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3. O FAZER PEDAGÓGICO COMO UMA PRÁTICA SOCIAL EM

3.2 A TEORIA DA ATIVIDADE SOCIO-HISTÓRICO-CULTURAL E A

3.2.2 A questão do sujeito e a agência dentro dos sistemas de atividade

A agência tem papel primordial na atividade humana, pois é através dela que o indivíduo age sobre o mundo. Vários autores (BILLET, 2006; EDWARDS & MACKENZIE, 2008; ENGESTRÖM & SANNINO, 2010) reconhecem o papel da agência na transformação social. Para Cole (200215, apud BILLET, 2006), é através da agência individual que os indivíduos empregam seu conhecimento sociohistoricamente construído para responder aos desafios que encontram.

O conhecimento sobre a agência, concebida como a capacidade e disposição do sujeito para a ação, é crucial para as intervenções formativas16 (ENGESTRÖM & SANNINO, 2010). Nessa modalidade de pesquisa, a agência, além de instrumento para a mudança, também emerge como resultado do processo de transformação. Para Engeström (2009), a manifestação da agência implica testar e ir além dos limites daquilo que é esperado ou permitido, sendo, portanto o resultado mais importante da aprendizagem expansiva.

15 COLE, M. (2002, April). Building centers of strength in cultural historical research. Paper presented at the

annual meeting of the American Education Research Association, New Orleans, LA.

16 modelo de pesquisa participativa na qual os participantes, através de um ciclo de Aprendizagem Expansiva,

constroem soluções e conceitos inovadores que podem ser empregados em outros contextos (Engeström, 2011) – ver capítulo 4 deste trabalho.

Dentro da perspectiva da TASHC, a agência não é concebida como uma característica estática ou um traço da personalidade. Ela é uma construção das nossas trajetórias culturais e históricas que se concretiza por meio de nossas ações agênticas dentro da atividade, podendo ser individual ou coletiva. Portanto, a agência de um indivíduo só pode ser identificada pelas suas ações e não pelas suas qualidades ou características (van LIER, 2008).

Van Lier (ibidem) considera muito difícil observar e analisar as ocorrências naturais de agência nos sujeitos, uma vez que ela ocorre em variados níveis. Para tal, faz-se necessário procurar indícios desses graus de agência dentro das atividades sociais, que podem ocorrer sob a forma de ações individualizadas ou colaborativas. Ao exercer sua agência de forma individual, os sujeitos contribuem para o desenvolvimento de sua autonomia pessoal. Já a forma colaborativa de agência “integra as energias criativas e as capacidades simbólicas de um maior número de aprendizes” (van LIER, 2008). Em um sistema de atividade, as ações agênticas do sujeito orientadas para o objeto demonstram o grau de engajamento do sujeito com a atividade.

Como uma força motriz das ações que compõem a atividade, a agência individual é influenciada pela posição do sujeito dentro do sistema de atividade e por fatores subjetivos. Essa ideia é ratificada por Leontiev (1977, p.10) quando afirma que “a atividade dos indivíduos depende da sua posição social, das condições que lhe cabem e do acúmulo de fatores individuais e idiossincráticos”17

.

A posição do sujeito dentro de um sistema de atividade é determinada pela divisão do trabalho, que estabelece para os participantes diferentes níveis de atuação (DANIELS, 2011). Esses níveis de atuação podem restringir ou ampliar a agência dos sujeitos. Da mesma forma, a agência dos participantes da atividade também pode ser influenciada pelas condições operacionais da atividade. Assim, por exemplo, o tipo de ferramentas disponíveis para os sujeitos pode propiciar maior ou menor agência em relação ao objeto.

No entanto, são os fatores mais intrínsecos ao sujeito que têm papel preponderante na mobilização da agência. Um desses fatores está relacionado com a intencionalidade. Como dito anteriormente, Leontiev (1981) afirma que, diferentemente da atividade dos animais toda atividade humana é intencional. Billet (2006) acredita que, embora essa intencionalidade possa ser constrangida pela posição do sujeito dentro das suas atividades, o indivíduo é capaz de iniciar e formular sua própria mudança e desenvolvimento. Para o autor, a cultura não é simplesmente reproduzida através de um processo determinista, mas é continuamente

17

The activity of individual people thus depends on their social position, the conditions that fall to their lot, and an accumulation of idiosyncratic, individual factors.

reconstruída em um complexo diálogo entre cada geração de indivíduos e a realidade social que encontram. A agência individual tem papel primordial nessa reconstrução, porém ela só é acionada se há uma intencionalidade no sujeito. A apropriação da cultura pelo sujeito ocorre, portanto, de maneira seletiva, ou seja, o sujeito só se apropria daquilo que lhe interessa.

Em uma entrevista sobre o desempenho escolar dos alunos brasileiros, o educador franco-brasileiro Bernard Charlot18 coloca o desejo como elemento propulsor da criança em sua relação com o saber e sugere que o "direcionar-se para o saber" pressupõe uma mobilização interna, que é diferente de motivação, que, para Charlot, é externa. Interpreto essa mobilização interna como a coordenação de ações agênticas direcionadas à apropriação de um objeto, como o saber, por exemplo. Essas ações agênticas são a realização da intencionalidade do aluno em relação aos conteúdos da escola. Tal intencionalidade pode ter como origem um desejo ou uma necessidade e representa o verdadeiro motivo da atividade, que o sujeito constrói em sua mente como uma projeção da atividade com a qual se identifica. Leontiev (1981) não faz menção ao desejo quando afirma que a atividade sempre responde a uma necessidade definida do sujeito e é direcionada a um objeto dessa necessidade. Esse conceito, no entanto, é acrescentado por Davydov (1999, apud LIBÂNEO, 2004), que acredita que o desejo deveria ser considerado como um elemento na estrutura da atividade, como o pensador russo explica:

[...] O termo desejo reproduz a verdadeira essência da questão: as emoções são inseparáveis de uma necessidade. [...] Em seus trabalhos, Leontiev afirma que as ações são conectadas às necessidades e motivos. Discordo desta tese. Ações, como formações integrais, podem ser conectadas somente baseadas em desejos. (DAVYDOV, 1999, apud LIBÂNEO, 2004, p.13)19

Vejo o desejo e a necessidade como elementos constituintes do motivo da atividade, pois eles constituem a representação do objeto que o sujeito constrói mentalmente antes da sua concretização. O modo como entendo esse mecanismo que envolve agência e desejo poderia ser exemplificado pela seguinte situação: uma criança vê um grupo de crianças brincando de um jogo. Ela logo se identifica com a brincadeira e se imagina participando dela, o que aflora seu desejo de se juntar àquele grupo (motivo). Para fazer isso, ela mobiliza sua

18

http://revistaescola.abril.com.br/formacao/bernard-charlot-ensinar-significado-mobilizar-alunos- 476454.shtml?page=0

19 DAVIDOV, Vasili. A new approach to the interpretation of activity structure and content. In: CHAIKLIN, Seth,

HEDEGAARD, Mariane, JENSEN, Uffe Jull (orgs.). Activity theory and social practice: cultural-historical approaches. Aarhus (Dinamarca): Aarthus University Press, p. 39-50.

agência e através de ações como observar a brincadeira e pedir para participar, ela vai se apropriando do objeto que havia projetado na sua mente. A figura 5 ilustra esse mecanismo.

Figura 5: Mecanismo de mobilização da agência

Conhecer os mecanismos que envolvem a construção da agência e da intencionalidade dos alunos pode ser uma ferramenta útil para entender e intervir no desempenho dos alunos na escola. Compartilho o pensamento de Charlot (2010) de que o motor que mobiliza o ser humano para uma atividade intelectual legítima é o desejo. A questão que se coloca para a atividade de aprendizagem escolar é: como nasce esse desejo e se ele pode ser estimulado extrinsecamente.

Muitos dos nossos desejos podem ser compreendidos como construtos culturais (LEFFA, 2009, p.119), relacionados às nossas experiências pessoais e ao sentido que conferimos às nossas atividades. Para a maioria dos alunos, o motivo para a atividade escolar ou está vinculado à aquisição de um diploma e consequentemente um lugar no mercado de trabalho no futuro (desejo construído e alimentado pela própria sociedade), ou aos vínculos afetivos promovidos pela convivência com seus pares (desejo mais premente). No caso desses alunos, aprender não parece figurar como motivo primordial para o aluno, já que não está relacionado ao seu desejo mais imediato.

O professor, por sua vez, também orienta sua atividade profissional por um motivo, que também está relacionado a um desejo construído pelo valor de troca da atividade (receber um salário) ou mais relacionado ao seu valor de uso (ensinar). Muito frequentemente, os motivos do professor e do aluno para a atividade escolar não coincidem, o que evidencia uma contradição que emerge sob a forma de conflitos e distúrbios.

Charlot (2012) vê a equação pedagógica da seguinte maneira:

“aprender = atividade intelectual + sentido + prazer”

O autor (ibidem) ressalta a importância do sentido para o aprendizado do aluno, já que é ele que o mobiliza intelectualmente. Acredito que esse sentido esteja ligado ao desejo que move o sujeito para a atividade e ao prazer que faz com que ele nela permaneça. Assim,

OBJETO IMAGEM DO OBJETO AÇÕES AGÊNTICAS INTENCIONALIDADE DESEJO

quanto mais sentido o indivíduo conferir ao objeto (o aprendizado de uma língua estrangeira, por exemplo), mais frequentemente ele aciona sua agência para se relacionar com esse objeto. Apesar de reconhecer a existência de uma clara conexão entre agência e construção pessoal de sentido, Engeström (2013) admite que esse é um assunto que ainda carece de investigações mais profundas dentro da TASHC.

Como parte inerente ao aprendizado, a atividade intelectual implica esforço e o esforço decorrente de uma atividade esvaziada de sentido se traduz em sofrimento. Por outro lado, quando seu aprendizado é movido por um desejo genuíno e não apenas um estímulo externo (valor de troca) em relação ao objeto, o esforço vincula-se ao prazer.

Charlot (2008) afirma que “Quem aprende é o aluno. Se não quiser, recusando-se a entrar na atividade intelectual, não aprenderá, seja qual for o método pedagógico da professora”, ideia que é compartilhada por Billet (2006), que enfatiza o papel da intencionalidade na atividade social. Em última análise, esse raciocínio parece esvaziar o debate sobre metodologias e abordagens mais apropriadas para o aprendizado. No entanto, a atitude do professor (e consequentemente seus procedimentos) é fundamental para auxiliar o aluno na significação ou ressignificação do objeto da atividade, fazendo assim a ponte entre objeto e desejo.

Exemplos sobre como o sentido da atividade e o desejo podem influenciar negativamente a agência dos alunos para o aprendizado podem ser facilmente encontrados nas escolas, já que uma das queixas mais comuns entre professores atualmente é a falta de interesse dos alunos pelos estudos. Portanto, o reconhecimento do papel do desejo e da agência na atividade de aprender pode contribuir tanto para a pesquisa na área da educação quanto para a própria prática pedagógica.

3.3 OUTRAS FORMAS DE APRENDER: OS AMBIENTES VIRTUAIS DE