação Política, Poder e Golpe de Classe” de René Armand Dreifuss; “Além do Golpe — Versões e Controvérsias Sobre 1964 e a Ditadura Militar” do historiador Carlos Fico; “Combate nas Trevas” do historiador Jacob Gorender e outros etc.

86

Segundo os estudos de Alves Filho (1999), nesse contexto do regime militar, “o processo de ocupação da Amazônia pelos grandes empreendimentos apoiados pelo Estado ocorreu em três períodos: 1º Período de 1966 a 1970; 2º Período de 1970 a 1974; e o 3º Período de 1974 a 1978.

87

Na história de formação dessa região, o processo de acumulação originária fez-se presente expropriando, explorando e, também, dizimando povos indígenas, de forma inicial com as “Drogas do Sertão” e de maneira mais intensa e extensa, depois, com a exploração da produção da borracha, ampliando o arco de escravidão, servidão e exploração do trabalho. Mas, esse processo de ocupação do território e sua inserção no circuito do capital se tornou mais intenso e extenso com a ditadura civil-militar, assumindo o Estado papel fundamental nessa dinâmica de acumulação de capital na região. Em 1966, foi criada a SUDAM em substituição à SPVEA com a responsabilidade de analisar, aprovar e fiscalizar os novos projetos apresentados pelas empresas, para integrar a região ao grande capital nacional e internacional, tendo como foco a exploração de suas riquezas naturais/minerais e promover o seu desenvolvimento e modernização. Ela tinha, ainda, como objetivo específico coordenar e supervisionar os programas e planos destinados à Amazônia Legal, assim como decidir a respeito da distribuição de incentivos fiscais e creditícios (recursos públicos). Além da SUDAM, contava-se, ainda, com o BASA (Banco de Desenvolvimento da Amazônia), que liberava os recursos que as empresas demandavam (BECKER, 1998; PORTO-GONÇALVES, 2005).

os colonialistas) e somente portadora de recursos naturais” (PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 13)88.

No tocante a isso, Alves Filho (1999) salienta, também, a dimensão interna do processo de reprodução colonial da região pelo modelo de modernização desenvolvimentista: A política de integração preconizada pelos militares criou uma relação colonial interna, na qual a região sudeste, residência do grande capital, tornou-se metrópole de outras regiões do país, aí incluída a Amazônia. Os interesses locais e regionais são sobrepujados pelas novas diretrizes fixadas em instâncias centralizadas. [...] inauguração de uma política de integração nacional elaborada em centros e gabinetes distantes, em escritórios de empresas multinacionais e com prioridades ao grande capital nacional e estrangeiro. Essa política dos projetos megalomaníacos ou faraônicos não levou em conta os interesses da população amazônica, nem tampouco a vocação geográfica dessa região. Sua função essencial era a de captar divisas (ALVES FILHO, 1999, p. 34).

Para tanto, como estratagema, são elaboradas frases de efeito nacionalistas – o discurso patriótico -, cuja finalidade era construir uma imagem atrativa e positiva do regime e do país (Brasil grande) em entorno do projeto desenvolvimentista e, assim, nos termos de Gramsci (2011), construir um consenso hegemônico e legitimar o regime89. Exemplos de frases com esse caráter: “Integrar para não entregar”; “Homens sem terra para terra sem homens” etc. Reconstruía-se e fortalecia-se um conjunto de mitos no imaginário social da sociedade já criados sobre a região, como: “Vazio demográfico”; “Pulmão do Mundo” (ALVES FILHO, 1999; PORTO-GONÇALVES, 2005).

Para Loureiro, durante os anos 60 e 70, a “base teórica e política do modelo [desenvolvimentista] de integração ao mercado nacional e internacional” assentava-se em alguns pressupostos basilares. Conforme ela destaca, “os principais obstáculos ao desenvolvimento dos países periféricos eram atribuídos a 2 problemas básicos: insuficiência de capitais produtivos e de infra-estrutura capazes de pôr em marcha novos investimentos”. Assim, “as teorias, em vigor na época, entendiam que seria possível atrair capitais

88

Porto-Gonçalves (2005, p. 12), ao criticar a política desenvolvimentista do regime ditatorial em incorporar a Amazônia à rota do desenvolvimento capitalista, explica que “O futuro parecia, finalmente, ter chegado a Amazônia. Para isso, o Estado brasileiro, então sob o regime ditatorial militar, recorreu a empréstimos em bancos privados e multilaterais (BID e BIRD – Banco Interamericano de Desenvolvimento e Banco Mundial), além de grandes corporações transnacionais, renunciou a impostos beneficiando grandes empresas, além de oferecer outros incentivos fiscais aos que procurassem se associar a esse esforço elaborado por gestores territoriais civis e militares, nessa verdadeira missão de incorporar a Amazônia”.

89

O projeto desenvolvimentista conservador se impôs se utilizando sobremaneira da força, porém, sob forte apelo ideológico, sendo esse em grau menor (todavia, também, relevante) dado o contexto histórico do período. Portanto, esse regime ditatorial, longe de ser essencialmente preso à esfera da sociedade política, ele se constitui, consolida-se e se fortalece articulado, dialeticamente, com os grupos e classes dominantes (nacional e internacional) da sociedade civil - aparelhos privados de hegemonia -, para manter, reproduzir e ampliar a ordem social capitalista nacional, regional e global.

produtivos, vindos do exterior, organizados sob a forma de conglomerados econômicos, desde que se oferecessem grandes vantagens capazes de atrair esses capitais para a região” (LOUREIRO, 2001, p. 52).

Por causa disso, ela explica que esse “novo modelo de desenvolvimento para Amazônia – posto em prática pelos governos militares pós-64, para desenvolvê-la e integrá-la ao mercado nacional e internacional” – foi baseado nos seguinte pontos: 1) vantagens fiscais aos novos empresários que quisessem investir os novos capitais que se instalassem na região, por períodos longos (10 a 15 anos), especialmente para atividades de extração de madeira; criação de gado, pesca industrial; 2) facilitar o acesso a grandes extensões de terra e à natureza em geral, alterando toda a legislação existente e criando novos dispositivos legais com vistas a garantir a propriedade da terra aos novos investidores; 3) garantia de infraestrutura aos novos projetos, por conta do Governo Federal, como as rodovias para integrar a Amazônia ao mercado nacional; 4) trazer mão-de-obra barata de outros pontos do Brasil (nordestinos, em especial) para trabalhar nas frentes de trabalho (LOUREIRO, 2001, p. 53-54).

(...) assim sendo, o governo federal abriu mão de dinheiro com o qual poderia modernizar as atividades tradicionais dos pequenos e médios produtores da região ou para investimentos sociais, como escolas, hospitais, etc; preferiu transferir esses recursos para grandes empresas que, em sua grande maioria, não investiram os recursos em suas empresas que abriram aqui, mas, ao contrário, mandavam o dinheiro para suas empresas situadas no sul do Brasil; outros (como a Volkwagen) desmataram grandes extensões de terras cobertas por ricas florestas e transformaram essas áreas de antigas florestas em pastos para algumas centenas de cabeças de gado; enfim, trouxeram grandes prejuízos ecológicos, gastaram ou desviaram o dinheiro, criaram poucos empregos e não trouxeram o prometido desenvolvimento para região (LOUREIRO, 2001, p. 53).

No tocante a esses grandes projetos forjados de fora para dentro da região, Porto- Gonçalves (2005) assinala que se amplia e se intensifica a criação de redes e eixos rodo- ferroviários, rasgando imensas florestas, tendo em vista promover tal integração, facilitar a exploração das suas riquezas naturais e a exportação das matérias-primas, para abastecer os mercados interno e externo. Assim, reconfigura-se a organização do espaço amazônico. O “padrão de organização do espaço rio-varzea-floresta” é substituído pelo “padrão estrada- terra-firme-subsolo”, os quais são “contraditórios entre si, e que estão subjacentes às diferentes paisagens atuais da região”. Para esse autor,

Até a década de 60 foi em torno dos rios que se organizou a vida das populações amazônicas. A partir de então, e por decisões tomadas fora da região, os interesses se deslocaram para o subsolo, para suas riquezas minerais, por uma decisão política de integrar à região ao resto do país,

protagonizado pelos gestores territoriais civis e militares. O regime ditatorial se encarregou de criar as condições para atrair os grandes capitais

para essa missão geopolítica (PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 79).

Nesse horizonte, ao fazer referência à marca de gestão territorial desse modelo desenvolvimentista autoritário, o geógrafo Trindade Júnior (2005, p. 160) compreende-o como uma matriz de gestão territorial relacionada ao “modelo tecnocrático-racionalista de gestão”, que consolidou “práticas socioespaciais bem conhecidas: exclusão, reforço à segregação e funcionalidade basicamente capitalista do espaço”, impondo decisões de cima para baixo e de fora para dentro, inviabilizando qualquer perspectiva emergente a partir da dinâmica territorial e local.

O planejamento político do regime atendeu, principalmente, aos interesses do projeto urbano-industrial do grande capital nacional e trans/multinacional e do projeto de modernização da agropecuária brasileira, que promoveu a expansão da fronteira agropecuária para Amazônia sob o regime de grandes propriedades fundiárias, levando à intensificação e expansão da concentração fundiária, dos conflitos agrários, da destruição ambiental e da precarização do trabalho (e trabalho escravo) e das condições de vida das populações locais e migrantes pobres. A modernização da agricultura inicia-se e situa-se no bojo da “revolução verde” (1950-1960), que adota o “modelo de desenvolvimento rural integrado” (1970-1980), que procura “corrigir as distorções criadas pela referida revolução. Contudo, não se trata de nenhuma mudança substancial, mas de estender a “revolução verde” para os pequenos proprietários” (MONTENEGRO GOMES, 2006).

Ao considerar o impacto da crise do petróleo em 1973, Loureiro (2001) chama a atenção para a redefinição do modelo desenvolvimentista, pois com o aumento substancial do preço do petróleo, a energia ficou encarecida, produzindo impactos no mundo e, em especial, na região amazônica, posto a intensificação e especialização de transferências de capitais para ela. A despeito disso, ela explica:

O choque [do petróleo] provocou uma redivisão internacional do trabalho, pela qual os países desenvolvidos resolveram transferir para os países periféricos os investimentos altamente consumidores de energia ou ainda aqueles que produzem grandes danos ecológicos. Assim sendo, os investimentos que se transferiram foram justamente aqueles considerados como altamente consumidores de energia (os chamados energo-intensivos): siderurgia, metalurgia, celulose de papel, exploração madeireira, etc. São empreendimentos que consomem grandes quantidades de energia elétrica para produzir semi-elaborados (barras de ferro, de alumínio, etc) (LOUREIRO, 2001, p, 54).

Nesse sentido, a fronteira energética, por meio de grandes empreendimentos hidrelétricos e de uso da floresta como combustível (carvão vegetal), passa a reconfigurar a

expansão da fronteira amazônica, profundamente articulada e combinada com outras frentes de expansão (mineral, agropecuária; madeireira), para levar a cabo o processo de modernização e crescimento econômico do país, reduzindo desenvolvimento ao crescimento econômico, assumindo a natureza a condição de objeto de dominação da racionalidade positivista para tal fim90.

A Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins, no município de Tucuruí, no Sudeste do Estado do Pará, é um dos exemplos de grande projeto desse período91. Essa UHE, segundo Corrêa (2007, p. 61), inundou uma área de 2.830 km² e remanejou mais de 25.000 pessoas, atingindo sete municípios à montante da barragem e mais outros à jusante dela.

Nos estudos de Castro e Acevedo (apud DIEGUES, 1999, p. 57) sobre a essa hidrelétrica, destaca-se a seguinte narrativa, cujo conteúdo exprime as condições de vida e de trabalho antes e depois da construção do empreendimento:

Lá era o seguinte: nós vivia no nosso terreno, lá no Breu Branco. Nós tinha casa no centro, tinha casa na rua, tinha sítio no centro e tinha rua. Lá pra nós o peixe era farto, a caça era fácil, a vida era outra. A terra lá dava do feijão à melancia. Maxixe e tudo que a gente precisasse. Mas aqui a gente planta feijão, a banana, seja o que for, a e dum jeito num dá... pra gente comer aqui tem que comprar um quilo de feijão, um quilo de peixe e é na cidade (Mojú, Gleba 6, Lote 5, na PA-263) (Castro; Acevedo, 1989, apud DIEGUES, 1999, p. 57).

Essas autoras relatam que

Longe das facilidades proporcionadas pela cultura do rio, quando supria a dieta alimentar com a pesca, frutas e plantações da roça, a primeira parcela de famílias relocadas, no loteamento do Mojú (PA-263), enfrentou terrenos de solos inférteis e secos. Isso significou, nos primeiros anos, o suprimento de sua necessidade alimentar pela compra de bens antes acessíveis como farinha, peixe e frutas; o abandono de tradições no uso de plantas medicinais, anteriormente de fácil acesso, enfim, investir tempo e energia para criar um novo habitat de vida e trabalho (Castro; Acevedo, 1989, apud DIEGUES, 1999, p. 56).

90

Um dos grandes programas criados e implementados na época foi o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA), que estabeleceu 15 pólos para a região amazônica. Como parte integrante deste, foi criado o Programa Grande Carajás (PGC), para explorar os recursos minerais e agroflorestais na Amazônia Oriental, sobretudo no Estado do Pará, na região sul e sudeste. Do PGC, fizeram parte: a Usina Hidrelétrica de Tucuruí (Tucuruí-Pará); o Projeto Ferro Carajás (Carajás-Pará); o Projeto Albrás-Alunorte (Barcarena-Pará); o Projeto Trombetas (Oriximiná-Pará) e o Projeto Alumar (São Luis- Maranhão). Diretamente associado a esses, foi criado o Programa de Integração Nacional (PIN), para integrar a região ao restante do país, por meio de novos portos (Itaqui-Maranhão), novas rodovias (Transamazônica) e ferrovias (Carajás-Itaqui), que passaram a rasgar a floresta, abrindo as veias da Amazônia para um suposto progresso, desenvolvimento e modernização. Nesse processo de expansão da fronteira energética, de forma desastrosa social e ambientalmente, vale lembra os casos das Hidrelétricas de Balbina (Amazonas) e Samuel (Rondônia).

91

Conforme o transcurso histórico traçado pela Eletronorte, no ano de 1974, baixa-se o decreto autorizando a construção da UHT. Em 1975, têm início as obras. Em 1984, é realizado o enchimento do reservatório (lago artificial) (CORRÊA, 2007).

Conforme Coelho et al.(2010),

A UHE Tucuruí afetou dramaticamente as populações indígenas e pequenos agricultores ribeirinhos. Os índios Parakana, habitantes das margens do rio Tocantins, foram removidos para outras áreas distante do rio. As populações de pequenos agricultores ribeirinhos foram transferidas para áreas distantes do rio e dos mercados. Passado o pico da construção da usina (1982) grande