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5. O CICLO DE APRENDIZAGEM EXPANSIVA: UMA ANÁLISE MACRO EM

5.1 QUESTIONAMENTO DA SITUAÇÃO

5.1.4 Análise dos instrumentos mediadores da atividade

De acordo com Jonassen e Murphy (1999), a mediação entre os componentes da atividade pode ser feita por meio de instrumentos como signos, máquinas, linguagens e leis, além dos métodos, modelos e procedimentos formalizados e culturalmente aceitos dentro do contexto da atividade.

Assim, além dos instrumentos físicos que fazem a mediação da atividade aulas de inglês na escola, já descritos na seção 5.1.2 (material didático, equipamentos etc.), tal atividade é também mediada pela cultura escolar (representada pelas normas explícitas e implícitas historicamente construídas dentro da instituição), pela abordagem metodológica adotada e seus procedimentos e ainda por fatores subjetivos como a identidade do professor (sua formação e suas crenças a respeito do objeto da sua prática, por exemplo) e do aluno (suas crenças e experiências sobre o aprendizado de inglês e seu estilo de aprendizagem).

Como já exposto anteriormente (cf. capítulo 3, seção 3.2), a qualidade dos instrumentos disponíveis para mediar a atividade pode limitar ou ampliar o seu objeto. Dentre os instrumentos que facilitam o aprendizado de inglês no contexto investigado, posso citar a adoção do livro didático que, se não resolve todas as questões pedagógicas, pelo menos

auxilia na construção de uma identidade e unidade da disciplina dentro da instituição escolar, o que, de certa forma, contribui para a sua valorização. Perin (2002), em um estudorealizado em escolas públicas do Paraná, revelou que a disciplina de língua inglesa é desvalorizada no ambiente escolar, em parte, devido à descontinuidade do programa e à sensação que o aluno tem de

não-progressão e continuidade dos conteúdos, de se estar sempre

ensinando e aprendendo a mesma coisa, o que acarreta na definição de não- seriedade da atuação do professor e na consequente desvalorização da disciplina dentro da instituição. (PERIN, 2002, p. 116)

Com relação ao livro didático, concordo com Lima (2011) que a presença do livro de língua inglesa no PNLD, introduzido a partir de 2011 pode, sem dúvida, contribuir para a definição de propostas curriculares e para suporte no planejamento e execução das aulas de inglês na escola pública. Entretanto, embora a presença desse material tenha se tornado um ponto positivo, as condições operacionais e a ausência de recursos físicos ainda têm limitado a atuação docente na disciplina. As precárias condições operacionais que a instituição onde a presente pesquisa foi realizada oferece para o ensino de língua inglesa são percebidas por muitos dos seus professores (com os quais faço coro) como obstáculo para trabalhar as quatro habilidades. O grande número de alunos nas turmas, o espaço comprimido da sala de aula e o pouco tempo na grade curricular são exemplos dessa precariedade. Esses mesmos professores também se queixam da falta de equipamentos e ambiente adequados para o trabalho com a habilidade de compreensão oral.

Na realidade, esses problemas têm sido motivo de queixa de professores de inglês em todo o país, e podem explicar, em parte, a presença de práticas tradicionais de ensino de gramática e vocabulário, ainda muito comuns no contexto da escola pública (PAIVA, 2009, 2011; BARCELOS, 2007; LEFFA, 2007; COX & ASSIS-PETERSON, 2007), o que tem sido motivo de desinteresse por parte do aluno, como exemplificam Siqueira e Anjos:

Não precisamos nos debruçar em estudos mais profundos para sabermos que ensinar e aprender inglês nesse ambiente têm, na maioria dos casos, sido orientados por e para aspectos gramaticais apenas. Por conta disso, são práticas pedagógicas tidas como maçantes e desinteressantes, desprovidas de quaisquer sinais que representem alguma relevância social para o aprendiz. (SIQUEIRA e ANJOS, 2012, p. 132)

Tais condições operacionais favorecem as ações que caracterizam o paradigma da transmissão e aquisição nas aulas de inglês, listadas em 5.1.3, e podem levar o professor a focar no ensino de certas habilidades em detrimento de outras. Assim sendo, mesmo professores bem capacitados e dispostos a mudar esse paradigma podem ser desestimulados pela ausência de recursos físicos mínimos para o exercício de sua profissão.

Do mesmo modo que a ausência de instrumentos físicos limita o ensino de inglês na escola, a cultura escolar, como mediadora da atividade, pode minar o desejo de um trabalho mais voltado para a aprendizagem participativa e colaborativa. Duas características muito presentes na cultura do contexto escolar ora investigado são a centralidade da figura do professor - que promove no aluno uma atitude passiva diante do aprendizado - e a valorização do saber individual. Esse último pode contribuir para a promoção de atitudes egoístas como a demonstrada por um aluno do 9º ano. Quando consultado sobre suas expectativas para o ano letivo de 2012, o aluno declarou:

“Não preciso dessa aula porque faço curso [...] (quero) passar direto, fazer o livro todo no primeiro dia do ano para ficar ‘livre’ nas aulas.” (depoimentos 3 e 4, ANEXO 25)

Como a cultura dessa escola (que reflete a cultura da própria sociedade atual) valoriza o desempenho individual, muitos alunos são levados a se preocupar apenas com as suas notas e com as suas expectativas individuais em relação à disciplina, como demonstrado nas falas de muitos alunos que fazem curso quando dizem que “as aulas são fáceis demais” ou “deveria haver conversação nas aulas”.

Tais alunos não percebem a dificuldade de colegas que se ressentem em não ter tido a oportunidade 29 de frequentar os tais cursos particulares e se queixam da inadequação das aulas, como mostra a aluna da mesma série em seu depoimento quando se queixa de que o professor não percebe a heterogeneidade das turmas:

“Todo ano a aula de inglês é a mesma coisa, só muda o professor. A maioria acha que a escola é parecida com curso e na verdade não é. Espero que esse ano a professora saiba a realidade da turma.” (depoimento 5, ANEXO 25)

Como dito anteriormente, há em cada turma da escola cerca de 45% de alunos que frequentam ou já frequentaram cursos de inglês, o que leva esses alunos a uma postura de desinteresse e de egoísmo, às vezes, extrema como o caso do aluno descrito acima. Diante de

29

Entre os alunos que acompanhei no período entre 2010 e 2013, cerca de 65% deles não frequentavam e nunca tinham frequentado cursos de inglês.

classes tão heterogêneas e da falta de instrumentos mediadores mais compatíveis com as demandas dos alunos, é comum que o professor de inglês nessa instituição não consiga, como nas palavras de um colega, “agradar a ninguém”.

5.1.5 Análise do contexto da atividade: o ensino de inglês na escola pública brasileira: