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A questão do refúgio no direito europeu

Palavras‑chave

1. A questão do refúgio no direito europeu

O processo de integração da União Europeia, que se iniciou nos anos 1950 pela iniciativa de Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos8,

tem avançado em diversos setores, principalmente no de inanças, com o esta- belecimento de uma moeda comum (Euro). A legislação acerca dos refugiados, contudo, tem-se desenvolvido lentamente, e uma política conjunta, que seja de fato aplicada a todos os países-membros, mostra-se necessária.

7 Human Rights Watch. Relatório Mundial 2014: Paquistão. Disponível em: http://www.hrw. org/world-report/2014/country-chapters/pakistan. Acesso em 01 de agosto de 2014. 8 Sítio da União Europeia. A História da UE. Disponível em: http://europa.eu/about-eu/eu-

O direito da União Europeia distingue-se dos demais ordenamentos ju- rídicos ao estabelecer certos princípios, como a primazia, o efeito direto e a aplicabilidade imediata. Segundo Silva (2005, p. 214), “a efetividade do Direito Comunitário e sua possibilidade de produzir direitos em favor dos cidadãos europeus é uma discussão antiga e se impunha como necessidade crucial para a sobrevivência do próprio esquema de integração”. Isso signiica, de acordo com Tostes (2004, p. 7) que o direito comunitário europeu trouxe a “aceita- ção de padrões monistas internacionalistas”, situação diversa de muitos países europeus, nos quais havia a predominância do constitucionalismo no ordena- mento jurídico.

Nesse escopo, o Tratado da União Europeia de 1992 (Tratado de Maas- tricht), marco jurídico-institucional da organização, deine no artigo 3º §2 o direito de asilo e de imigração, mas não especiica o direito ao refúgio. O artigo 18 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2000, reitera a validade do Estatuto dos Refugiados de 1951 e do Protocolo de 1967, mas pou- co diz em relação à proteção dada a refugiados.

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia abrangeu o trata- mento dado aos refugiados, e destinou o capítulo 2 para as “Políticas Relativas ao Controle nas Fronteiras, ao Asilo e à Imigração”, no qual o artigo 78 §1 deine que:

“A União desenvolve uma política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária, destinada a conce- der um estatuto adequado a qualquer nacional de um país terceiro que necessite de proteção internacional e a garantir a observância do princípio da não repulsão. Esta política deve estar em conformidade com a Convenção de Genebra, de 28 de julho de 1951, e o Protocolo, de 31 de janeiro de 1967, relativos ao Estatuto dos Refugiados, e com os outros tratados pertinentes.”

Resta saber como essa política conjunta seria aplicada, já que o §5 do artigo 79 estabelece que “O presente artigo não afeta o direito de os Estados- -membros determinarem os volumes de admissão de nacionais de países ter- ceiros, provenientes de países terceiros, no respectivo território, para aí pro- curarem trabalho, assalariado ou não assalariado”. Ou seja, esse artigo dá a liberdade para que os países-membros da União Europeia estabeleçam suas próprias políticas de asilo/refúgio.

Segundo Geoff Gilbert (2004, p. 969), o Tratado de Amsterdam, de 1997, classiicou asilo e refúgio como entes análogos, e incumbiu o bloco de desig- nar políticas harmônicas no tema, já que os Estados-membros criaram suas

próprias políticas de asilo e refúgio. De acordo com José Noronha Rodrigues (2006, p. 09), “os Estados-membros do Conselho da Europa foram, progressi- vamente, tomando consciência de que as políticas de harmonização por si só não resolviam determinados problemas, pois, por vezes, continuavam a existir procedimentos muito diferenciados entre os diversos Estados, o que na prática diicultava a própria harmonização de determinadas políticas”.

Antes do Tratado de Amsterdã, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) não tinha competência em relação ao tema. Com a criação do sistema de pilares, e ao ser incluído no primeiro pilar, o TJUE passou a legislar sobre o assunto. Apesar disso, “casos de refúgio não são tratados como qualquer outra questão europeia que possa apresentar-se perante o TJUE” (GIILBERT, 2004, p. 983).

As políticas europeias em matéria de asilo e de refúgio apresentam um his- tórico de avanços e recuos. A Convenção de Dublin de 1997 pode ser um exem- plo de restrição ao direito de asilo/refúgio, já que se referiu à responsabilidade de um Estado-membro pela análise do pedido. A convenção estabeleceu, de forma geral, que o país responsável pelo processo de asilo é aquele no qual o requerente entrou primeiro. Com isso, o principal objetivo da legislação era proibir aplicações em vários países-membros da União Europeia. A Convenção foi atualizada em 2003, abrangendo ainda Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça, e icou conhecida como Regulamento Dublin II.9

Já o Acordo de Tampere, assinado em 1999, mostrou a disposição dos Es- tados-membros em desenvolver a questão. O acordo esboçou o quadro geral de políticas comuns referentes à migração e ao asilo. Ele estabeleceu a parceria entre países de origem, um sistema comum europeu de asilo, e o tratamento justo a indivíduos originários de terceiros países (Geddes, 2009, p. 20). O do- cumento insta, ainda, ao Conselho Europeu a criação de um fundo para a pro- teção de refugiados que migraram em massa.10

As diretivas, atos normativos editados pelo Conselho Europeu e que esta- belecem uma inalidade, são outra especialidade do ordenamento jurídico da União Europeia. Os Estados são os responsáveis por deinir de que forma as diretivas serão aplicadas, mas devem ser transpostas ao direito nacional com data limite. Neste trabalho, serão analisadas as principais diretivas do direito comum europeu, referentes à questão de refúgio. Esta lista, entretanto, não pretende ser exaustiva.

9 Sítio da União Europeia. Regulamento Dublin II. Disponível em: http://europa.eu/legisla- tion_summaries/justice_freedom_security/free_movement_of_persons_asylum_immigra- tion/l33153_pt.htm. Acesso em 05 de março de 2014.

10 Acordo de Tampere, 1999. Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/summits/tam_ pt.htm. Acesso em 28 de maio de 2014.

A Diretiva 2003/9 do Conselho estabelece os requisitos mínimos para a recepção a postulantes a asilo/refúgio, como a garantia de livre-circulação, o acesso a tratamento médico, a proteção às famílias, e o direito a emprego e a escolaridade.

Já a Diretiva 2004/83 inovou ao estabelecer a proteção jurídica a apátri- das. Ela reairma o conceito de refugiado estabelecido pelo Estatuto de 1951 e pelo Protocolo de 1967, as condições para tal reconhecimento, a proteção ne- cessária aos requerentes a asilo/refúgio e a deinição de atos de perseguição, que será necessária para o entendimento dos casos C-71/11 e C-99/11, que serão posteriormente analisados.

A Diretiva 2011/95 revogou a 2004/83, ao ampliar as normas de proteção e a “[...] assegurar, por um lado, que os Estados-Membros apliquem critérios comuns de identiicação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional e, por outro, que exista em todos os Estados-Membros um nível mínimo de benefícios à disposição dessas pessoas.” A Diretiva inova, também, ao “limitar os movimentos secundários de requerentes de proteção internacional entre os Estados-Membros”. O Conselho demonstra, portanto, a preocupação em ixar o requerente no país no qual ele postula asilo/refúgio, reairmando o Regulamento Dublin II.11 Em todas as diretivas mencionadas, o

Conselho insta aos Estados-membros que criem uma política comum de asilo. Ela foi possível no Programa de Estocolmo de 2010, que se intitula “Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos”. O Conselho Europeu nele enseja a criação do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), que possa abranger políticas comuns de migração, asilo e controle de fronteiras. Após anos de negociação, a SECA foi aprovada pelo Parlamento Europeu em junho de 2013, e deverá entrar em vigor em 2015. As novas regras incluem prazos comuns de seis meses para pedidos de asilo, facilitação dos requerentes de asilo ao mercado de trabalho, proibição da transferência do requerente para outro Estado-membro onde possa haver risco de tratamento desumano, e a criação de uma base de dados com impressões digitais dos requerentes (mas com proteção sigilosa)12.

A política de asilo e de refúgio, contudo, esbarra na questão da soberania: os Estados podem argumentar que a política migratória é questão estratégica e de interesse nacional, e que deve ser regulada por leis nacionais (é interes-

11 Diretiva 2011/95 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de dezembro de 2011. Dispo- nível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2011:337:0009:002 6:EN:PDF. Acesso em 06 de março de 2014.

12 Notícias do Parlamento Europeu, 12 de junho de 2013. Parlamento Europeu dá luz verde ao novo Sistema Europeu Comum de Asilo. Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/ news/pt/news-room/content/20130607IPR11389/html/Parlamento-Europeu-d%C3%A1- -luz-verde-ao-novo-Sistema-Europeu-Comum-de-Asilo. Acesso em 05 de março de 2014.

sante ressaltar que Reino Unido, Irlanda e Dinamarca não estão vinculados à Diretiva 2011/95, mencionada anteriormente). A supranacionalidade, entretan- to, diz respeito a um ordenamento jurídico acima dos Estados, e a soberania torna-se, então, relativizada. As políticas de interesse comum da União Euro- peia são regidas pelo direito comunitário, que possibilita a autonomia jurídica da organização.13

Outra questão importante é o tratamento dado a refugiados pela comuni- dade internacional, principalmente em países com histórico de grande recebi- mento de estrangeiros, como os da Europa e Estados Unidos. Esse tema está relacionado a outro ainda mais discutível: o aumento da imigração. A diminui- ção ou a supressão de barreiras entre os países europeus é um dos principais elementos do processo de integração da União Europeia (Acordo Schengen). Muitos creem que a consequência direta seria o aumento de imigrantes ilegais, o que nem sempre ocorre. Como argumenta Batista (1998, p. 222, grifo da autora), “o problema do asilo atualmente é sua massiicação. Conter essas ‘avalanches’ do Terceiro Mundo não se resolverá com a construção da Europa-fortaleza, mas com o auxílio necessário para que os países em desenvolvimento possam pro- mover mudanças estruturais que ixem seus nacionais em seus territórios”.

Mecanismos como a Diretiva 2011/95 e a SECA são indícios do comprome- timento dos Estados-membros da União Europeia em normatizar e ampliar o apoio a refugiados. Resta saber até que ponto os Estados estarão dispostos a avançar nesse processo, já que o refúgio ainda é questão sensível na comuni- dade internacional.

1. A Decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia nos casos