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1 QUESTÕES HISTÓRICAS E ATUAIS DO DEBATE SOBRE O TEMA DO

1.5 PARA ALÉM DA IDEIA DE DESENVOLVIMENTO: A

particular nessa região semiperiférica e periférica, parece evidenciar um quadro histórico pendular e de limitação para construção de alternativas hegemônicas, posto que se limita a debater se é necessário menos Estado ou mais Estado nos marcos do crescimento econômico, negligenciando questões centrais e estruturantes. Ele lembra que o colonialismo na América Latina e em outros continentes assentou-se e desenvolveu-se no modelo extrativista colonial. E atualmente, os países da região, que se gabam de crescimento e de estarem na rota do desenvolvimento, estão calcados no modelo, também, extrativista. “Qual a diferença?”, questiona o cientista social. “Isso é a reprodução da exportação da natureza como sempre fez o processo de colonização”. Agora, é mais grave do que esse modelo extrativista colonial, pois, para ele, esse modelo extrativista atual é realizado em grande escala, por grandes multinacionais (quase todas as mesmas por todo continente) e cada vez mais as novas tecnologias de extração exigem um consumo de bens insubstituíveis. Por exemplo, para mineração do ouro, precisa-se de grande quantidade de água, o que implica uma expropriação do patrimônio comum da humanidade (SANTOS, 2006). Como consequência desse modelo, produz-se o deslocamento de povos e grupos sociais, expropriação de seus territórios e desestruturação de seus modos de vida, como expressão da “continuidade colonial”, acirrando a violação de direitos humanos e da natureza e exclusão da cidadania (SANTOS, 2012b).

Em face desse quadro, Santos (2012c) chama atenção para importância dos conceitos de acumulação primitiva ou originária para reinterpretar esse “novo” cenário.Para ele, esse processo não é algo que ficou no passado distante, no colonialismo, mas sim uma constante – permanente no desenvolvimento do capitalismo74 –, que se refaz historicamente de mãos

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A Acumulação Primitiva ou Originária, segundo Marx (2008), é uma fase anterior ao capitalismo, que cria as condições históricas para emergência e constituição do capitalismo. Para Marx, o capitalismo não pode ser compreendido e realizado sem essa condição histórica anterior. A acumulação primitiva é originária, segundo ele, da expropriação dos camponeses de suas terras; do rebaixamento salarial – o teto salarial é uma ação do Estado; e da ação do Estado moderno nascente, através de quatro processos: sistema colonial; dívida pública; moderno sistema tributário (taxar os meios de produção – pressão sobre o valor trabalho); sistema protecionista. Essas ações demonstram uma forte ação política do Estado para o desenvolvimento do processo de acumulação primitiva e normatizações para a constituição do capitalismo.

dadas com a acumulação ampliada do capital75, via expropriação de povos de suas terras, territórios e exploração e exportação da natureza (terras, florestas, águas, biodiversidade etc.), além de novas formas de exploração do trabalho. Na atualidade, o neo-colonialismo e o capitalismo se refazem, reproduzindo a miséria e desigualdade, além de sérios problemas de violação de direitos humanos e danos ambientais em busca do controle e domínio de novos territórios, para expansão da dinâmica de acumualação76.

Vive-se um novo momento de hegemonia do crescimento econômico, com reposição do Estado, sob a defesa desse modelo de desenvolvimento, que reduz a cidadania ao crédito e ao consumo, reforçando o paradigma hegemônico liberal, sua lógica produtivista e consumista. Para Boaventura Santos (2006; 2007b; 2012a), portanto, é necessário problematizar, a partir do Sul global com base nas Epistemologias do Sul, os conceitos e parâmetros dominantes de definição de desenvolvimento, realizando um exercício de desfamiliarização desse conceito, interpelando-o, pois, em grande medida, parece que não há possibilidade de discutir alternativa ao desenvolvimento, mas sim adjetivos, e não substantivos, evidenciando, portanto, uma restrição analítica a um quadro esquemático derivativo da modernidade ocidental ou preso ao pensamento abissal. Como proposta e contraponto a esse quadro hegemônico, ele defende:

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Em relação à Produção ampliada de Acumulação, para Marx (2008), sob determinadas condições históricas dadas pela acumulação primitiva, ocorre: a dissociação entre trabalhadores e proprietários dos meios de produção (regime de propriedade privada dos meios de produção fundamentais e divisão social do trabalho); a expropriação (uso de dinâmicas e mecanismos extra-econômicos – Estado, Ideologia, cultura); concentração dos meios de produção na mão dos capitalistas, forjando, assim, nessa sociedade moderna dois tipos de possuidores de mercadorias: os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores detentores de seu “trabalho livre”. Uma vez estabelecido o Modo de Produção Capitalista, ocorre a exploração da força de trabalho, com uso da mais valia (absoluta e relativa).

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Conforme Rosa Luxemburgo, existe um problema posto para o capitalismo: esse sistema produz uma quantidade muito maior do que a demanda, gerando uma crise de “subconsumo” (insuficiência de demanda). Com base nessa premissa, ela defende que a acumulação primitiva continua sendo importante para a dinâmica de acumulação do capital. Ao partir dessa premissa, essa autora, diferentemente de Marx, identifica nos modos de produção não-capitalistas uma saída para tal crise, por meio de um novo processo: o imperialismo (colonização de países), para conquistar novos mercados. A produção capitalista necessita satisfazer necessidades sociais e depende da expansão dessas necessidades sociais. Daí que é preciso “sair para fora” com a proteção dos Estados (das instituições e suas leis para normatizar tal empreendimento). Expandir seu mercado, o que significa a conquista de novos territórios, mercados – imperialismo e (neo) colonização. Não obstante concorde com Luxemburgo no tocante à necessidade da permanência da acumulação primitiva para a reprodução ampliada do capital, David Harvey (2009) põe o problema em outros termos, partindo do pressuposto de que a questão não reside no “subconsumo”, mas sim na sobreacumulação (excedente de capital e de força de trabalho). Com base nesse pressuposto, a acumulação primitiva continua sendo importante para a nova dinâmica de acumulação do capital e para a nova hegemonia do “novo imperialismo”, agora por meio do processo de “acumulação via espoliação”. Ao partir dessa premissa, esse autor identifica que o capitalismo contamina, a partir do centro, expandindo-se e reconfigurando a geografia mundial e a relação espaço-temporal, repondo e ampliando a dinâmica de acumulação, envolvendo a mais-valia absoluta, mais-valia relativa e acumulação primitiva de forma flexível (acumulação flexível) (HARVEY, 2010).

Pelo contrário, o pensamento pós-abissal é um pensamento não-derivativo, pois envolve uma ruptura radical com as formas de pensamento e ação da modernidade ocidental. No nosso tempo, pensar em termos não-derivativos significa pensar a partir da perspectiva do outro lado da linha (...), isto é, do Sul global (...) O pensamento pós-abissal pode ser sintetizado como um aprender com o Sul usando uma epistemologia do Sul (SANTOS, 2007b, p. 85).

A geopolítica da relação Norte-Sul parece indicar a necessidade de outras formulações de reflexão para além do Sistema Centro-Periferia, posto a busca de interpretações e explicações que façam emergir novas dinâmicas e processos, sujeitos, saberes, vozes e tempos-espaços plurais, que, historicamente, tiveram suas experiências sociais invisibilizadas ou silenciadas pela lógica produtiva dominante e pela razão indolente, mas que, também, lutaram e continuam a lutar e resistir contra o sistema hegemônico, em busca de outras formas de sociabilidade e de perspectivas, como experiências contra-hegemônicas (SANTOS, 2001; 2006). Isso tem expressado a necessidade de novos olhares, a partir dessa região, da visibilidade de diversos sujeitos e de seus múltiplos lugares e lutas, para a interpretação tanto do processo de desenvolvimento capitalista em curso, como as lutas e resistências e construções de alternativas ao processo de modernidade e colonialidade (SANTOS, 2005a; 2006).

Nesse esforço, Santos contrapõe à ideia de desenvolvimento a noção de autodeterminação. Ao reconhecer a importância da “teoria da dependência” para produzir novos esquemas de análise sobre a “periferia” do sistema, ele chama a atenção para que dadas formulações não sejam perdidas de vista, mas alargadas. Nesse sentido, alerta para o falso pressuposto de que, conforme os países (antes colônias) se tornassem independentes, também, se tornariam soberanos, autônomos e desenvolvidos. Na realidade, esse processo de “independência” política foi seguido de novos modos de colonialismo e expansão do capitalismo sob novas formas de “dependência” e dominação desses países/regiões. Isso quer dizer que, para ele, a independência em si não gerou autodeterminação (SANTOS, 2012c).

A autodeterminação se apresenta como anticapitalista e anticolonial. Ela “é um apelo a um modelo de sociedade como projeto autônomo e soberano, independente...”, que implica a luta pela independência; autonomia; soberania; projeto de país; especificidade nacional; diversidade.

As propostas que advogam a superação do paradigma de desenvolvimento são hoje uma das mais dinâmicas e promissoras fontes de alternativas de produção não capitalistas. Nelas participa um caleidoscópio de organizações e movimentos de todo o mundo, envolvidos em lutas muito diversas. Estas lutas incluem a resistência de grupos indígenas de todo o mundo aos projetos de desenvolvimento econômico que põem em perigo a sua cultura, e, com

ela, a sua sobrevivência física (...). Lutas similares, pela afirmação cultural e a proteção do meio ambiente, a partir de uma perspectiva antidesenvolvimentista, proliferaram atualmente em todo o mundo, impulsionadas por uma combinação de ativismo local e redes de ativismo global (SANTOS, 2005a, p. 56).

Para autores perspectivados num aporte Pós-Colonial, sua agenda tece uma profunda crítica à noção de desenvolvimento modernizante globocêntrica, com caráter universalista ou totalizante, posto seu marco histórico colonial de reprodução de uma lógica estrutural material e imaterial de subalternidade de povos e populações, que estão fora desse centro civilizador ocidental, dentre eles a América Latina (ESCOBAR, 2005a; 2005b). Um certo deslocamento do debate econômico para o poder, o cultural e o epistêmico, possibilitaria, para esse pensamento, colocar em questão uma geopolítica epistemológica (distribuição desigual de conhecimento) como uma forma e meio político de desvelar a reprodução dessa lógica de modernidade e colonialidade, pois, a afirmação da modernidade se fez na subjugação e encobrimento de um conjunto diverso de povos, grupos e conhecimentos subalternos (DUSSEL, 1993; LANDER, 2005; MIGNOLO, 2005; QUIJANO, 2005).

Para essa agenda, trazer à tona práticas, saberes, epistemologias e cosmologias (de povos e populações indígenas e afrodescendentes, rurais e urbanas) pode ajudar a vizibilizar e identificar alternativas a lógicas coloniais de desenvolvimento, demarcando um campo fértil de resistência, através da insurgência epistêmica (MIGNOLO, 2005). É nesse horizonte que Escobar (2005a) assinala o debate do pós-desenvolvimento e busca do sentido do não-lugar de outros modos de viver, reacendendo o valor de estudos e práticas em comunidades locais, assumindo relevância o protagonismo de movimentos sociais rurais, indígenas e afro- descendentes nesse processo, em contraponto ao centralismo do mercado, do Estado e da globalização como fim do lugar.

Para Artur Escobar,

Dado que la noción del postdesarrollo proviene directamente de la crítica postestructuralista, conviene repasar brevemente los elementos principales de esta aproximación analítica. Siguiendo la vena postestructuralista de cuestionamiento de las epistemologías realistas (ver el trabajo de Michel Foucault para la mejor explicación de esta tendencia teórica), el motivador principal de la crítica postestructuralista no fue tanto el proponer otra versión del desarrollo – como si a través del refinamiento progresivo del concepto los teóricos pudieran llegar finalmente a una conceptualización verdadera y efectiva – sino el cuestionar precisamente los modos en que Asia, África y Latinoamérica llegaron a ser definidas como “subdesarrolladas” y, por consiguiente, necesitadas de desarrollo (ESCOBAR, 2005a, p. 18).

Informados por essa matriz teórica, Escobar explica que longe dos pós-estruturalistas se perguntarem “¿cómo podemos mejorar el proceso de desarrollo?”, as perguntas passaram a

ser formuladas em outros termos: “¿por qué, por medio de qué procesos históricos y con qué consecuencias Asia, África y Latinoamérica fueron ‘ideadas’ como el ‘Tercer Mundo’ a través de los discursos y las prácticas del desarrollo?” (ESCOBAR, 2005a, p. 18)77.

A ideia de pós-desenvolvimento se refere:

a) la posibilidad de crear diferentes discursos y representaciones que no se encuentren tan mediados por la construcción del desarrollo (ideologías, metáforas, lenguaje, premisas, etc.); b) por lo tanto, la necesidad de cambiar las prácticas de saber y hacer y la “economia política de la verdad” que define al régimen del desarrollo; c) por consiguiente, la necesidad de multiplicar centros y agentes de producción de conocimientos – particularmente, hacer visibles las formas de conocimiento producidas por aquéllos quienes supuestamente son los “objetos” del desarrollo para que puedan transformarse en sujetos y agentes; d) dos maneras especialmente útiles de lograrlo son: primero, enfocarse en las adaptaciones, subversiones y resistencias que localmente la gente efectúa en relación con las intervenciones del desarrollo (como con la noción de “contra-labor” que se explica más abajo); y, segundo, destacar las estrategias alternas producidas por movimientos sociales al encontrarse con proyectos de desarrollo (ESCOBAR, 2005a, p. 20).

Nessa perspectiva, o lugar78 é recolocado sob outra tradução e assume importante destaque para se repensar e identificar lutas e projetos alternativos de transformação social plurais.

Os debates sobre o pós-desenvolvimento, o conhecimento local e os modelos culturais da natureza tiveram que enfrentar esta problemática do lugar. De fato, e este é o argumento principal deste trabalho, as teorias do pós- desenvolvimento e a ecologia política são espaços de esperança para reintroduzir uma dimensão baseada no lugar, nas discussões sobre a globalização, talvez até para articular uma defesa do lugar. Reconcebida desta forma, a ecologia e o pós-desenvolvimento facilitariam a incorporação das práticas econômicas, baseadas no lugar, ao processo de debilitação das ordens alternativas. Dito de outra maneira, uma reafirmação do lugar, o não- capitalismo, e a cultura local opostos ao domínio do espaço, o capital e a modernidade, os quais são centrais no discurso da globalização, deve resultar

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Em busca de respostas a essas questões, ele destaca: “a) Como discurso histórico, el “desarrollo” surgió a principios del período posterior a la Segunda Guerra Mundial, si bien sus raíces yacen en procesos históricos más profundos de la modernidad y el capitalismo; b) El discurso del desarrollo hizo posible la creación de un vasto aparato institucional a través del cual se desplegó el discurso; es decir, por medio del cual se convirtió en una fuerza social real y efectiva transformando la realidad económica, social, cultural y política de las sociedades en cuestión; c) Puede decirse que el discurso del desarrollo ha operado a través de dos mecanismos principales: i) la profesionalización de problemas de desarrollo, lo cual ha incluido el surgimiento de conocimientos especializados así como campos para lidiar con todos los aspectos del “subdesarrollo” (incluyendo el campo em sí de estudios del desarrollo); ii) la institucionalización del desarrollo; d) las formas de exclusión que conllevaba el proyecto de desarrollo, en particular la exclusión de los conocimientos, las voces y preocupaciones de aquéllos quienes, paradójicamente, deberían beneficiarse

del desarrollo: los pobres de Asia, África y Latinoamérica” (Idem, p. 19).

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Ao contestar a globalização hegemônica e a marginalização do sentido de lugar, Escobar sustenta: “Entretanto, o fato é que o lugar – como experiência de uma localidade específica com algum grau de enraizamento, com conexão com a vida diária, mesmo que sua identidade seja construída e nunca fixa – continua sendo importante na vida da maioria das pessoas, talvez para todas. Existe um sentimento de pertencimento que é mais importante do que queremos admitir (...) (ESCOBAR, 2005b, p. 133-134).

em teorias que tornem viáveis as possibilidades para reconceber e reconstruir o mundo a partir de uma perspectiva de práticas baseadas-no-lugar (ESCOBAR, 2005b, p. 135).

É importante considerar o alerta de Santos (2005a) sobre os limites de dadas abordagens pós-desenvolvimentistas, no tocante à reificação da comunidade local e da cultura local para promoção de experiências e perspectivas contra-hegemônicas.

Apesar de estes e outros movimentos mostrarem claramente os benefícios da articulação de lutas locais e de redes de solidariedade nacionais e internacionais na busca de alternativas ao desenvolvimento capitalista global, em boa parte da bibliografia e dos programas pós- desenvolvimentistas expõem-se a riscos semelhantes aos que assinalamos a propósito do desenvolvimento alternativo, ou seja, a reificação da comunidade e da cultura local e ao abandono das aspirações de solidariedade além da esfera local. Este risco é especialmente evidente – e, de fato, celebrado – em algumas propostas pós-desenvolvimentistas baseadas em um pós-modernismo hiperdescontrutivista que nega a possibilidade de criar diálogos interculturais e de estender o alcance do pensamento e da ação alem do âmbito local (SANTOS, 2005a, p. 56-57).

No entanto, Santos destaca que o pensamento e a ação pós-desenvolvimentistas podem contribuir muito para a construção de projetos contra-hegemônicos, por meios das lutas do ativismo articulado local, nacional e globalmente.

Ainda que as alternativas ao desenvolvimento dependam, em grande medida, da defesa das alternativas locais e das formas de vida e de conhecimento anticapitalistas que elas possam representar, acreditamos que o pensamento e a ação pós-desenvolvimentista têm muito a ganhar – como mostram as lutas bem-sucedidas que articulam o ativismo local, nacional e global – se, em vez de celebrar incondicionalmente a diversidade local, se esforçarem por desenvolver propostas que se desloquem através de todas as escalas, dependendo das necessidades da luta concreta (SANTOS, 2005a, p. 57).

E identifica, do ponto de vista pós-desenvolvimentista, um outro paradigma contra o paradigma hegemônico de desenvolvimento capitalista e colonial.

Do ponto de vista pós-desenvolvimentista, é necessário formular, contra o paradigma capitalista, um paradigma ecossocialista cosmopolita, em que os topoi privilegiados sejam a democracia, a ecologia socialista, o antiprodutivismo e a diversidade cultural. Do que se trata, enfim, para utilizar a expressão feliz da tese de McMichael (1996) é de lutar por um

“localismo cosmopolita” e plural, em que as estratégias

antidesenvolvimentistas, de desenvolvimento alternativo, de cooperativismo e de socialismo associativo, entre outras, criem espaços não capitalistas que apontem para uma transformação gradual da produção e da sociabilidade para formas mais igualitárias, solidárias e sustentáveis (SANTOS, 2005a, p. 57).

Gudynas e Acosta (2012), seguindo essa senda analítica, destacam.

Paralelamente, ganharam um novo protagonismo as contribuições dos povos indígenas. Suas contribuições incluem diversos questionamentos ao

desenvolvimento, tanto no plano prático como no conceitual. Em alguns saberes indígenas não existe uma ideia análoga à do desenvolvimento, o que leva ao fato de que em muitos casos se rechaça essa ideia. Por sua vez, o desenvolvimento convencional é visto como uma imposição cultural herdada do saber ocidental; portanto, as reações à colonialidade nos saberes implicam um distanciamento do desenvolvimentismo. Questionamentos desse tipo estão para além de qualquer correção instrumental de uma estratégia de desenvolvimento (com o qual, por uma via independente e distinta, de qualquer modo se observam analogias com a crítica pós-desenvolvimentista) (GUDYNAS; ACOSTA, 2012, p. 4).

Nesse horizonte, para Gudynas e Acosta, as ideias originadas nos modos de vida e saberes de povos tradicionais indígenas, assentados no bem-estar das pessoas e promotores e defensores de outro tipo de relacionamento com o ambiente, conseguiram influir no debate sobre o desenvolvimento e se constituir em novas alternativas a este, como é a ideia emergente do “Bem Viver” ou “Viver Bem”.

O Bem Viver (...) é um conceito em construção, sob distintas confluências que vão desde aquelas promovidas pela reflexão acadêmica às práticas dos movimentos sociais. Este resulta de uma recuperação de saberes e sensibilidades próprias de alguns povos indígenas, que eram tanto uma reação ao desenvolvimentismo convencional, como uma aposta em uma alternativa substancial. Desta maneira se afastava das ideias ocidentais convencionais de progresso, e apontava para outra concepção da vida boa, incluindo uma especial atenção à Natureza. Embora o Bem Viver não possa ser simplesmente associado ao “bem-estar ocidental”, também não nega algumas contribuições contemporâneas que partem do saber ocidental, em especial aquelas correntes críticas e contestatórias exemplificadas no ambientalismo ou no feminismo. É também um conceito que está dando seus primeiros passos nos marcos normativos nacionais de alguns países, e no planejamento e gestão estatal (GUDYNAS; ACOSTA, 2012, p. 5)79.

Em relação ao reconhecimento desses três princípios (a plurinacionalidade, o paradigma do Buen Vivir como princípio do Estado e a natureza como sujeito de direitos) reivindicados pelo movimento indígena como condições básicas para a refundação do Estado em termos etnicamente mais justos, Silveira assinala:

Originados na cosmovisão indígena, estes princípios fundadores se contrapõem claramente às idéias de progresso, desenvolvimento e crescimento econômico que vinham pautando a economia equatoriana, baseada principalmente na exploração petroleira. A partir da mudança constitucional, instaura-se uma situação de tensões territoriais, já que a maior parte dos chamados recursos naturais encontra-se em territórios ancestrais, reivindicados pelas nacionalidades indígenas. A sobreposição de lógicas territoriais completamente distintas é, na realidade, um conflito entre visões de mundo, nas quais se inclui a forma com que cada sociedade significa e se apropria [do território e] da natureza (SILVEIRA, 2011, p. 1).

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A Constituição do Equador de 2008 foi a primeira na América Latina a reconhecer os três princípios reivindicados pelo movimento indígena como condições básicas para a refundação do Estado em termos etnicamente mais justos: a plurinacionalidade, o paradigma do Buen Vivir como princípio do Estado e a natureza como sujeito de direitos. Em segundo, foi a Constituição da Bolívia (2009).

Ao colocar nesses termos, essa abordagem põe, não somente sob forte tensão esse conceito de desenvolvimento, mas coloca inclusive em questão sua validade para a construção de caminhos hegemônicos protagonizados por baixo, pelos países, povos, classes e grupos sociais subalternos da região Sul (ESCOBAR, 2005a; SANTOS, 2005a). Para essa perspectiva, a superação do paradigma hegemônico passa pela compreensão de que esse