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O direito de integração e a relevância de uma harmonização tributária no desenvolvimento dos estados‑membros do Mercosul

Palavras‑chave

2. O direito de integração e a relevância de uma harmonização tributária no desenvolvimento dos estados‑membros do Mercosul

A estrutura de um órgão arrecadador será sempre de grande importância para qualquer sistema que objetive um desenvolvimento econômico comum. Não dissonante do que reletia José Casalta Nabais18, ainda em 2007, ou seja, antes

da crise econômica verdadeiramente atingir a economia do bloco da União Europeia, o mais importante desaio do atual poder iscal dos Estados tem a

ver com a integração europeia e as exigências que coloca em sede da harmo- nização iscal19. É nesse contexto que encaixamos a relevância das distinções tributárias, da forma de recolher e iscalizar os tributos; e de como a harmo- nização do bloco para operações que envolvam as suas jurisdições podem vir a beneiciar economicamente os seus Estados-membros, principalmente no sentido da consolidação do objetivo da criação do Mercosul, que conforme ensejado por Diz20 seria de representar um meio intergovernamental de coo-

peração econômica.

Apesar de grande parte da legislação comunitária em geral se utilizar de maneira indistinta de termos como coordenação, aproximação e harmoniza- ção, conforme Nabais exempliica no caso do Tratado de Roma21, o próprio

doutrinador coloca que enquanto a cooperação compreende a aproximação de legislações através da formação de uma base comum de princípios e regras,

a harmonização é uma solução mais racional de compromisso entre a necessi- dade de eliminar as disparidades iscais existentes e salvaguardar a autonomia jurisdicional dos estados membros.

Assim, a ideia da computação, consolidação e o compartilhamento das bases tributárias de empresas associadas em trânsito na União Europeia, que deveria atenuar distorções de mercado causadas a partir da interação dos 27 diferentes regimes, vai além da mera aplicação de princípios norteadores do bloco, conforme aponta estudo ensejado por Jack Mintz e Joann Weiner, am- bos presentes no Simpósio de Direito Tributário Internacional ocorrido na Uni- versidade de Nova York, em 200822.

18 Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

19 NABAIS, José Casalta. A soberania iscal no quadro da integração europeia. Revista Tribu‑ tária e de Finanças Públicas, Rtrib 75/257, jul-ago 2007, p. 939.

20 Op. Locus 21 Op. cit.

22 Os professores defendem que a proposta se justiica em função do princípio da subsidiarie- dade, conforme deinido no art. 5o do Tratado da União Europeia, já que uma ação individual

tomada por cada Estado-Membro individualmente falhará em chegar a resultados semelhan- tes, também trazendo o ganho da proporcionalidade, que, por sua vez, partirá do pressupos-

Na medida em que a proposta do CC(C)TB tramitará em três estágios para a determinação e cobrança inal do imposto de renda corporativo no modelo harmonizado, sendo eles: (i) a determinação do Imposto de Renda de membros de um grupo empresarial único será baseada em uma série harmonizada de re- gulações de regras tributárias e contábeis; (ii) consolidação da base tributária individual na base comum; (iii) alocação da base consolidada para os membros do grupo empresarial localizados em diferentes Estados-membros de acordo com a apportionment formula23.

Cria-se uma situação de divergência doutrinária, bem representada no tra- balho de Spengel et Zolicau24, no qual os autores propõem que a implementa-

ção da medida se faça inicialmente através das duas primeiras fases, de modo que as divergências políticas existentes sejam mitigadas em uma instalação inicial da proposta, e que seja possível provar-se a inexistência de razões polí- ticas25 que barrariam a adesão do bloco à medida.

Como argumentos centrais de que a fórmula de apportionment, ou fórmu-

la de redistribuição, adotada, responsável por redistribuir as arrecadações do

imposto de renda corporativo conforme os parâmetros de capital, mão de obra e vendas, não inibe a atual competição de incentivos e condições iscais para a atração do investimento, mas, pelo contrário, pondera a participação dos stakeholders envolvidos nas transações, cabe mencionar alguns efeitos inte- ressantes com a adoção da medida: (i) eliminação dos preços de transferência e da dupla-tributação, questões que hoje motivam empresas multinacionais a realizarem planejamentos iscais rebuscados, o que, apesar de aumentar signi- icativamente o número das transações que precisam pelo menos passar por esses países, não contribui tanto com o crescimento nominal do PIB, ajudando a compor um desenvolvimento econômico fantasioso; (ii) redução dos cus- tos relacionados com a compliance iscal e outros instrumentos governamen- tais comumente usados para mitigar os efeitos adversos da evasão de divisas,

to de que a ação da União não deve exceder aquilo que seja necessário para alcançar os ob- jetivos dos tratados, disponível em <http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein. journals/taxlr62&div=7&id=&page=>, Acesso em: 25 de abril de 2014.

23 Op. cit. 24 Op. cit.

25 As questões políticas abordadas aqui dizem respeito ao repasse do montante tributário arrecadado com a presença dessas multinacionais no bloco (o que seria feito no estágio ter- ceiro da implementação da medida). Conforme apontado no relatório publicado e endossa- do pela própria OCDE ainda em 1998, um efeito colateral da globalização é que a tributação doméstica de cada país, o que antes era uma questão apenas de interesse nacional, passou a ter relevância além de suas fronteiras. Por outro lado, uma economia global também serviu para (i) criar novas oportunidades de economia iscal para os contribuintes e (ii) estimular os

países a criarem vantagens tributárias que os tornem mais atraentes ao capital internacional

(OCDE, 1998, p. 13). Quando se trata do compartilhamento do montante tributário que a ap-

portionment formula procura realizar, diferentemente do que é feito hoje, o segundo ponto

especialmente nos países que ainda adotam sistemas tributários universais26,

como costumava ser o caso da Inglaterra.

Ambas as consequências da adoção serão mais bem discutidas adiante, na terceira seção do artigo. O que é importante no momento é entender que

desburocratizar as etapas do processo de recepção de empresas estrangeiras

que mantenham atividades entre os países do Mercosul contribuirá atenuando a concorrência iscal abusiva entre os membros do bloco, o que acaba criando uma situação de desvantagem relativa preocupante.27

Esse tipo de competição faz ressurgir assimetrias desnecessárias, em fun- ção do teor complementar que atualmente é demonstrado pelas economias dos Estados-Membros.

Podemos então concluir que a terceira etapa da harmonização europeia, conforme a proposta de diretiva aqui analisada, se aplicada ao contexto do Mer- cosul, ainda na primeira fase, o que não necessariamente implica harmonizar o método de distribuição do bolo da arrecadação dos tributos indiretos, ainda as- sim representaria uma evolução no sentido da padronização de mecanismos de salvaguarda competitiva, como a possível padronização da listagem de critérios para dimensionar o signiicado de países com tributação favorecida.28

Uma das aplicações diretas na primeira fase da implementação da medi- da de harmonização iscal, por exemplo, seria a revogação do Protocolo de San Luis, dispositivo de assistência mútua em matéria penal, acordado entre os países-membros do Mercosul, que expressamente exclui a matéria tributária desse rol de assistências.29

Outra questão, também dialética, seria a extensão dos tipos jurídicos criados para tratamento de parceiros iscais, em termos de creditamento do contribuinte em uma jurisdição para dedução na segunda. Na América Latina, existe um tra- tado internacional multilateral para evitar a dupla tributação, conhecido como

26 Conforme trata o conjunto de guidelines emitidos pelo Working Paper WP/13/205, do de- partamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional, (MATHESON; Thornton, PERRY; Victoria e VEUNG; Chandara. Territorial vs. Worldwide Corporate Taxation: Impli-

cations for Developing Countries. IMF:2013], sistemas tributários universais seriam aqueles

responsáveis por onerar o contribuinte cujo empreendimento no exterior produz lucros e dividendos, no momento de incorporar esses lucros e dividendos dentro do seu território. Ou seja, os custos relacionados ao compliance desse tipo de regime são altíssimos e po- dem inclusive, como foi o caso dos Estados Unidos, implicar a adoção de medidas como o FATCA, que torna compulsória a declaração por parte das instituições estrangeiras inter- nacionais, das divisas geridas por americanos residentes no exterior.

27 A inexistência de controles cambiais na Argentina, no Paraguai, e sobretudo no Uruguai é um exemplo ilustrativo da concorrência iscal no Mercosul, GOYOS Jr, 1996, p. 10.

28 A padronização dos mecanismos de regulação inanceira hoje é realizada individualmente por cada país, assim como o tratamento que os países do Mercosul têm quanto ao afasta- mento da bitributação com relação a terceiros países (não membros, no caso).

29 Art 5.1. “El Estado Parte requerido podrá denegar la asistencia cuando (…) c) la solicitud se reiera a un delito tributario“

Pacto Andino, celebrado entre os Estados membros (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela), o qual tem profundas diferenças em relação ao Modelo OCDE, por adotar o princípio de tributação exclusiva no Estado da fonte. Contudo, o Brasil, assim como Argentina e Venezuela, afasta-se desse modelo pelo fato de irmar acordos com países industrializados, o que automaticamente inibe um sis- tema único de creditamento, e diiculta a harmonização tributária para transa- ções no âmbito Mercosul que envolvam países terceiros, por exemplo.

Finalmente, o que se pretende ressaltar aqui é a diferença do que a mera adoção das primeiras fases de um processo de harmonização iscal signiicaria, comparativamente, entre a União Europeia e o Mercosul. Enquanto para o pri- meiro bloco a diretiva apenas seria relevante se consolidada pela aplicação da fórmula de redistribuição (apportionment formula), a simples instalação de uma

série harmonizada de regulações tributárias e contábeis já contribuiria bastante

para as multinacionais que tramitam no Mercosul, além de melhor organizar e uniformizar o tratamento de países terceiros na hipótese da bitributação.

Tendo entendido a relevância mesmo da isolada aplicação de uma fase inicial da medida, a seguir analisaremos o signiicado das fases da consolidação da medida, no contexto do bloco latino-americano.

3. A Simulação da Apportionment Formula aplicada no contexto