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1 QUESTÕES HISTÓRICAS E ATUAIS DO DEBATE SOBRE O TEMA DO

1.4 O “RETORNO” DO DESENVOLVIMENTISMO: UM FRONT DE POSIÇÕES EM

Em face desses processos de globalização e crise socioambiental, quais as suas implicações para a retomada do atual debate sobre desenvolvimento na sociedade brasileira? Partimos da premissa de que esse contexto de crise socioambiental global ajuda a redefinir

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O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal brasileiro é um exemplo da retomada dos grandes projetos de infra-estrutura (Belo Monte, na Amazônia, e a Transposição do Rio São Francisco, no Nordeste), repondo o lugar do Estado no processo de desenvolvimento do país, com investimento público, gestão público-privada e indução de políticas para viabilizar a dinâmica de acumulação, produção, comercialização e crescimento econômico no horizonte de um viés de desenvolvimento integrado internamente, entre as suas regiões e territórios (rural-urbano, indígenas, quilombolas, povos da floresta), assim como externamente, em especial com o Cone Sul, a fim de ampliar e fortalecer a conquista de novos mercados para fora e ampliar e fortalecer seu mercado interno, com incentivo à industrialização e ao consumo das classes “vulneráveis”, para reduzir a pobreza e a desigualdade social. Vide, também, o Programa Brasil Sem Miséria, que está orientado pelos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio da ONU e pela abordagem do “Desenvolvimento Humano” de Amartya Sen, que busca ampliar e expandir as capacidades e oportunidades das classes empobrecidas, com objetivo de acabar com a “extrema pobreza”, reduzir as desigualdades e crescer economicamente com sustentabilidade.

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Ver IIRSA (Iniciativa de Integração de Infra-Estrutura Regional Sul-Americana), criada em 2000 na Região, que delinea um conjunto de grandes projetos, nos setores de transporte, energia e comunicação como forma de ampliar e consolidar os processos de “integração física”, de produção e comercialização, para prover a dinâmica de acumulação e crescimento econômico. Mais recentemente, a criação da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), que vem redefinindo o papel da IIRSA.

esse debate, contudo, é importante considerar a dinâmica interna do Brasil. O que os estudiosos têm a dizer sobre a emergência dessa agenda e de um certo retorno de políticas e ideias desenvolvimentistas?

Uma dessas abordagens é o Novo Desenvolvimentismo. Para defensores dessa perspectiva, como o economista Bresser-Pereira (2003; 2006), o Brasil precisa de um novo caminho, com vistas a construir de forma redefinida uma estratégia nacional de desenvolvimento, posto seu contexto atual diferente, uma nova realidade, que aponta e enfrenta novos desafios. Para esse autor, essa perspectiva se apresenta como um contraponto ao “antigo desenvolvimentismo” e à “ortodoxia convencional” ou agenda neoliberal que entraram em crise.

Ao se reportar ao anterior desenvolvimentismo e sua crise, o referido autor (2006, p. 07) assinala três razões para isso: a ideia de “substituição de importações”; o rompimento da aliança nacional, durante a década de 1960; e a “força da onda ideológica da ortodoxia convencional”. A despeito disso, Bresser-Pereira (2006) explica:

Em conseqüência, aquela aliança, essencial para a constituição de nação, é rompida, e a esquerda moderada da América Latina adere às teses da teoria da dependência associada que rejeitava a possibilidade de uma burguesia nacional. Ao fazê-lo, rejeita a própria idéia de nação e de estratégia nacional de desenvolvimento em que estava baseado o nacional-desenvolvimentismo. A grande crise da década 1980 – a crise definitiva do modelo de substituição de importações que o desenvolvimentismo apoiara desde os anos 1940 – o enfraquece ainda mais. A partir de então, o desenvolvimentismo, ainda apoiado pela esquerda burocrático-populista que se formara à sombra do Estado a partir das distorções por que passou essa estratégia de desenvolvimento, mas sem o apoio dos empresários, da esquerda moderna e de grande parte da própria burocracia do Estado, vai, aos poucos, se vendo incapaz de fazer frente à onda ideológica neoliberal que vinha do Norte (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 8).

Ao fazer o contraponto ao desenvolvimento com base na ortodoxia convencional, ele defende que um país se desenvolverá impelido pelas forças do mercado, levando em consideração os seguintes condicionantes: (1) manutenção da inflação e das contas públicas sob controle; (2) realização das reformas microeconômicas orientadas para o mercado; e (3) obtenção de poupança externa para financiar seu desenvolvimento, dada a falta de poupança interna (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 19).

Aqui, o novo desenvolvimentismo67 é entendido como um “terceiro discurso” e o “conjunto de diagnósticos e idéias”, que servem de base e orientação para a formulação da

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Segundo o autor, como “o antigo desenvolvimentismo, [o novo desenvolvimentismo] não é uma teoria econômica: baseia-se principalmente na macroeconomia keynesiana e na teoria econômica do desenvolvimento, mas é uma estratégia nacional de desenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA,2006, p. 12).

estratégia nacional de desenvolvimento de cada Estado-Nação, reassumindo esse, junto com o mercado, lugar protagônico nesse processo. Nesse sentido, ele se expressa como “um conjunto de propostas de reformas institucionais e de políticas econômicas, por meio das quais as nações de desenvolvimento médio buscam, no início do século XXI, alcançar os países desenvolvidos” (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 12).

Com base nessa premissa, esse autor apresenta o novo desenvolvimentismo como alternativa em relação aos modelos anteriores, alicerçando-o num tripé: estabilidade macroeconômica, Estado e mercado fortes e poupança interna. Ademais, defende a permanência das políticas públicas e flexibilização das relações de trabalho.

Alternativamente, o tripé novo desenvolvimentista afirma que: Um país se desenvolverá aproveitando as forças do mercado, desde que: (1) mantenha a estabilidade macroeconômica; (2) conte com instituições gerais que fortaleçam o Estado e o mercado e com um conjunto de políticas econômicas que constituam uma estratégia nacional de desenvolvimento; e (3) seja capaz de promover a poupança interna, o investimento e a inovação empresarial (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 19).

Bresser-Pereira identifica alguns desafios para implementação dessa agenda do novo desenvolvimentismo:

• Primeiro: Hoje, os grandes protecionistas são os países ricos. Ao Brasil interessa continuar abrindo a sua conta comercial, embora de uma forma negociada, com a devida reciprocidade, para poder exportar.

• Segundo: o Brasil já tem uma infraestrutura econômica razoavelmente instalada, de forma que não há mais necessidade de o Estado investir diretamente em indústrias como a siderúrgica ou a petroquímica, que o setor privado pode conduzir melhor. • Terceiro, a preocupação com a estabilidade macroeconômica é hoje mais necessária

do que no passado, devido à instabilidade causada pelos fluxos de capital internacionais.

Para tanto, conforme o autor, é necessário tanto um Estado forte como um Mercado forte, para enfrentar tais desafios e conduzir o país dentro de uma estratégia nacional de desenvolvimento ao patamar de desenvolvimento dos países centrais do capitalismo. Ao se referir ao Brasil de hoje, ele (BRESSER-PEREIRA, 2011, p. 156) defende que não podemos mais pensá-lo como um país “pobre”, visto que ele “já é um país de renda média, que realizou sua revolução capitalista”68.

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Para o referido autor (2011, p. 156-157), os dois componentes dessa revolução são: “revolução nacional e industrial”. Não obstante, ele reconheça que o país continua “injusto e subdesenvolvido”, contudo defende

Em diálogo com algumas posições de Bresser-Pereira sobre o novo desenvolvimentismo, João Sicsú, Luiz Fernando de Paula e Renaut Michel (2007) destacam alguns pontos que consideram relevantes para repor esse debate da agenda política de desenvolvimento nacional sob novos parâmetros. Para eles, Bresser-Pereira relaciona o novo desenvolvimentismo – enquanto estratégia nacional de desenvolvimento – aos seguintes elementos:

• (i) uma maior abertura da conta comercial do país, que deve ser feita de forma negociada e com reciprocidades; (ii) um novo papel do Estado, com um planejamento mais estratégico; (iii) preocupação com a estabilidade macroeconômica, incluindo não só estabilidade de preços como também equilíbrio do balanço de pagamentos e busca do pleno emprego; (iv) uma nova política macroeconômica, que permita inverter a equação perversa juros elevados e câmbio apreciado; (v) não aceitar a estratégia de crescimento com poupança externa, visando alternativamente financiar o desenvolvimento com recursos próprios de cada nação.

Além desses tópicos macroeconômicos, os autores enfatizam a relação entre: as esferas pública-privada, econômica-social e nacional-internacional como questões fundamentais para esse projeto de desenvolvimento novo-desenvolvimentista. Para eles, tal projeto não objetiva pavimentar a estrada que poderia levar o Brasil a ter uma economia centralizada, com um Estado forte e um mercado fraco. Também não objetiva construir o caminho para a direção oposta, em que unicamente o mercado comandaria a economia, com um Estado fraco. Um projeto novo desenvolvimentista compreenderia que a melhor opção seria aquela baseada em um Estado forte que estimule o florescimento de um mercado forte. Nesse sentido, para eles, assim como não pode haver Estado forte com mercado fraco, também, não pode haver mercado forte com Estado fraco para a promoção do desenvolvimento nacional. A construção de uma concertação ou “pacto nacional” e o fortalecimento do “empresariado nacional” são postos como estratégicos e fundamentais para implementação dessa agenda, combinando crescimento econômico e equidade social.

Conforme esses autores (2007), as origens teóricas do novo-desenvolvimentismo são diversas: vão de Keynes e de economistas keynesianos contemporâneos (Paul Davidson e Joseph Stiglitz), que concebem a complementaridade entre Estado e mercado; até a visão cepalina neo-estruturalista, que considera que a industrialização latino-americana não foi suficiente para resolver os problemas das desigualdades sociais na região, defendendo, assim,

como “cura” para esse duplo mal (pobreza e desigualdade) “o desenvolvimento econômico”, que ocorreu de forma forte entre 1930 e 1980, implicando uma “revolução nacional e industrial”.

a adoção de uma estratégia de transformação produtiva com equidade social que permita compatibilizar um crescimento econômico sustentável com uma melhor distribuição de renda. Assim, os autores exploram algumas reflexões gerais que podem compor uma alternativa de política de desenvolvimento que compatibilize crescimento econômico com equidade social, buscando estimular o debate em torno da constituição de um programa alternativo ao projeto neoliberal. Isso implica dizer que não se trata de uma agenda anticapitalista.

Ao polemizar essa retomada do debate desenvolvimentista e suas variações, Fiori (2011), em tom critico, identifica, com esse chamado neodesenvolvimentismo, uma tentativa de “terceira via” e uma continuidade da centralidade da macroeconomia em detrimento da reposição da política e da correlação de poder entre classes e nações.

Na prática, o “neo-desenvolvimentista” acaba repetindo os mesmos erros teóricos do passado e propondo um conjunto de medidas ainda mais vagas e gelatinosas do que já havia sido a ideologia nacional-desenvolvimentista dos anos 50. Passado a limpo, trata-se de um pastiche de propostas macroeconômicas absolutamente ecléticas, e que se propõem fortalecer, simultaneamente, o estado e o mercado; a centralização e a descentralização; a concorrência e os grandes “campeões nacionais”; o público e o privado; a política industrial e a abertura; e uma política fiscal e monetária, que seja ao mesmo tempo ativa e austera. E finalmente, com relação ao papel do Estado, o “neo-desenvolvimentismo” propõe que ele seja recuperado e fortalecido mas não esclarece em nome de quem, para quem e para quê, deixando de lado a questão central do poder, e dos interesses contraditórios das classes e das nações (FIORI, 2011, p. 2).

O referido autor arremata sua critica: “Este paradoxo explica – aliás – a facilidade teórica com que se pode passar de um lado para o outro, dentro do paradigma líbero- desenvolvimentista, sem que de fato se tenha saído do mesmo lugar” (Fiori, 2011, p.2).

Em outros dois artigos seus, Fiori (2012a; 2012b) desfere fortes críticas às correntes mais à esquerda desse debate, em especial à chamada “Escola Campineira”. No primeiro artigo, sustenta:

Por isto, não é de estranhar que neste início do século XXI, quando o desenvolvimentismo e a escola campineira voltaram a ocupar um lugar de destaque no debate nacional, a sensação que fica da sua leitura, é que o “desenvolvimentismo de esquerda” estreitou tanto o seu “horizonte utópico”, que acabou se transformando numa ideologia tecnocrática, sem mais nenhuma capacidade de mobilização social. Como se a esquerda tivesse aprendido a navegar, mas ao mesmo tempo tivesse perdido a sua própria bússola (FIORI, 2012a, p. 2).

Num contraponto às colocações de Fiori, Carneiro (2012) rebate sustentando a existência de pelo menos duas vertentes nesse debate atual. Uma delas é o já citado novo desenvolvimentismo, cujo centro estaria na Fundação Getílio Vargas (FGV-SP), que

privilegia as dimensões macro das políticas econômicas e subordina a elas as políticas de desenvolvimento dando maior peso ao papel do mercado. Esta corrente prioriza o desenvolvimento das forças produtivas e o mercado externo, entendendo que a distribuição da renda decorrerá da primeira, mas não automaticamente, sendo necessário a implementação de políticas que garantam a transferência de ganhos de produtividade aos salários (CARNEIRO, 2012, p. 3).

No outro lado desse campo se situa o social-desenvolvimentismo, com origem na Unicamp e na UFRJ, assumindo o social como eixo estruturante de desenvolvimento e isto se daria pela centralidade do mercado interno via ampliação do consumo de bens públicos e privados – pelas massas. Para essa vertente, propõe-se “a subordinação das políticas macroeconômicas às de desenvolvimento e o maior peso do Estado. O desenvolvimento das forças produtivas seria, nesse caso, um meio para atingir o objetivo almejado”. Conforme Carneiro, “imerso em seu labirinto intelectual, Fiori é incapaz de enxergar essas diferenças e põe todo mundo no mesmo saco” (CARNEIRO, 2012, p. 3)69.

Em sua abordagem, Cepêda (2012a), ao diferenciar o novo desenvolvimentismo do velho70, identifica uma mudança na questão nuclear, que a aproxima desse campo do “social- desenvolvimentismo”. Para ela, o “novo-desenvolvimentismo, ao contrário, apóia-se no processo de inclusão social, colocando redistribuição e equidade em posição prioritária”, acrescentando que a “questão nacional que cimenta o novo-desenvolvimentismo, presente nas políticas públicas federais da última década e em seu projeto de sustentação (PAC I e PAC II), apóia-se no diagnóstico da exclusão social como eixo do problema atual”.

Reafirmando o compromisso do 3º artigo da Constituição de 1988 de “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, o tema da inclusão e da equidade ganharam destaque no conjunto dos documentos e cartas de intenção do governo federal em suas ações recentes, incluindo o atual slogan do governo: “Brasil – país rico é país sem pobreza” (CEPÊDA, 2012a, p. 84).

Cercando a problemática por esse ângulo, a autora reconhece a combinação de “políticas de crescimento com políticas de distribuição” no novo-desenvolvimentismo

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Ver o texto: O desenvolvimento brasileiro: temas estratégicos (CARNEIRO et al, 2012). Consultar, também, Rede Desenvolvimentista (http://www.reded.net.br/index.php?lang=pt).

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“O velho desenvolvimentismo, partindo do e preso ao diagnóstico do subdesenvolvimento, elege como nuclear o problema dos obstáculos à realização de um sistema econômico industrial complexo e maduro. O foco no velho desenvolvimentismo está assestado, centralmente, nos estrangulamentos do mundo da produção e na sua resolução via industrialização pesada. Aparecem em segundo plano, quando muito no horizonte de sua proposição e como efeito de sua ação, os aspectos de distribuição e elevação de bem-estar” (CEPÊDA, 2012a, p. 84).

apresentado por Sicsú et al, mas destaca o lugar que a segunda vem ganhando na agenda do governo, o que possibilita ajustar o foco para o protagonismo do Estado e da dimensão social.

O novo-desenvolvimentismo combina políticas de crescimento com políticas de distribuição, mas talvez seja interessante percebermos que a posição do segundo objetivo mudou de lugar na constelação desenvolvimentista, tornando-se epicentro do projeto e acompanhada de políticas de estímulo

produtivo, no formato de um plus de estratégias setoriais

desenvolvimentistas (CEPÊDA, 2012a, p. 85)71.

Assim, nessa perspectiva, o Estado é reposicionado como protagonista da ação política nessa agenda, mas de maneira redefinida, assumindo a dimensão social – a política distributiva – lugar de destaque no processo de democratização, por meio de políticas públicas sociais com forte papel do Estado. Ao colocar nesses termos, a autora difere sua abordagem, sobretudo, da de Bresser-Pereira, centrado mais na macroeconomia e no mercado.

Ao tratar dessa agenda emergente neodesenvolvimentista, Boschí e Gaitán (2008) assinalam as variedades de capitalismo na América Latina e seus diversos caminhos, mas partem do pressuposto de que o desenvolvimento econômico com inclusão social não pode prescindir da intervenção estatal.

Só o Estado, ancorado em um projeto desenvolvimentista em função dos interesses particulares nacionais e regionais, pode se constituir como regulador das assimetrias do mercado e como garantia das condições de inclusão social (BOSCHÍ; GAITÁN, 2008, p. 305-306).

Para eles, esse modelo apresenta um caráter híbrido, que não nega o mercado, mas isso “não significa subsumir a política ao domínio da economia, senão, pelo contrário, reclamar a necessidade de cada sociedade de estabelecer acordos mínimos que permitam o desenvolvimento e o bem-estar”, nesse caso essa intervenção estatal assume um papel mais “estratégico, mas não proeminente” (BOSCHÍ; GAITÁN, 2008, p. 319-320).

Portanto, para eles, o neodesenvolvimentismo é concebido como um modelo em “formação”, que defende “a construção de um espaço de coordenação entre as esferas públicas e privadas, com o objetivo de aumentar a renda nacional e os parâmetros de bem estar social”. Ademais, não obstante reconheçam a forte influência da globalização nas economias da periferia do sistema, chamam a atenção para a dinâmica endógena dos processos de desenvolvimento.

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Ela chama atenção para outra questão, também: “O outro ângulo das políticas recentes apontam, no entanto, para o papel estratégico do consumo e renda popular no processo de desenvolvimento econômico e social. A via de desenvolvimento por consumo de massa, transferência de renda direta (como Bolsa Família), políticas de crédito popular e economia social são características importantes de uma acepção de economia estimulada pelo ‘lado da demanda’ – pela tese do mercado interno e pela inovação via multiplicação de empreendedorismo popular” (CEPÊDA, 2012a, p. 85).

Isto é, que as assimetrias são explicadas fundamentalmente por fatores endógenos, mesmo que os espaços nacionais se constituam como sistemas abertos, em constante processo de adaptação, inclusive frente aos determinantes exógenos que surgem das características do sistema internacional globalizado (BOSCHÍ; GAITÁN, 2008, p. 306).

Draibe e Riesco (2011), com um objetivo eminentemente metodológico em aprimorar e alargar esse quadro analítico acerca do novo desenvolvimentismo, reconhecem a emergência de uma “agenda social latino-americana”, que está vinculada organicamente aos “diferentes padrões de desenvolvimento e as transformações recentes dos Estados Latino- Americanos de Proteção Social, na sua relação com a economia e com a sociedade”. Levantam a seguinte questão: “Estaria emergindo, na região, um novo círculo virtuoso entre crescimento econômico, Welfare State e democracia, uma nova onda de política desenvolvimentista progressista, enfim, um neodesenvolvimentismo presidido por um Estado Neodesenvolvimentista de Bem-Estar?”. E respondem que a relação com o momento histórico anterior do desenvolvimentismo “longe está de ser regressista”, o que implica dizer que, de acordo com o desenrolar do presente contexto, “a nova estratégia não parece ser nem o mero retorno aos termos da economia política do desenvolvimentismo, nem a simples reinvocação dos princípios e orientações que pautaram a estratégia neoliberal” (DRAIBE; RIESCO, 2011, p. 247).

Provavelmente, como ademais é comum nos desenvolvimentos históricos e nas conjunturas de mudanças, desenvolve-se, antes, na trajetória aberta por aquela dupla experiência histórica, eliminados os extremismos, radicalismos ou lacunas de uma e outra. No caso da política social, sempre, é claro, de acordo com as características e tradições dos sistemas de proteção social existentes e, principalmente, segundo os estágios de desenvolvimento sócio- econômico dos respectivos países (DRAIBE; RIESCO, 2011, p. 247-248).

E arrematam, destacando que essa agenda neodesenvolvimentista se determinará, sobretudo no campo da política, de uma “aliança social e política”, de um lado, e, de outro, no campo da “integração regional”. No âmbito da “economia globalizada”, as possibilidades de sucesso da região “repousam fortemente na sua capacidade de aglutinação de recursos, vantagens relativas e forças políticas, que aumentem seu protagonismo no jogo global (DRAIBE; RIESCO, 2011, p. 248). Nesse esforço, elaboram a noção de Estado Latino- Americano Desenvolvimentista de Bem Estar – ELADBES, buscando evidenciar a relação entre economia e política social nessa perspectiva neodesenvolvimentista, isto é, demarcam a tendência de imbricação entre essas dimensões nessa agenda emergente, que, historicamente, se apresentaram e tiveram apartadas.

Véras (2013), ao tematizar essa agenda do novo desenvolvimentismo no país, a partir da ótica do trabalho e do conflito, assinala tanto seu caráter (dessa agenda) contraditório e tenso, quanto as possibilidades de visibilização de sujeitos (trabalhadores), que, historicamente, foram invisibilizados social, cultural e politicamente. Chama a atenção para a seguinte questão, que põe em aberto:

A questão que fica se refere à capacidade dos trabalhadores e suas representações sindicais se afirmarem como protagonistas na construção de um novo padrão de relações de trabalho e de uma perspectiva de desenvolvimento que venha a ter nos elementos da equidade social e da sustentabilidade ambiental, aspectos tão estratégicos como o da eficiência econômica. Isso implicará tencionar e levar ao limite os termos atuais do padrão de desenvolvimento embalado na nova edição, em Pernambuco e no Brasil, da agenda e discurso desenvolvimentistas (VERÁS, 2013, p. 18).

Ao refletir sobre esse “retorno” ou a “reencarnação” do desenvolvimentismo na atualidade, em particular considerando o “campo da esquerda”, Ridenti (2009-2010; 2009) destaca a necessidade de um “estranhamento” quanto a tal retorno. Entende que esse retorno não é uma volta ao mesmo (embora considere relevante esse debate anterior), mas um retorno