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5. O CICLO DE APRENDIZAGEM EXPANSIVA: UMA ANÁLISE MACRO EM

5.6 REFLEXÕES E AVALIAÇÕES DO PROCESSO: avaliando todo o projeto

5.6.2 Avaliação geral do projeto

Com a intenção de fazer um balanço geral do Projeto aparecidanet, desde a concepção do AVA até sua implementação, fiz a mim mesma algumas perguntas, para guiar essa análise retrospectiva: INSTRUMENTOS COMUNIDADE REGRAS DIVISÃO DE TRABALHO SUJEITO: membros da rede aparecidanet OBJETO: APRENDER e ENSINAR INGLÊS em um AVA INSTRUMENTOS COMUNIDADE

REGRAS DIVISÃO DE TRABALHO

SUJEITO: PROFESSORA e ALUNOS OBJETO: APRENDER e ENSINAR INGLÊS NA ESCOLA NOVO OBJETO

1. Os objetivos que me conduziram à criação do projeto foram atingidos?

2. Que oportunidades de aprendizagem o projeto proporcionou a mim e aos alunos? 3. Que novas contradições emergiram do projeto?

1. Os objetivos que me conduziram à criação do projeto foram atingidos?

Na seção 5.2, quando relatei os vários problemas presentes na atividade aulas de inglês na escola, reconheci a falta de motivação dos alunos como o que mais me inquietava. A ideia do Projeto aparecidanet veio justamente como uma resposta a essa inquietação. Tinha como objetivo para o projeto tentar resolver algumas das contradições mais prementes nesse sistema de atividade, como a não-identificação dos alunos com o objeto da atividade, ou seja, a falta de sentido em relação às aulas, além limitação imposta pelos instrumentos mediadores daquela atividade (livro, quadro etc.). Planejei, então, construir um AVA que pudesse se configurar como um espaço de extensão e expansão da experiência da sala de aula. Extensão porque deveria dar continuidade ao processo iniciado nas aulas, estendendo o tempo de aprendizado da língua. Porém, o ambiente virtual deveria também ser uma oportunidade de expansão do aprendizado, pois nele os alunos poderiam fazer uso de instrumentos mediadores distintos daqueles usados nas aulas, incluindo aí o uso de material multimidiático (bastante útil para a prática das habilidades que não eram trabalhadas nas aulas) e também as próprias interações (na língua-alvo) entre professor e alunos e alunos-alunos por meio das ferramentas sociais. Esperava, assim, que essa experiência abrisse caminho para uma mudança do paradigma da transmissão e aquisição para o paradigma da participação, além de promover a agência dos alunos para o seu próprio aprendizado de inglês.

Desse modo, analisando retrospectivamente os estágios de criação, de experimentação e de implementação do projeto e, com base nos dados gerados nesses períodos, pude concluir que o projeto apontava para a resolução das contradições mencionadas. O AVA, que tinha sido bem avaliado pelos alunos em geral, parecia estar contribuindo para a extensão e expansão do sistema de atividade aulas de inglês na escola, tanto em relação ao uso dos novos instrumentos mediadores - como mostrou a popularidade dos recursos multimidiáticos entre os alunos, quase inexistentes no ambiente escolar - quanto na utilização (ainda que não tão disseminada entre os membros) das ferramentas sociais para o aprendizado da língua. Outro indício dessa expansão foi o fato de que os alunos, ao contrário do que eu receava no

início do projeto, não utilizaram o ambiente apenas como repositório de material didático, mas também como um espaço de aprendizado que misturava entretenimento, interação e colaboração, ainda que isso tivesse acontecido entre um número reduzido de alunos-membros.

2. Que oportunidades de aprendizagem o projeto proporcionou a mim e aos alunos?

Todo projeto de transformação implica em aprendizado e todo aprendizado inclui a superação de dificuldades. Nos quase quatro anos de criação e implementação do Projeto aparecidanet foram muitos os desafios, sobretudo no que diz respeito aos aspectos técnicos do projeto. Como era uma iniciativa individual, os problemas também tiveram que ser resolvidos nesse plano, em uma experiência de tentativas e erros. Por vezes, a solidão e a minha própria inexperiência na condução do projeto me impeliam a abandoná-lo. No entanto, a resposta positiva dos alunos e o desejo de fazer a diferença me impulsionavam a continuar. Assim, aprendi a resolver as questões técnicas e me aventurei na experimentação de outros recursos tecnológicos. Entretanto, meu aprendizado foi muito além dessas “questões técnicas”. A experiência com uma modalidade diferente de ensino e aprendizagem contribuiu para a ressignificação do objeto da atividade aulas na escola. Em outras palavras, a minha prática pedagógica começou a ganhar um novo sentido quando passei a incorporar as lições que tinha aprendido com a experiência virtual, mostrando a clara influência de um sistema sobre o outro. Um exemplo foi a adoção na escola de procedimentos que envolviam mais a participação e a colaboração dos alunos, como foi o caso de um projeto de tutoria e monitoria durante as aulas presenciais, que criei a partir de 2012. O projeto previa a atuação dos alunos mais proficientes como tutores individuais de alunos com dificuldades ou como monitores que atuavam como assistentes das aulas.

Com relação aos alunos, embora muitos deles tivessem declarado que o ambiente os tivesse auxiliado no aprendizado de inglês (ANEXO 19), a mensuração desse benefício foi inviável, já que eles não poderiam ser formalmente avaliados naquilo que tinham “aprendido” no AVA. No entanto, pode-se verificar esse processo de aprendizagem “informal” em algumas interações nos fóruns, como mostra a construção da expressão escrita de um aluno durante uma interação comigo em um fórum sobre inclusão de alunos com deficiência na escola regular (figura 40). Nessa discussão ele constrói sua argumentação para me convencer de sua opinião.

Figura 40: Conversa com um aluno em um fórum - 2012

Esse mesmo aluno, durante a entrevista que me concedeu, revela que tem consciência do seu processo de desenvolvimento da expressão escrita:

“Achei mais legal os fóruns que eu respondia qualquer coisa que eu errava você botava ali. “É, com certeza eu errei alguma coisa, você me consertava e eu ia pegando isso, entendeu? Acho esses fóruns ... foi o que mais me ajudou.” (aluno 13, ANEXO 15)

Outra aluna também reconheceu os fóruns como uma forma de aprendizado:

“Porque você começa a comentar sobre as coisas que você vai entrando no assunto, que é da idade, e aí você começa a melhorar vocabulário. ... isso ajuda porque eu vou lendo os comentários das outras pessoas e alguma palavra que eu não sei eu vou e procuro. Aí eu começo a melhorar.” (aluna 19, ANEXO19)

Além do aprendizado linguístico, outras oportunidades de aprendizado, talvez não tão perceptíveis para o aluno, devem ser destacadas. Todas as participações no ambiente, desde o cadastramento até os usos mais complexos, como a customização da página pessoal e a criação de fóruns, exigiram do aluno um processo de aprendizado digital. Esse processo foi estimulado por mim à medida que eu mesma me familiarizava com as possibilidades da tecnologia e incentivava os alunos a usá-la com fins pedagógicos. Assim, a utilização do ambiente pelos alunos que, em 2009 se limitava ao “download” de material impresso, foi evoluindo para práticas mais complexas, como o projeto de produção de histórias em quadrinhos e pôsteres virtuais com o uso de ferramentas de autoria. Esses projetos se mostraram como um desafio para os alunos que recorriam a mim ou aos colegas para resolverem suas dúvidas com relação ao uso da tecnologia, como mostra o chat abaixo (figura 41), em que um aluno ajuda seus colegas a postarem o “trabalho” no AVA. Esse exemplo mostra que, além de contribuir para o letramento digital dos alunos, o projeto também lhes proporcionou a emergência de uma agência mais colaborativa, pois eles se mobilizaram para superar os desafios que a tarefa lhes impunha.

Figura 41: conversa entre alunos no CHAT para "tirar dúvidas" quanto à postagem dos trabalhos - 2012

3. Que novas contradições emergiram do projeto?

A dinamicidade dos sistemas de atividade implica a presença constante de contradições. Assim, à medida que algumas das contradições existentes no sistema aulas de inglês na escola foram sendo resolvidas com o avanço do projeto, novas contradições foram emergindo como consequência da sua implementação. Identifiquei 3 problemas importantes durante o projeto, os quais denotam as contradições do sistema de atividade aulas na escola, que emergiram a partir da intervenção.

a) A dificuldade para construir um sistema de atividade híbrido de ensino- aprendizagem de inglês (online e presencial)

Na subseção anterior, mencionei meu desejo de incorporar o projeto de forma mais consistente à minha prática na escola e a impossibilidade de fazê-lo, devido às regras da escola. Essa impossibilidade fez com que o projeto se transformasse em uma atividade isolada dentro de um sistema de atividade maior que é o ensino da disciplina de língua inglesa na escola, já que nenhum outro professor compartilhou o projeto comigo.50

Embora o projeto nunca tivesse sido coibido pela instituição, a falta de apoio da mesma instituição, no que diz respeito, por exemplo, ao uso da sala de informática51 e à falta de incentivo para o projeto, reforçou o caráter pessoal e aventureiro da iniciativa. Como não fazia parte do programa da disciplina, a adesão dos alunos ao projeto era totalmente espontânea e a motivação era então a minha única estratégia para essa adesão. Um aliado dessa estratégia foram as aulas na sala de informática, momento em que os alunos podiam realmente “experimentar o ambiente”, visto que a grande maioria dos alunos passou a frequentar o ambiente a partir dessas aulas. No entanto elas foram muito escassas: geralmente em torno de 3 ou 4 aulas por ano, o que limitou ainda mais meus esforços para incluir mais alunos. Essas dificuldades foram as mesmas relatadas em 5.2, ou seja, aquelas que se apresentavam quando tentava mudar o modelo de aulas com o qual os alunos e eu não estávamos satisfeitos. Portanto, pode-se concluir que a mesma contradição existente entre a dinâmica do sistema de atividade aulas de inglês na escola e o próprio funcionamento da escola, enquanto um sistema de atividade mais estático, parece ter persistido.

b) O projeto não atingiu todos os alunos

As razões explanadas acima podem ter contribuído para o fato de muitos alunos não terem aderido ao projeto. Como consequência disso, havia nas minhas turmas dois “tipos de alunos”: alunos que se engajaram no projeto e os que não se engajaram. Como relatado na subseção anterior, os alunos engajados faziam parte de dois sistemas de atividade para aprender inglês: sistema 1 (na escola) e sistema 2 (no AVA), caracterizando assim uma aprendizagem híbrida. Já os outros alunos continuavam dentro do mesmo sistema de atividade existente antes do projeto. Como o projeto era, como eu disse antes, apenas um “apêndice”

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Apesar de conhecerem o projeto, os outros professores não mostraram interesse em participara e eu não me sentia à vontade para convidá-los, já que era um projeto experimental que demandava muita dedicação.

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Um exemplo dessa falta de apoio foi a quase impossibilidade de usar a sala de informática, apesar de ter sempre pedido um “pequeno espaço” na grade de horário desse ambiente para as minhas aulas.

das aulas e não poderia figurar nas avaliações da escola, esses alunos não-engajados não se sentiram prejudicados. Esse fato foi evidenciado pela ausência de conflitos nesse sentido, já que tive sempre muito cuidado em manter a equanimidade de condições para o aprendizado dentro da escola. Por exemplo, mesmo durante os trabalhos que envolviam o uso de tecnologia, eu oferecia sempre a opção de fazer um trabalho alternativo ou de se juntar a um grupo que tivesse mais “intimidade com a tecnologia” e fosse membro do AVA. Essa aparente divisão entre os dois “tipos de alunos” não parece ter alterado a dinâmica do sistema aulas na escola, já que as turmas são formadas de alunos com diferentes níveis de engajamento com essa atividade, como visto no capítulo 5 (seção 5.1).

Um ponto em comum que parece permear entre esses dois problemas é a resistência à mudança, tanto por parte da comunidade da atividade (direção da escola, outros professores e família), quanto por alguns dos sujeitos diretamente envolvidos.

c) A maioria dos alunos usava o AVA dentro do paradigma da Aquisição

Apesar do meu incentivo para a colaboração online durante todo o projeto, a maioria dos alunos usava o AVA de forma tradicional, ou seja, consumindo informação como mostram as suas ações mais frequentes relatadas em 5.6.1. Muitos deles viam o ambiente apenas no seu valor de troca, acessando-o apenas na véspera das avaliações ou para postar seus trabalhos e obter notas, sem nunca ter contribuído com o seu conteúdo. Para incentivar essa contribuição, comecei a oferecer bonificações na notas pelas participações nos fóruns e pelas postagens de conteúdo, o que parece ter contribuído para aumentar o “trânsito” no ambiente virtual. Essa situação evidencia uma contradição entre os dois paradigmas de aprendizagem: o paradigma da transmissão, presente na escola e arraigado na cultura de aprender dos alunos e o paradigma da participação, representado pelas possibilidades de interações e colaboração presentes no AVA.