• Nenhum resultado encontrado

1 QUESTÕES HISTÓRICAS E ATUAIS DO DEBATE SOBRE O TEMA DO

1.1 O DESENVOLVIMENTISMO E SUA CRÍTICA

No campo das Ciências Humanas e Sociais, a sociedade brasileira (e de forma mais ampla a América Latina) tem se constituído num relevante terreno de estudo, abordada por ângulos e perspectivas teórico-metodológicas diferentes e conflitantes, para se compreender a formação social do Brasil e dar continuidade ao esforço intelectual (e político-social) de gerações passadas de “invenção” desse país. Para a compreensão de sua formação sócio- histórica e sua dinâmica contemporânea, lançam-se luzes, apontando o lugar que ela vem ocupando no processo de expansão e de desenvolvimento do capitalismo mundial, com ênfase em seu caráter dependente (CARDOSO; FALETTO, 1979; FERNANDES, 2009; 2008; FURTADO, 2009; 2007; MARINI, 2005; OLIVEIRA, 1977; 2003a).

Se é verdade que o Brasil não pode ser apreendido à margem de seu processo de formação histórico-social, no qual o sistema colonial lhe impôs marcas profundas e uma lógica de dominação e subordinação de fora para dentro, plasmando uma dinâmica e relação

entre metrópole e colônia, posteriormente, centro (desenvolvido) e periferia (subdesenvolvida) do capitalismo, é, também, verdade que o mesmo possui particularidades, dinâmicas sociais, políticas, econômicas, culturais e territoriais próprias, com contradições e relações de poder entre classes/grupos sociais (em processo de formação), que precisam ser consideradas e tomadas para a compreensão de seu lugar nesse movimento histórico de expansão, desenvolvimento e contestação da dinâmica hegemônica de acumulação global do capital e como esse capitalismo vem se redesenhando na atualidade11.

Isso implica dizer que a condição histórica não pode ser concebida e aceita como uma determinação linear e mecanicista (de fora para dentro) para explicar o presente e a singularidade desse enigma chamado Brasil, posto que este coloca em cena novas questões que precisam ser tematizadas e apreendidas com outros conceitos e formulações, que não necessariamente se prendem ao passado e aos esquemas interpretativos eurocêntricos, mas a uma mirada epistemológica de dentro para fora (a partir da periferia e da história dos vencidos) sem perder a visão de conjunto e o diálogo com o conhecimento clássico acumulado historicamente sobre a sociedade.

Ao partir desse ângulo e abordagem, é possível assinalar um outro caminho para interpretar o tema e o processo de desenvolvimento no Brasil, interpretando o mundo, pois essa percepção se contrapõe àquela eurocêntrica, que o toma de fora para dentro, enquadrando-o, rigidamente, ao seu suposto esquema teórico-conceitual “universal” e, por conseguinte, forjando uma imaginação social distorcida da realidade social concreta. Ademais, considera-o fadado a reproduzir naturalmente seu estado de subordinação e dependência ao centro hegemônico ou seguir por etapa até chegar a seu tão almejado caminho de “modernização” e “desenvolvimento evolutivo”, como cópia reflexa desse centro, evidenciando o quanto as ideias andavam fora de lugar (SCHWARZ, 2000).

Essa é uma importante chave e pista de leitura, para produzir interpretações sobre a realidade brasileira e seu modelo de desenvolvimento em curso, sobretudo com a reposição do debate e da polêmica em torno do desenvolvimentismo e do novo desenvolvimentismo no país e na Região Sul-Americana. Ao assinalar essa retomada e reposição do debate do desenvolvimentismo no contexto contemporâneo brasileiro (e latino-americano de forma mais ampla), julgamos ser importante alinhavar, mesmo que resumida e esquematicamente, seus

11

Cabe registrar o debate e esforço de interpretação da realidade brasileira, envolvendo pensadores como Oliveira Viana, Gilberto Freire, Sérgio B. de Holanda, Caio Prado Jr e outros acerca da Herança Ibérica e da polêmica dualidade tradicional x moderno na formação do Brasil. É importante consultar o debate traçado por Luiz W. Viana entre Iberismo e Americanismo no país, dando sua seminal contribuição com o conceito gramisciano de Revolução Passiva (VIANNA, 2004).

antecedentes históricos, a fim de podermos identificar suas possíveis continuidades e descontinuidades no presente cenário histórico-social, posto que não existe um campo único e homogêneo de expressão do desenvolvimentismo, mas sim de posições e perspectivas diferentes e conflitantes acerca da interpretação do desenvolvimento do capitalismo no país.

Fonseca (2004, p. 3) aborda as origens do desenvolvimentismo no país, focando em dois planos: o teórico e o histórico. No primeiro plano, identifica como correntes precursoras do desenvolvimentismo: (a) os nacionalistas; (b) os defensores da indústria; (c) os papelistas; e (d) os positivistas. No segundo, aponta o governo de Getúlio Vargas, ainda na Primeira República, no governo do Estado do Rio Grande do Sul, em 1928, como a primeira experiência histórica desenvolvimentista no país.

Todavia, o referido autor observa que tal distinção é mais um “recurso metodológico” para demonstrar que “a relação entre elas não é necessária”, uma vez que “um mesmo personagem” pode se inscrever em mais de uma delas. Após um período longo, em metade do século XX, ele atesta que ocorre uma confluência entre essas correntes e a constituição de um “corpo de ideias”, possibilitando a formação mais substancial e evidente do que ficou conhecido como “desenvolvimentismo” (FONSECA, 2004, p. 3).

Sobre esse primeiro plano – teórico ou das ideias, Fonseca identifica três elementos iniciais que compõem o “núcleo duro” desse desenvolvimentismo, em gestação, como a defesa: (a) da industrialização; (b) do intervencionismo pró-crescimento; e (c) do nacionalismo12. Para ele, a origem dessas ideias no Brasil remonta, de modo disperso, ao período Imperial, outras como as nacionalistas remetem ao tempo colonial (FONSECA, 2004, p. 2). Porém, Fonseca adverte que meras defesas de políticas econômicas referentes a esse ideário do “núcleo duro” não permitem, por si, caracterizar a política econômica de um governo como desenvolvimentista. Argumenta que existe uma razão básica de “ordem empírica” que sustenta isso: “nem sempre os três elementos do núcleo duro aparecem associados historicamente; ao contrário, demorou bastante tempo até os mesmos conjugarem- se, com certa coerência, em um ideário comum” (FONSECA, 2004, p. 1). Para se falar, portanto, em desenvolvimentismo, um primeiro pré-requisito é a conjugação desses três elementos que compõem esse núcleo de forma concatenada e estruturada. Além disso, um agir consciente de governantes assentado nessa agenda. “Estabelece-se, portanto, a hipótese

12

Em relação a esse elemento do nacionalismo, Fonseca ressalva que ele deve ser entendido “num sentido muito amplo, que vai desde a simples retórica ufanista conservadora até propostas radicais de rompimento unilateral com o capital estrangeiro” (Idem, Op. Cit., p. 1-2).

de que sem uma política consciente e deliberada não se pode falar em desenvolvimentismo” (FONSECA, 2004, p. 2).

Nessa perspectiva, o desenvolvimento ganha novo sentido com o desenvolvimentismo, inclusive utópico e de ação, assumindo o Estado e seu Planejamento pedras de toque nesse processo histórico-estrutural. Assim, se identifica no governo de Getúlio Vargas no Estado do Rio Grande do Sul, em 1928, o embrião, por excelência, do desenvolvimentismo, reunindo e conjugando suas “quatro vertentes formadoras” como ideário sistemático e um agir conciente de governo (FONSECA, 2004, p. 17).

Ao fazer um recuo na história da formação brasileira, em particular do Estado e das suas políticas econômicas de desenvolvimento urbano-industrial, na Primeira República, Godoy (2007) identifica as raízes e os antecedentes históricos do debate estabelecido entre “liberais” (ortodoxia) e “intervencionistas” (heterodoxia), já apontando a defesa (ou crítica) de um “nacional-desenvolvimentismo” anterior ao getulismo13. Para o referido autor,

os mecanismos de transformação estrutural do Estado, com a nacionalização e burocratização, e do mercado, com o crescimento urbano-industrial, tiveram sua gestação durante a Primeira República, fomentando o surgimento de um Estado relativamente autônomo em relação aos interesses imediatos das classes dominantes, assim como um setor industrial autônomo e relativamente desconectado dos interesses imediatos do complexo cafeeiro. Neste sentido, apesar da guinada na política econômica, o getulismo teria representado uma continuidade no processo de complexificação econômica e construção do Estado Nacional (GODOY, 2007, p. 1).

Assim, Godoy procura reconstituir em outros termos a análise sobre a emergência do nacional-desenvolvimentismo, enfrentando dualidades (agroexportação x industrialização; burguesia cafeeira x burguesia industrial; instrumentalização do Estado x autonomização do Estado; liberalismo x intervencionismo) e generalizações (a crise internacional de 1929 levou à crise cafeeira e à industrialização do Brasil). Para ele, o “estudo sistemático da política econômica da I República demonstra que já estava em curso, muito antes de 1930, uma mudança estrutural que alterou o perfil do capitalismo e do Estado brasileiro”.

Valendo-se da contribuição de Versiane (1980), ele defende uma análise que considera além dos fatores externos, os fatores internos da nação e a relação entre esses supostos pólos de oposição (como o setor cafeeiro em crise e o emergente setor industrial), para a compreensão desse debate da industrialização nacional (GODOY, 2007, p. 35). Contudo, Godoy (2007) reconhece que as estratégias autônomas de desenvolvimento na periferria

13

Godoy (2007) lembra e destaca o “antológico debate” entre “metalistas” e “papelistas” desde o império, demarcando um campo de tensão entre liberais e intervencionistas no rumo da política econômica do império. Citando Pedro Dutra Fonseca (2008), o autor associa a visão heterodoxa dos papelistas que se constituirá como pensamento desenvolvimentista cepalino (GODOY, 2007, p. 3).

tomaram impulso, especialmente nas décadas de 1950 e 1960, tanto com os estudos de Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré, quanto com os de Celso Furtado e os da CEPAL.

Enquanto os primeiros davam importância preponderante à análise dos condicionantes imperialistas e às dificuldades de autonomização sob o contexto de subordinação econômica, Furtado e o grupo cepalino – neste, especialmente, Raúl Prebisch – acreditavam no rompimento com a característica periférica a partir do desenvolvimento das próprias forças capitalistas nacionais, de políticas setoriais intervencionistas e do planejamento dos investimentos do Estado (GODOY, 2007, p. 5).

Ao se referir às origens do desenvolvimentismo, José L. Fiori (2012) demarca um campo diverso e conflitivo de posições teóricas e políticas. Ele aponta o “desenvolvimentismo militar e conservador” e o “desenvolvimentismo de esquerda”, sendo o primeiro oriundo da dédada 30 do século XX, tendo sido retomado com a ditadura civil-militar e perdurado até 1985, ao passo que o segundo se constituiu num campo de contribuição das ideias e teses do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), tendo tido força nos anos 50 e início dos anos 60 do século XX, sido interrompido pela ditadura14.

Fiori compreende que a relação da esquerda com o desenvolvimentismo no Brasil foi marcada por tensão e conflito, sobretudo com o “golpe militar de 1937”, que instaura o Estado Novo, marcado pelo autoritarismo e anticomunismo, sendo este responsável pelos primeiros passos do desenvolvimentismo militar e conservador. Nesse quadro histórico, adverte ele, “não é de estranhar que a esquerda em geral, e os comunistas em particular, só tenham mudado sua posição crítica com relação ao desenvolvimentismo, depois da morte de Vargas” (FIORI, 2012, p. 1).

Para o referido autor, no final da década de 50 e início de 60, a “esquerda desenvolvimentista” ocupou um lugar de destaque no debate e na luta pelas Reformas de Base no país, contudo, dividiu-se, em 1963, com a discussão do Plano Trienal apresentado e proposto pelo Ministro Celso Furtado, demarcando nesse próprio campo da esquerda a tensão

14

Ao caracterizar cada uma dessas instituições do campo desenvolvimentista de esquerda, Fiori assinala: “(...) o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que apoiou a eleição de JK, em 1955, mas só no seu V Congresso de 1958, conseguiu abandonar oficialmente a sua estratégia revolucionária, e assumir uma nova estratégia democrática de aliança de classes, a favor da ‘revolução burguesa’ e da industrialização brasileira, que passam a ser classificadas como condição prévia e indispensável de uma futura revolução socialista. Em segundo lugar, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que foi criado em 1955, pelo Governo Café Filho, e que reuniu um numero expressivo e heterogêneo de intelectuais de esquerda que foram capazes de liderar uma ampla mobilização da intelectualidade, da juventude, e de amplos setores profissionais e tecnocráticos, em torno do seu projeto nacional-desenvolvimentista para o Brasil. Por fim, desde 1949, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) produziu ideias, informações e projetos que influenciaram decisivamente o pensamento da esquerda desenvolvimentista brasileira. Mas apesar de sua importância para a esquerda, a CEPAL nunca foi uma instituição de esquerda” (FIORI, 2012, p. 1).

entre unidade e fragmentação. Mas, um novo divórcio entre a esquerda e o desenvolvimentismo veio, conforme Fiori, com o golpe de 1964, repondo a dominância do desenvolvimentismo de direita, militar e conservador, em cena15.

Para Ricardo Bielschowsky, conforme identifica Marcelo Ridenti (2009), o desenvolvimentismo é concebido por perspectivas e pontos de vista diferentes: o desenvolvimentismo do setor privado (Roberto Simonsen como exemplo); o desenvolvimentismo do setor público não-nacionalista (Roberto Campos como expressão); o desenvolvimentismo público nacionalista (Celso Furtado à frente), e a corrente socialista, marcada pelas formulações do PCB.

Centramos a partir daqui uma breve reflexão sobre o ideário da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em particular o pensamento de Celso Furtado16, demarcando sua contribuição e a crítica a ele feita. Esse percurso pode ter muito a dizer sobre o chamado “retorno do desenvolvimentismo” hoje. Assim, sendo o pensamento da CEPAL o alicerce da formulação teórica e da ação política desse modelo desenvolvimentista mais elaborado17, é importante apontar o que foi e o que significou esse pensamento; qual sua contribuição para interpretar a realidade desses países latino-americanos e suas proposições para enfrentar os problemas da pobreza e da desigualdade, do subdesenvolvimento e do desenvolvimento diante do capitalismo hegemônico que se expandiu para essa região e para o Brasil.

A CEPAL foi criada em 1948, pós-segunda guerra mundial, pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ONU)18, cujo objetivo era diagnosticar a realidade dos países latino-americanos, incentivar a cooperação econômica entre eles e ajudar no seu desenvolvimento, a fim de reduzir as desigualdades econômicas e sociais frente aos países centrais do capitalismo, tendo como foco central o processo de modernização e industrialização.

15

Para o autor (Idem, p. 2), um primeiro “divórsio entre a esquerda e o desenvolvimentismo” se deu com a instalação do Estado Novo dutante a Era Vargas.

16

Ao apontar um dos “três grandes momentos da recepção da obra de Furtado pelo mainstream das ciências sociais brasileiras”, Vera Cepêda destaca: “O período áureo do nacional desenvolvimentismo, entre as décadas de 1950 e 1960, concomitante com a primeira fase da produção intelectual de Furtado, em que é lapidada a sua Teoria do Subdesenvolvimento e definida a estrutura teórico-política do projeto desenvolvimentista. Nesse momento, Furtado impõe-se, simultaneamente, como intérprete do Brasil e como propositor de um projeto de mudança social orientada” (CEPÊDA, 2012b, p. 91).

17

A CEPAL contou com intectuais, como: Raúl Prebisch, Celso Furtado, Ignácio Rangel, Aníbal Pinto entre outros. É importante destacar que essa escola de pensamento não era homogênea, pois seus intelectuais mobilizavam e articulavam matrizes diferentes para a interpretação da realidade social e do desenvolvimento, ainda que se orientassem por diretrizes e objetivos gerais dessa instituição.

18

A CEPAL é uma das cinco comissões econômicas da ONU, constituída por 44 estados e oito territórios não independentes como membros. Além dos países da América Latina e Caribe, fazem parte da CEPAL: Canadá, França, Japão, Países Baixos, Portugal, Espanha, Reino Unido, Itália e Estados Unidos.

Cabe registrar, aqui, três aspectos relevantes do contexto mundial no momento de criação e consolidação da CEPAL. O primeiro: do ponto de vista geopolítico mundial, nesse cenário do pós-guerra, os Estados Unidos (EUA) emergem como potência hegemônica global do capitalismo. Num outro campo territorial, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) passou a conformar um bloco geopolítico de enfrentamento com o bloco liderado pelos EUA, o que mais tarde ficou conhecido como Guerra Fria. A permanente tensão entre os dois blocos exerceu profunda influência no continente latino-americano, posto a disputa territorial para ampliar suas respectivas áreas de influência19.

O segundo aspecto: nesse mesmo cenário, foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, organismos financeiros multilaterais controlados e liderados pelos países centrais do capitalismo, sobretudo os EUA, para subsidiar e orientar as políticas de desenvolvimento dos países periféricos. Isso implica dizer que a criação dessas organizações internacionais/regionais não pode ser descolada desse jogo de interesses e de poder em nível global, regional e nacional, assim como não devem ser concebidas como puro reflexo e reprodução dos centros hegemônicos de poder, sobretudo as organizações regionais20.

Quanto ao terceiro aspecto, foi nesse momento que se estabeleceu o processo de implementação e desenvolvimento do Welfare State (Estado de bem-estar social), que se concentrou, especialmente, na Europa ocidental, assumindo o Estado um papel de gerenciador, regulador e indutor das políticas públicas e do desenvolvimento, provendo um maior crescimento da economia associado à garantia de direitos trabalhistas e sociais, levando a um período de grande prosperidade, o que ficou conhecido como os anos dourados (HOBSBAWM, 1995)21.

19

Essa influência pode ser exemplificada tanto pelo apoio do Bloco Soviético aos processos revolucionários de Cuba (1959), Nicarágua (1979) e a outros movimentos de transformação política, como o ocorrido no Chile no início da década de 1970; quanto pela atuação do Bloco Capitalista, que financiou e apoiou as ditaduras militares na região, em particular no Brasil, no Chile, na Argentina.

20

Conforme assinala Ricardo Bielschowsky (2000), a própria criação da CEPAL enfrentou resistência por parte do centro hegemônico do capitalismo, em especial dos EUA, pois ela expressava uma tomada de posição e busca de construção de novos caminhos teóricos e políticos de desenvolvimento para a América Latina. Na análise de Fiori (1998), nesse contexto, a CEPAL assume um importante papel teórico e político na região, contudo o desenvolvimentismo, que começava a se desenhar com mais vigor nos anos 50, era um desenvolvimentismo consentido face à hegemonia norte-americana e ao Welfare State europeu, no bojo da geopolítica da Guerra Fria.

21

A partir dos anos 30 nos “países capitalistas lideres”, Francisco de Oliveira (1998, p.87-88), ao deslocar sua análise para a mercadoria trabalho, sugere, provocativamente, a ideia emergente do modo de produção socialdemocrata, expresso nas políticas do antivalor, que era “uma forma de socialização do excedente” mediada pelo fundo público. Daí Oliveira identificar o alargamento do conflito de classes para além da esfera privada, dando-se, também, na esfera pública.

No âmbito da América Latina, em particular no Brasil, o processo de industrialização, modernização e urbanização, iniciado nos anos 30, passou a avançar e a ganhar novos contornos a partir dos anos 1950, contudo, mantendo e reproduzindo tanto uma profunda pobreza e desigualdade social interna, quanto uma relação de dependência e subordinação em relação aos países centrais do capitalismo, expressões de sua formação socioeconômica subdesenvolvida e periférica (FURTADO, 2009; 2007).

Para o pensamento Cepalino e, em particular para Celso Furtado, a manutenção e reprodução de uma condição agro-exportadora (de matérias-primas), da periferia para o centro e, de importadora de produtos industrializados, em fluxo inverso, levavam a uma relação econômico-comercial internacional desfavorável para os países periféricos, posto as relações de troca desiguais entre centro e periferia do capitalismo, dificultando, assim, tanto o desenvolvimento industrial e a modernização da periferia, como a superação do subdesenvolvimento (FURTADO, 2009; BIELSCHWSKY, 2000).

Isso explicitava que, nas relações econômicas internacionais entre centro (produtor de bens industriais) e periferia (produtora de matérias-primas semielaboradas para exportação), os países periféricos estavam em profunda desvantagem, haja vista a deterioração dos termos de troca de seus produtos, que concentravam os maiores preços e um menor desenvolvimento tecnológico, diferentemente dos países centrais, que tinham o preço de seus produtos mais vantajoso e com maior progresso tecnológico, o que demarcava uma relação de atraso e subordinação do desenvolvimento desses países periféricos, precisando, por conseguinte, ser enfrentada e superada (FURTADO, 2009; 2002; BIELSCHWSKY, 2000).

Em face disso, a CEPAL se coloca o desafio de enfrentar o subdesenvolvimento dos países latino-americanos, apostando num processo de industrialização e modernização como condição para alcançar um desenvolvimento autônomo. Um desses enfrentamentos residia na crítica à teoria das vantagens comparativas da escola clássica liberal. Para a CEPAL, essa suposta vantagem comparativa desembocou e legitimou um desenvolvimento dependente, desigual e periférico nesses países da América Latina em relação ao centro, gerando uma transferência de valor de dentro para fora, sendo necessário reverter isso, gerando um desenvolvimento para dentro, que possibilitasse uma acumulação interna de capital.

Para tanto, era preciso apostar em um modelo de industrialização substitutivo de importação, gerando, ampliando e diversificando sua base produtiva interna, combinando e articulando, agora, o desenvolvimento da indústria de base, de bens de capital, de bens de consumo duráveis, com o setor agrícola, e criando um mercado interno de consumo mais amplo. Dentro desse ideário Cepalino, quem deveria estar à frente para impulsionar esse

processo de industrialização e modernização da América Latina deveria ser o Estado, planejando as ações e políticas de desenvolvimento, distribuindo renda e combatendo a pobreza e a desigualdade (FURTADO, 2009; 2002; BIELSCHWSKY, 2000).

Ao se referir à contribuição da CEPAL, Fiori (1998) destaca três “novidades” dessa formulação: primeira é a crítica ao postulado do “comércio mundial livre” do liberalismo clássico, posto que este não disponibiliza os recursos de maneira justa e favorável ao crescimento do conjunto dos países; segunda, o desvelamento de que não existe um “sistema de Estados nacionais equivalentes”; e a terceira é a formulação da noção de “centro e periferia”, que coloca em outros termos a compreensão da relação entre desenvolvimento e