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3 A MATRIZ ENERGÉTICA ELÉTRICA BRASILEIRA, O AVANÇO DA

3.1 MATRIZ ENERGÉTICA ELÉTRICA EM CONSTRUÇÃO NO BRASIL: PADRÕES

Ao tratar do tema Energia e sociedade no capitalismo brasileiro, Flávia Braga Vieira faz um resgate histórico sobre a constituição da matriz energética no país, destacando que tal processo “assenta-se num viés autoritário”, a começar pelos períodos colonial e imperial, cuja fonte de energia eram as “mãos e pés dos escravos”- força de trabalho escrava. “O ‘Brasil’ sustentou quatro séculos de escravidão como fonte de energia”137.

Lemos (2007, p. 60), ao resgatar e retratar esse quadro histórico, em especial o processo sócio-elétrico brasileiro138, identifica, já, na segunda metade do século XIX,

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Essa comunicação foi apresentada no XV Encontro Norte e Nordeste de Ciências Sociais (CISO), ocorrido em Teresina-PI, no período de 04 a 07 de setembro de 2012.

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Lemos (2007, p. 57) destaca: “O Brasil figura entre os países pioneiros na experimentação e uso da energia elétrica e instalação de usinas, tanto térmicas, quanto hidrelétricas. A introdução da energia elétrica no país se deu concomitantemente ao seu desenvolvimento nos países industrializados (EUA e Europa), quando a

iniciativas e experiências no âmbito da luz elétrica em diferentes localidades do país. Dentre essas, destacam-se a criação, em 1883, do primeiro serviço público municipal de iluminação elétrica do país, na cidade de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, com a instalação de uma unidade térmica de 52 KW. A primeira hidrelétrica (privada), a Usina de Ribeirão do Inferno em Minas Gerais, foi construída, em 1883, voltada para fornecer energia para a exploração mineral139.

No início do século XX, passa-se a caminhar para uma reorientação e construção de uma matriz energética, associada ao espírito emergente de modernização do país e ao padrão nascente de industrialização capitalista. Para Vieira (2012), a emergência do nacional- desenvolvimentismo de Getúlio Vargas, nos anos 30, com o processo de industrialização e urbanização, exige a constituição de um outro modelo energético assentado e remodelado sob outros pressupostos e arranjos. É nesse contexto que se cria, em 1934, o Código de Águas.

Paz (2006, p. 131), ao se referir a esse contexto e Código, destaca a “intervenção do Estado”, assumindo a União “o poder de conceder direitos de uso sob qualquer curso ou queda d’água, anteriormente incorporadas ao solo de acordo com o disposto na Constituição de 1891”. Com a promulgação da Constituição de 1934, fortalece-se esse caráter intervencionista em setores estratégicos considerados de interesse nacional, envolvendo aí “a expansão do aproveitamento hidrelétrico”. Isso previa “a nacionalização dos recursos naturais indispensáveis à defesa do país, cabendo ao Poder Executivo a fiscalização e revisão das tarifas, e não permitindo a existência da garantia de juros às concessionárias”140.

Com o processo urbano-industrial intensificado nesse contexto nacional- desenvolvimentista, Paz sustenta que a “apropriação da natureza” deixou de ser resultado apenas do trabalho humano ou animal, “passando a incluir a ciência e tecnologia para magnificar a produção, rompendo importantes paradigmas”, ocupando a ação política do

eletricidade estava ainda em fase experimental”. Sobre isso, ela cita a Grande Exposição do Centenário de Filadélfia, em 1876, da qual participou D. Pedro II em que conheceu Thomas Edison e Graham Bell.

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Conforme a autora, em relação a essa instalação térmica, ela “era composta por uma máquina motriz a vapor e três dínamos, com capacidade para iluminar 39 lâmpadas de forma contínua e quase sem interrupções”. A despeito da linha de transmissão da usina que ia até a mina, ela tinha 2 km de extensão. Enfatiza, ainda: “A Companhia Mineira de Eletricidade, do industrial Bernardo Mascarenhas, realizou a primeira instalação elétrica para o aproveitamento de forças hidráulicas para o serviço de utilidade pública de iluminação e energia, em Juiz de Fora, em 1889. Devido à dificuldade de determinar a opção tecnológica que melhor se adaptaria à realidade brasileira, Macarenhas decidiu construir a usina Marmelos Zero, no rio Paraibuna, com capacidade para atender a consumos tanto em corrente alternada quanto em corrente contínua. De 1883 a 1900, a potência instalada no país passou de 52 KW para 12.085 KW, sendo a maior parte originária de termelétricas” (LEMOS, 2007, p. 60).

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O Código de Águas foi estabelecido pelo Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Em seu Artº. 139 normatiza: “O aproveitamento industrial das quedas de águas e outras fontes de energia hidráulica, quer do domínio público, quer do domínio particular, far-se-á pelo regime de autorizações e concessões instituído nesse Código”.

Estado aí papel protagonista no domínio e controle do território e dos recursos naturais, no caso os recursos hídricos, para promover o crescimento econômico, o progresso e modernização do país.

O crescimento econômico passou a ser fruto não somente da exploração extensiva da natureza, mas também dos processos intensivos em energia, ganhando estes tamanha importância que passaram a ser a base do desenvolvimento e sua disponibilidade o centro dessa ruptura. O progresso passou a ser divisado pela busca de fontes energéticas e o seu controle nada mais é do que uma ação política sobre o território (PAZ, 2006, p. 127).

Nos anos 1950, com a criação da Petrobras e a defesa de “O petróleo é nosso!”, Vieira (2012) adverte que esse é o único momento da história do país em que o “povo é mobilizado para debater e defender a sua matriz energética”. Nesse contexto, numa perspectiva de forte tendência cepalina, o nacional-desenvolvimentismo busca, por meio do Estado nacional, criar instituições e órgãos, para viabilizar seu alicerce de energia industrializante.

Para Lemos (2007, p. 62), nos primeiros cinquenta anos de desenvolvimento da indústria de energia elétrica brasileira, “o país importava praticamente todos os bens e serviços de alta tecnologia, bem como aparelhos e eletrodomésticos”. Um outro problema, além desse, é que até metade do século XX, inexistia profissional capacitado para lidar com os aspectos técnicos da construção e manutenção de usinas e sistemas elétricos.

A maioria das empresas possuía escritórios de representação ou subsidiárias no Brasil: a Thomson-Houston e depois a GE, a Ericsson, a Eletrolux, a Philips, a Whestinghouse, a Siemens & Halske etc. Ao longo desses primeiros cinqüenta anos, algumas empresas estrangeiras se instalaram no país para produzir componentes, usando tecnologia estrangeira e pagando a licença de uso ou royalties à matriz (LEMOS, 2007, p. 62).

Em meados dos anos 1960, com o golpe civil-militar, Vieira assinala a criação de um “padrão energético/elétrico tecnocrático-autoritário”. A equação desse padrão de desenvolvimento era: “quanto mais se consome energia mais se é desenvolvido. Essa era a idéia perversa”: atender a demanda específica de um setor dominante político-econômico. Ela destaca, aqui, um contraponto a esse padrão: as lutas e resistências sociais por parte de diversos setores e movimentos da sociedade brasileira (campo e cidade) contra esse modelo de desenvolvimento, em particular a essa matriz energética. Na origem dessas lutas, encontra- se o Movimento dos Atingidos do Brasil (MAB), tendo sido parte do processo de redemocratização do país.

No contexto desenvolvimentista autoritário, Lemos (2007) identifica uma relação ainda mais articulada entre a política de desenvolvimento do setor elétrico e a dinâmica de acumulação capitalista, assumindo o Estado forte papel, associado ao capital nacional e

internacional, para construir uma infraestrutura e ordenar, gestar e controlar o território nacional de acordo com essa dinâmica dominante. Nesse processo, esse controle e domínio sobre os recursos naturais assumem condição estratégica para a redefinição do território e reconfiguração da matriz energética.

[...] a expansão do setor [elétrico] também correspondeu ao processo de construção (de parte) da base material do Estado no processo de configuração do espaço nacional. Houve, portanto, um imbricamento entre a política setorial, o desenvolvimento tecnológico e o processo de intervenção estatal no território, como parte do processo geral de acumulação (LEMOS, 2007, p. 63)141.

Num corte histórico menor e diferente, Benincá (2011, p.29-30) considera que a história do setor energético do país pode ser dividida em quatro períodos. O primeiro deles, (I) da proclamação da república (1889) à revolução de 1930, se refere ao período em que a economia brasileira se assentava na produção agroexportadora e a energia estava baseada em fontes vegetais142.No segundo período, (II) de 1930 a 1945, o país deu seus primeiros passos rumo à estruturação de uma política energética, o que ocorreu em função do início do processo de industrialização, tendo como um de seus marcos regulatórios o Código de Águas, em 1934, como já citado.

Quanto ao terceiro período, (III) de 1945 ao final da década de 80, foi marcado pela intervenção direta do Estado sobre o setor energético. Durante esse regime, optou-se por embasar o desenvolvimento industrial do país na megaeletrecidade, aproveitando o potencial de grandes quantidades de rios existentes para a construção de barragens, em detrimento de outros usos143. Em especial ao período da ditadura, Benincá (2011, p. 30) destaca a violência

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Bermann (2007, p. 139) explica que “A hidreletricidade se constitui numa alternativa de obtenção de energia elétrica a partir do aproveitamento do potencial hidráulico de um determinado trecho de um rio, normalmente assegurado pela construção de uma barragem e pela conseqüente formação de um reservatório”. Ademais, esse autor adverte para “o caráter primordial com que se reveste a noção de “potencial hidrelétrico” dos cursos d’água, em contraste com outros possíveis “potenciais” – pesqueiro; irrigação; turístico; cultural; de biodiversidade. Nessa condição, acentua-se a prioridade da geração elétrica ante os demais usos das águas”, isto é, o uso múltiplo d’água, resguardado no campo jurídico e inerente a diversos modos de vida, é comprometido pela concepção e política dominantes dela como geração de energia elétrica e sua transformação em mercadoria (BERMANN, 2007, p. 141).

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No que tange a esse período, é importante destacar, como lembra Paz (2006, p. 132): “A Usina Hidrelétrica de Marmelo-Zero (1889), construída no rio Paraibuna em Juiz de Fora, representou o início dos empreendimentos públicos brasileiros. Já na virada do século XX, a capacidade instalada pelo serviço público era de 12.085 KW, dividida em seis termelétricas e cinco hidrelétricas. Figuram entre as principais usinas hidrelétricas do início do século XX: Usina Hidrelétrica de Parnaíba (1901), no rio Tietê; Usina de Fontes (1907); Usina de Jacu (1909); Usina de Fruteiras (1910), no Espírito Santo; Usina de Paulo Afonso (1913), em Alagoas (primeira usina do nordeste); Usina do Salto de Itupararanga (1914); Usina de Bananeiras (1920), na Bahia; Usina de Rasgão (1925), no rio Tietê; Usina de Ilha dos Pombos (1925), no rio Parnaíba”.

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Ao tratarem da complexa equação entre potencial hidrelétrico disponível e disciplinamento de uso e ocupação do espaço, Gomes et al. (2012, p. 147) lembram que, nesse período, “as soluções para a implantação de usinas hidrelétricas possíveis aos tomadores de decisão no período foram compostas por um

institucional do Estado, provocando sérios impactos socioambientais, sobretudo sofrida por populações tradicionais e da periferia das cidades “em nome do progresso”.

Ao se reportar ao contexto de meados da década de 40 até a imposição do regime ditatorial, Paz (2006) chama atenção para criação de um conjunto de empresas estatais desse setor elétrico, que passariam a compor matriz elétrica dominante da energia brasileira144.

Nesse contexto da ditadura civil-militar, Pinguelli Rosa (apud PAZ, 2006, p. 133-134) “distingue três períodos característicos para a questão da energia elétrica no Brasil, tendo por marco a crise do petróleo de 1973, que definiu alternativas de substituição pela eletricidade”: o primeiro, anterior a 1973, é marcado pela pujante presença da participação dos derivados do petróleo e a existência de uma política tributária apropriada à obtenção de recursos internos e externos para seus projetos de expansão; o segundo, de 1973 a 1979, caracterizado pela desaceleração da economia, que marca a criação do Programa Nacional do Álcool, a utilização do carvão mineral, o acordo nuclear com a Alemanha e a intensificação da prospecção de petróleo; e o terceiro, pós 1979, fortemente caracterizado pela crise econômica brasileira e um crescimento energético marcado pela redução dos derivados do petróleo e um aumento da demanda de hidroeletricidade145.

Ao se referir aos Grandes Projetos de Investimentos (GPIs) enquanto modo de produção do espaço, como os hidrelétricos no contexto desenvolvimentista, que buscam “a produção e reprodução das condições gerais de acumulação e do ordenamento territorial”, Vainer e Araújo (1992, p. 33) identificam que, ao contrário do suposto discurso de “modernização” e de “pólos de desenvolvimento”, o corolário concreto foram as denominadas “catedrais no deserto, enclaves, que canalizam para o exterior (da região ou do país) os impulsos dinâmicos”. Ao revés do enfretamento e diminuição das desigualdades regionais e da desconcentração industrial, ocorre um processo de “captura das periferias (recursos

alto potencial hidrelétrico amplamente disponível no espaço e por um baixo grau de disciplina e rigor do uso e ocupação do espaço”.

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Em outubro de 1945, o Decreto-Lei nº 8.031 instituiu a CHESF, Companhia Hidroelétrica do São Francisco, com o objetivo de colocar em funcionamento a UHE de Paulo Afonso, com 180 mil KW, o que foi conseguido dez anos depois. Em 1954, o ainda governo Vargas elaborou dois projetos de lei, o do Plano Nacional de Eletrificação e o da criação da Eletrobrás, ambos encaminhados ao Congresso. Em 1956, o governo Juscelino Kubitschek criou a primeira estatal federal do setor elétrico, posteriormente denominada Furnas Centrais Elétricas S.A. Em 1961, a Eletrobrás foi finalmente criada, sendo fruto da crise política enfrentada pelo setor na década de 1950, quando a Light e Amforp, concessionárias estrangeiras, deixaram de investir em reação ao controle estatal das tarifas. Logo em seguida, deu-se a criação da Eletrosul, em 1968, e da Eletronorte, criada em 1973. Coube a Eletrobrás delimitar as áreas de jurisdição e competências dessas empresas regionais de geração e transmissão, Eletronorte, Eletrosul, CHESF e Furnas (PAZ, 2006, p. 32).

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No que concerne à geração hidrelétrica, Pinguelli Rosa e Shaeffer (1988) afirmam que a fase de grandes obras hidráulicas teve início com a construção da Usina Hidrelétrica da Paulo Afonso I, em 1954, prosseguindo durante a década de 1960. As usinas de Tucuruí e Itaipú são frutos da “atmosfera do milagre brasileiro” da década de 1970 (Pinguelli Rosa; Shaeffer, 1988, apud PAZ, p. 134).

minerais, energéticos, etc) pelos centros hegemônicos nacionais e/ou internacionais”. Nesses moldes, aos locais de implantação desses GPIs, em grande medida, restam “a desestruturação das atividades econômicas preexistentes, o crescimento desordenado da população, desemprego, favelização, marginalização social e, quase sempre, degradação ambiental” (VAINER; ARAÚJO, 1992, p. 33).

Dado o levantamento do potencial hidrelétrico do território brasileiro (260 mil MW), em especial o amazônico (135 mil MW, mais de 50%) a ser explorado146, a fronteira hidrelétrica, intimamente articulada com outras frentes de expansão, como a minero- metalúrgica, a agropecuária e a madeireira, impõe-se como a mais recente expressão e forma de expansão modernizadora, segundo a lógica capitalista e colonialista na fronteira amazônica, para produção e exportação de energia como matéria-prima, reforçando e ampliando as desigualdades sociais e regionais e impactos socioambientais.

Com o processo de redemocratização, as criticas e protestos do movimento ambientalista nascente, de outros movimentos e organizações sociais e populações atingidas a esse modelo desenvolvimentista passam a ter mais visibilidade. Assim, novas questões e demandas surgem, como a ambiental e étnico-territorial, que passam a ocupar lugar de destaque na agenda pública, contribuindo para criar um arcabouço institucional e técnico- operacional para normatizar, regulamentar e orientar a política energética elétrica do país.

Nesse sentindo, a esparsa lacuna institucional em relação aos marcos regulatórios socioambientais e a ausência de participação da sociedade civil que, em grande medida, outrora havia, começa a tomar novos rumos. A partir de então, em especial com a Constituição de 1988, inicia-se uma nova trajetória jurídico-política e cultural, para disciplinar, normatizar e ordenar a constituição dessa matriz energética brasileira, considerando os aspectos socioambientais (VAINER, 2007)147.

Com a Constituição Federal e as Constituições Estaduais, o final da década de 1980 e o início da década de 1990 marcaram também o avanço das legislações estaduais e a consolidação das agências ambientais de vários

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Desse potencial hidrelétrico total que passava a ser inventariado para exploração, menos de um terço era aproveitado, passando a região amazônica a ocupar lugar de destaque nesse planejamento desenvolvimentista, dado o seu imenso potencial a ser aproveitado face à carência de outras regiões.

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Em 1986, foi criado o Conselho Consultivo de Meio Ambiente da Eletrobrás (CCMA). Neste mesmo ano, a Resolução 01/86 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) regulamentou a obrigatoriedade de realização de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto Ambiental (Rima) para fins de licenciamento ambiental. Em 1986, também, a Eletrobrás produziu os dois primeiros documentos explicitamente voltados para a questão ambiental: o Manual de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos e o Plano Diretor para a Melhoria do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor Elétrico, ainda que ela estivesse “preocupada predominantemente em assegurar as condições necessárias ao bom funcionamento de seus aproveitamentos hidrelétricos”. Em 1987, enquanto a Resolução Conama 06/87 vinha estabelecer regras para o licenciamento ambiental de obras de grande porte, especialmente de energia elétrica, era criada a Divisão (depois Departamento) de Meio Ambiente da Eletrobrás (VAINER, 2007, p. 119).

estados. No âmbito da Eletrobrás, veio à luz o Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico. Assim, o período foi de enorme importância para concepção, criação, instauração e início da consolidação de um aparato institucional e técnico-operacional que deveria permitir às empresas do setor elétrico atender às exigências legais. Foram criados departamentos de meio ambiente nas empresas energéticas, recrutaram-se e formaram-se quadros técnicos capacitados a incorporar a dimensão ambiental ao planejamento e execução dos projetos hidrelétricos e, last but not least, a conduzir negociações com as populações afetadas e suas organizações representativas (VAINER, 2007, p. 119).

Em relação a esse contexto, Gomes et al. (2012, p. 152), focando a relação entre o potencial hidrelétrico e o disciplinamento do uso do espaço para o planejamento desses grandes empreendimento hidrelétricos, argumentam que, a partir de 1981, o Estado brasileiro, paulatinamente, cria e estabelece um conjunto de mecanismos regulatórios que geram condicionalidades novas, para o encaminhamento dos processos decisórios acerca do planejamento socioespacial de projetos hidrelétricos, “o que pode ser interpretado como um incremento importante no grau de disciplinamento do uso e ocupação do espaço”. Embora o período precedente tenha concorrido para um número grande de empreendimentos hidrelétricos, a década de 1980 “inicia-se ainda com grande disponibilidade de potencial hidrelétrico amplamente distribuído ao longo do território nacional”.

No entanto, essas conquistas, em grande medida, são frustradas e esvaziadas com a emergência do processo de globalização dominado pelo livre mercado. Para Benincá (2011, p. 30-31), o quarto período (IV) teve início na década de 1990 e se prolonga até os dias atuais, quando se consubstancia o Plano Nacional de Energia Elétrica, baseado na implantação de grandes hidrelétricas. Inspirado no modelo neoliberal, suscita um processo de privatização do setor elétrico, através do Programa Nacional de Desestatização. Ele sustenta que desse processo de privatização resultou “a apropriação privada de vastos territórios, florestas, rios (e de seu potencial hidrelétrico), a cobrança de altas tarifas pela utilização da luz e desemprego148.

No que tange a esse processo de privatização e desregulamentação, Vainer (2007, p. 121) identifica um desmonte de instituições e conquistas públicas relevantes e o esmaecimento da questão socioambiental, pois, ao levar acabo esse processo (privatizar

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Para Benincá (2011, p. 30-31): “O sistema de privatização se consolidou a partir do Programa Nacional de Desestatização, criado em 1990, pelo presidente Fernando Collor de Melo. Em 1995, com as Leis Federais n. 8.987 e 9.074 regulamentava-se o regime de concessão de obras e serviços públicos a empresas privadas. Em 1996, ocorreu a criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), uma autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia com a função de regular e fiscalizar a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica”. Ele ao se referir ao Setor Elétrico, engloba: “os processos de geração, transmissão, distribuição e comercialização da energia”.