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3. O FAZER PEDAGÓGICO COMO UMA PRÁTICA SOCIAL EM

4.1 A PESQUISA DE INTERVENÇÃO FORMATIVA DE ENGESTRÖM

4.1.4 Comparação com outras metodologias de pesquisas em educação

Engeström e seus colaboradores (ENGESTRÖM & SANNINO, 2010; ENGESTRÖM, 2011; ENGESTRÖM et al, 2014) têm criticado o caráter impositivo de algumas pesquisas intervencionistas na área da educação, sobretudo aquelas conhecidas como “design experiments”, atualmente desenvolvidas nos EUA. Tais pesquisas têm como foco a implementação de metas educacionais desenvolvidas por pesquisadores da área nas instituições escolares, com o propósito de melhorar seus resultados, porém, sem espaço para a participação dos principais atores envolvidos no processo, ou seja, professores e alunos. O autor afirma que esse tipo de pesquisa compartilha o mesmo modelo linear das pesquisas experimentais, como o controle de variáveis e o foco nos resultados e não nos processos. Engeström (2011, p. 606) aponta quatro diferenças básicas entre a intervenção formativa e as pesquisas de intervenção lineares do tipo “design experiments”, em relação aos seus objetivos, a posição dos participantes, aos resultados e ao papel do pesquisador:

1. Nas pesquisas de intervenção lineares, os conteúdos e os objetivos da intervenção são determinados previamente pelos pesquisadores. Já na IF, os participantes, ao trabalharem na resolução de um conflito ou distúrbio, constroem um conceito inteiramente novo para a atividade, cujo conteúdo não pode ser previsto pelos pesquisadores no início da pesquisa.

2. Nas pesquisas de intervenção lineares, espera-se que os participantes (geralmente professores e alunos) executem seus papeis na pesquisa sem resistência. Assim, as dificuldades de execução, interpretadas como pontos fracos no desenho da pesquisa, são resolvidas pela correção do próprio desenho. Nas intervenções formativas, o curso e o conteúdo da pesquisa estão sujeitos à negociação com os participantes, que se tornam agentes da mudança.

3. Com relação aos resultados, no primeiro tipo de pesquisa, o modelo de solução encontrada para o problema deve ter a capacidade de ser replicado em outros ambientes. Na IF, o objetivo é que os novos conceitos gerados possam ser usados em outros ambientes como suporte para a construção de modelos de solução apropriados para cada contexto.

4. Com relação ao papel do pesquisador, nas intervenções lineares o pesquisador tem como objetivo o controle das variáveis, ao passo que nas intervenções formativas, ele busca provocar e sustentar um processo de transformação formativa cujos atores são os participantes da pesquisa.

Como dito anteriormente neste capítulo, o centro de pesquisa da Universidade de Helsinki (CRADLE) emprega o método da intervenção formativa em várias áreas, incluindo a educação. No entanto, de acordo com Engeström et al. (2014, p. 125), as intervenções formativas, realizadas nas escolas, de um modo geral, têm tido como participantes apenas os professores. Os autores (ibidem) questionam essa limitação e apontam para a necessidade de intervenções formativas nas quais crianças e adolescentes possam ser o centro de transformações expansivas por meio de sua própria agência.

Como um tipo de pesquisa intervencionista e participativa, a intervenção formativa tem muitos pontos em comum com a pesquisa-ação participante, pois ambas:

 compartilham o pressuposto de que o conhecimento emerge da prática  não são metodologias prescritivas, mas reflexivas

 atribuem papeis simétricos a participantes e pesquisador, os quais negociam os significados e procedimentos da pesquisa

 têm caráter colaborativo

 objetivam a transformação social, por meio da solução de um problema

No entanto, a intervenção formativa vai além da solução do problema gerador da pesquisa, pois promove a criação de novos conceitos e de uma nova atividade por meio da investigação e resolução das suas contradições históricas. Na opinião de Engeström, citado por Somekh e Nissen (2011, p.93), a pesquisa-ação não é um método coerente e “certamente não é um substituto viável para uma metodologia genuinamente construída sobre os princípios da Teoria da Atividade”. Para o autor, uma intervenção que se limita às transformações das ações e que ignora as dinâmicas da atividade pode ser tecnicamente eficaz no curto prazo, mas não tem influência duradoura na formação dos sujeitos (Engeström, 2011). Lawler (2008) também concorda com Engeström que a pesquisa-ação não é um método coerente. Porém, para esse autor, a pesquisa-ação, devido aos seus pressupostos de transformação e

envolvimento dos participantes, pode ser considerada como uma abordagem ou atitude metodológica em relação à pesquisa.

O ciclo expansivo da aprendizagem, apresentando na seção 3.2.1, apresenta muitas semelhanças com o ciclo proposto por Lewin para a pesquisa-ação: a) planejamento; b) ação; c) observação e d) reflexão e avaliação (BARBIER, 2004; CARR & KEMMINS, 2004). Porém, o ciclo de Engeström, além de mais elaborado, prevê que seus resultados tenham implicações na transformação da prática como um todo e não apenas em ações isoladas. Outra distinção entre os dois ciclos é o foco na criação de um conhecimento totalmente novo, como afirma Engeström:

Em transformações importantes na nossa vida pessoal e nas nossas práticas organizacionais, nós temos que aprender novas formas de atividade que ainda não estão lá. Elas são literalmente aprendidas enquanto estão sendo criadas. (ENGESTRÖM, 2011, p. 138)

Algumas das características do ciclo de aprendizagem expansiva descritas abaixo podem ajudar a estabelecer a diferença:

 No ciclo expansivo, a intervenção é feita por meio de ferramentas que o pesquisador coloca à disposição dos participantes para que esses criem suas próprias soluções.

 O questionamento implica a investigação das contradições históricas e culturais que se desenvolveram na própria atividade ao longo do tempo.

 Todos os estágios do ciclo expansivo envolvem a revisão do conceito do objeto da atividade, o que resulta na sua ressignificação.

Uma intervenção formativa é geralmente construída sobre os dados etnográficos do contexto da situação-problema, coletados por meio de instrumentos clássicos da pesquisa qualitativa, como questionários, entrevistas e sessões de visionamento. Com base nesses dados e na análise conjunta do problema, os pesquisadores apresentam aos participantes algumas ferramentas que eles próprios empregarão na solução dos problemas. Essas ferramentas podem ser físicas ou simbólicas, como, por exemplo, o modelo triangular do sistema de atividade, geralmente usado para descrever e compreender uma determinada situação.

Por todas as razões expostas nesse capítulo, a intervenção formativa foi escolhida como metodologia para esta pesquisa, pois permitiu não apenas acompanhar o ciclo de aprendizagem expansiva que teve início com a adoção de um projeto de aplicação de tecnologia nas aulas, mas também intervir no curso desse ciclo. Assim, cada um de seus estágios demandou a geração de dados específicos, cuja análise apontou caminhos para a intervenção no ciclo, contribuindo para a consequente transformação da atividade.

Os participantes da pesquisa e também protagonistas desse ciclo de aprendizagem consistiram dos alunos das turmas que estiveram sob a minha regência em todo o período da intervenção (2009-2013). Vale ressaltar que anualmente havia alguma alteração na composição dessas turmas sob a minha regência. Assim, a cada ano letivo, eu recebia novos alunos que eram convidados a participar do projeto, dando início a um novo ciclo de aprendizagem. Em algumas ocasiões, as mesmas turmas permaneciam sob a minha regência no ano seguinte, contribuindo assim para a continuidade do projeto. Foi o que ocorreu em 2011 e 2012 com três turmas de 8º ano. Esse fato impulsionou a geração mais sistemática de dados, que possibilitou uma investigação mais detalhada sobre o comportamento dos alunos em relação ao projeto, sobretudo no que diz respeito ao modo como eles mobilizaram (ou não) a sua agência.