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5. O CICLO DE APRENDIZAGEM EXPANSIVA: UMA ANÁLISE MACRO EM

5.7 CONSOLIDAÇÃO DA NOVA PRÁTICA

5.7.3 Avaliação desse estágio do ciclo expansivo

Para acompanhar esse estágio do ciclo expansivo, foram empregadas as observações sobre o comportamento dos alunos no AVA, anotadas em um diário de pesquisa e um questionário no final do ano, que foi respondido por 55 alunos-membros (ANEXO 22). A análise dos dados desse questionário mostrou que as atividades mais frequentes dos alunos no AVA em 2013 foram: 1) postar seus trabalhos no ambiente; 2) buscar recursos para se preparar para as provas; 3) participar de fóruns; 4) acessar recursos externos e 5) “socializar com os colegas”.

Se compararmos esses dados com as informações obtidas por meio da consulta sobre as expectativas no inicio do ano e com os dados das fases anteriores (2009 a 2012), podemos concluir que, para a grande maioria dos alunos, as atividades diretamente relacionadas aos estudos sempre figuraram entre as mais frequentes, embora as atividades relacionadas ao aprendizado através do entretenimento (sem ligação com a escola) também fossem apreciadas. As atividades de “socialização e colaboração”, por sua vez, ainda não figuravam entre as mais frequentes.

Como ocorrera nos estágios anteriores, a cultura escolar, representada pelas normas culturais do sistema de atividade aulas de inglês na escola, parece ter influenciado o comportamento da maioria dos alunos no AVA também durante esse estágio do projeto. Essa influência foi evidenciada não só no tipo de atividade em que eles frequentemente se

engajavam no AVA, mas foi também revelada no seu discurso. A análise dos dados de dois questionários de 2013 evidenciou a constante preocupação dos alunos com o rendimento na escola e o quanto o professor ainda ocupa uma posição central no seu aprendizado. Por exemplo, quando, no início do ano, pedi que eles sugerissem como o ambiente poderia ajudá- los, alguns (22%) sugeriram que eu usasse o chat para “tirar suas dúvidas” (ANEXO 21). No questionário final (ANEXO 22), quando solicitados a comparar as aulas com as atividades do AVA, ¼ dos alunos disse acreditar que aprendem melhor com as aulas presenciais do que com as atividades online, pois “o contato com a professora é melhor para aprender”.

Eu mesma me rendi a essa cultura escolar, que concebe o conhecimento e o aprendizado pelo seu valor de troca. Para estimular a participação de mais alunos nos fóruns e assim provocar uma experiência mais colaborativa de aprendizagem para aqueles que ainda não tinham esse hábito, passei a oferecer bonificações nas suas notas por essas participações. A estratégia surtiu algum efeito, pois alguns alunos que nunca haviam participado dos fóruns começaram a fazê-lo, embora com a clara intenção de ganhar os bônus, como mostrava o aumento dessa participação perto das datas de fechamento das notas na escola. Isso talvez explique a razão de os fóruns figurarem em 3º lugar na lista de atividades mais frequentes em 2013.

Como dito no início dessa seção, meu objetivo para essa fase de consolidação do ciclo de aprendizagem era estimular uma maior integração entre os dois sistemas de atividade identificados (aulas de inglês na escola e ensino e aprendizagem de inglês em um AVA), incluindo nesse processo um maior número de alunos possível, ao mesmo tempo em que iria trabalhando as contradições que emergiram ao longo do Projeto aparecidanet.

O questionário final (ANEXO 22) revelou que em 2013 houve um aumento na frequência do acesso ao AVA pelos alunos do 9º ano em relação ao ano anterior. Por outro lado, os alunos da 1ª série admitiram que tinham acessado o ambiente com menor frequência do que nos dois anos anteriores.

Pode-se concluir, portanto, que o objetivo de integrar o AVA às aulas e envolver mais alunos foi atingido no 9º ano, ainda que como resultado de uma “imposição” velada, já que os projetos planejados para essas turmas implicavam necessariamente no acesso ao ambiente para realizar ou postar seus trabalhos e de um estímulo externo, como os bônus que alguns alunos receberam pela sua participação nos fóruns53.

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Os bônus eram décimos que eu acrescentava às suas médias finais, o que geralmente significava 0,5 na nota final.

Entretanto, o objetivo principal do questionário final (ANEXO 22) foi conhecer a percepção de todos os alunos sobre as possíveis mudanças no seu modo de aprender inglês na escola, o que poderia indicar a ressignificação do objeto. Apliquei esse questionário nas cinco turmas de 9º ano (três das quais participavam do projeto há dois anos) e uma turma da 1ª série que já estava no seu terceiro ano de participação.

Apesar do caráter “não espontâneo” do aumento da participação dos alunos do 9º ano no AVA em 2013, o engajamento desses alunos parece ter contribuído para a percepção de uma mudança no seu modo de aprender inglês, de um modo geral, como mostraram os resultados do questionário final. Os dados mostraram que mais da metade desses alunos (61%) percebeu alguma mudança no seu modo de aprender inglês e na disciplina da escola, atraibuindo essa mudança à maneira “dinâmica e divertida” que o ambiente lhes proporcionava para aprender inglês.

Essa percepção de mudança, no entanto, foi menor entre os alunos da 1ª série do ensino médio (43%), que a associaram ao conhecimento de ferramentas digitais para aprender inglês. Vale ressaltar que entre os alunos dessa turma de 1ª série não mais se encontravam aqueles alunos mais engajados dos anos 2011 e 2012 e o “trânsito” dos alunos dessa turma no ambiente nesse ano fora menor em relação às turmas do 9º ano.

Entretanto, o uso dos expedientes empregados para intensificar o uso do AVA nas aulas, acima descritos, evidenciou ainda mais a contradição entre as normas culturais dos dois sistemas de atividade, com predominância da influência da cultura escolar sobre o modo como os alunos se engajaram no projeto.

Um depoimento de um aluno do 9º ano54 como resposta às perguntas do questionário final ilustra bem essa contradição (depoimento 6, ANEXO 25). Esse aluno, que declarava “falar” em nome da sua turma, reclamou da “obrigatoriedade” do uso do ambiente durante o ano dizendo que “a internet é um espaço de lazer e, a partir do momento em que somos obrigados, há uma desmotivação”. Para esse aluno, as aulas presenciais são melhores, pois “tem alguém de verdade para ensinar” e porque ele “assiste as aulas, sem precisar acessar nenhum site”. Ele ainda declara que, na sua opinião, a internet deveria ser usada pelos alunos “apenas para tirar dúvidas quando necessário”, citando como exemplo o grupo criado pela sua turma no Facebook.

Esse aluno parece pertencer ao grupo cujo engajamento nas aulas classifiquei como nível 2, ou seja, o aluno que tem uma relação utilitária e protocolar com o processo

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pedagógico. Para ele, aprender (ou estudar) implica em “assistir” aulas (ação passiva dentro de um ambiente escolar) de “alguém de verdade” (o professor) e a tecnologia deve ser um instrumento a serviço dessa concepção.

Esse discurso, embora possa não refletir o pensamento de todos os alunos, simboliza o conflito entre a cultura escolar da transmissão e aquisição (que tanto influencia o modo como os alunos concebem o ato de aprender) e um novo modelo de aprendizagem que inclui lazer, autonomia e interação.

A contradição ilustrada por esse depoimento, que esteve presente em todo o ciclo de aprendizagem, ficou mais visível quando o Projeto aparecidanet deixou de ser apenas um “apêndice” das aulas de inglês na escola para se constituir em um novo modelo para essa atividade, o que parece ter rompido com a “harmonia” do sistema de atividade 1. A explicação de Engeström (2006) parece ilustrar bem o que aconteceu:

Quando um sistema de atividade adota um novo elemento externo (uma nova tecnologia ou um novo objeto), isso sempre leva ao agravamento de contradições secundárias onde algum elemento antigo (por exemplo, as regras ou a divisão do trabalho) colide com o novo elemento. Tais contradições geram distúrbios e conflitos, mas também tentativas inovadoras de mudança na atividade, fazendo da zona de desenvolvimento próxima um campo de batalha invisível. (ENGESTRÖM, 2006, p. 28) 55

O autor (ibidem) cita como exemplos dessas contradições as regras inflexíveis da atividade, que retardam e impedem as possibilidades abertas pelos novos instrumentos. No entanto, como o próprio autor afirma, as contradições podem gerar transformações qualitativas na atividade. Assim, a provocação das contradições evidenciadas pelo depoimento do aluno é um indício de ruptura de um modelo de atividade e o início da construção de um modelo inovador.