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A recente reforma do Direito de Menores

CAPÍTULO II – Processo Tutelar Educativo

1.3 A recente reforma do Direito de Menores

O antigo modelo de justiça de menores foi responsável por inúmeras institucionalizações de menores, sob o propósito de protegê-los. Entretanto, essa política criminal mostrou-se inadequada. A Recomendação nº R (87) 20, por exemplo, estabelece que os jovens são seres em desenvolvimento e que por isso cada medida tomada deve ter um caráter educativo e de integração social, abolindo ao máximo medidas de aprisionamento para menores, ao mesmo tempo em que lhes devem ser proporcionadas as mesmas garantias processuais dos adultos.

Particularmente em relação à colocação excecional em instituições, RESTA justifica que a resolução do problema da delinquência está na afetividade que geralmente as crianças e jovens não têm, ou não podem ter, e as instituições ao invés de reduzirem os danos parecem às vezes agravar o problema62. Além disso, a institucionalização para um menor, excessiva e sem critérios adequados, é índice de uma dupla falha da sociedade, por ter ela produzido as condições dentro das quais a inadaptação do menor se transformou em transgressão e porque,

61 Anexo à Resolução 1997/30 do Conselho Económico e Social, sobre a Administração da Justiça de Jovens, de 21 de Julho de 1997. 62 ELIGIO RESTA, ob. cit., p. 10.

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uma vez verificado o comportamento transgressivo, é incapaz de elaborar por si só um programa de recuperação e ressocialização, e assim delega às instituições o poder de “aprisionamento protetivo”, que mais se destina à defesa da sociedade que ao interesse do menor.

Engana-se a sociedade ao pensar que está a desenvolver corretamente seu papel, e, por outro lado, diante da crescente delinquência juvenil, cobra da criança e do jovem o resultado de uma sua escolha, que não é do mesmo modo racional, ou seja, não é uma escolha plenamente livre entre submeter-se às regras ou violá-las.

A própria Constituição da República contribui para o combate a uma lógica repressiva, nos casos de delinquência juvenil. É que, apesar de a segurança ser um direito consagrado no artigo 27º, nº 1, a dignidade da pessoa humana e, portanto, também do menor, é um princípio constitucional que orienta a condução de qualquer intervenção estatal e, face à sua especial condição de ser em desenvolvimento, impõe a Constituição o dever de proteção especial para as crianças e jovens, a cargo do Estado63. Entre os interesses envolvidos, é o interesse do menor

que prevalece, sendo a linha mestra de condução de qualquer intervenção tutelar.

O modelo de justiça é demasiado arcaico para adequar-se ao novo panorama de direitos das crianças e jovens, universalmente consagrados. Por outro lado, o modelo então vigente, extremamente protetivo, não estava a se mostrar adequado às novas realidades sociais. Portugal era mesmo tido como demasiado retrógrado pela política excessivamente protecionista que estava a desempenhar, sem qualquer similitude na Europa64.

Tendo os Estados Partes se comprometido a tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras necessárias à realização dos direitos reconhecidos pela CDC, e seguindo as orientações da Recomendação nº R (87) 20 e dos diplomas supranacionais já citados, especialmente das Diretrizes de Riade65, Portugal respondeu às críticas ao modelo de justiça de menores então vigente e introduziu um novo sistema legal, proposto como uma via de meio entre o sistema de proteção e o sistema de justiça penal, pois ao mesmo tempo em que subtrai o menor infrator ao sistema penal, impõe-lhe uma disciplina mais garantística do ponto

63 JOSÉ ADRIANO SOUTO DE MOURA, ob. cit., pp. 107-108.

64 Vide ELIANA GERSÃO, ob. cit., pp. 461-462. O modelo de proteção era aquele predominante à época nos países de tradição cultural

semelhante à de Portugal, entretanto não se via essa tendência maximalista ou extremista aqui implantada.

65 Isto porque acima de qualquer colocação sobre os direitos da criança e do jovem previstos nos diplomas internacionais já citados, as Diretrizes

de Riade orientam em seu ponto 3, dos Princípios Fundamentais, que os jovens devem ter um papel ativo e colaborante dentro da sociedade e não devem ser considerados como meros objetos de medidas de socialização e de controlo. Esta ideia-chave era o que essencialmente faltava no sistema penal juvenil em Portugal.

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de vista processual e propõe uma intervenção direcionada, mais responsabilizante e educadora, tudo em ordem a promover o melhor interesse da criança.

Assim, enquanto a disciplina penal para os jovens imputáveis, no início da década de 80, distanciou-se estrategicamente do modelo de justiça penal, aquela destinada aos menores infratores passa a seguir em direção contrária, distanciando-se do modelo puro de proteção em direção a um modelo mais educativo, norteado sempre pelo interesse dos menores, que entretanto foi assumido sob um novo conceito, à luz da CDC. Nessa nova perspetiva, os interesses da criança relacionam-se ao exercício dos seus direitos, nomeadamente do seu direito de participação, como sujeito ativo e colaborante, em toda a vida social e na generalidade das decisões que sobre ela incidem.

A reforma se instalou com o desmembramento da Organização Tutelar de Menores66, sendo criados novos diplomas legais, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP)67 e a Lei Tutelar Educativa (LTE)68, os quais entraram em vigor no dia 1º de Janeiro

de 2001. Com esta medida, separam-se a intervenção tutelar de proteção e a intervenção tutelar educativa, passando os menores infratores a ter um regime jurídico específico, com as devidas garantias fundamentais atribuídas pela Constituição e pelos textos internacionais, aos quais o Estado Português aderiu nos últimos anos.

A intervenção tutelar de proteção destina-se às situações de crianças que estejam em perigo, carecidas de proteção e assistência por serem vítimas de maus tratos ou de situações de abandono ou desamparo, ou ainda que se encontrem em situação de pré-delinquência ou para- delinquência; enquanto a intervenção tutelar educativa dirige-se aos jovens entre 12 e 16 anos de idade que tenham praticado fato qualificado pela lei como crime, aos quais são-lhes aplicadas medidas tutelares.

Sistema tutelar porque atende aos imperativos de proteção da infância e juventude a cargo do Estado, constitucionalmente consagrados. E sistema educativo, no sentido de promover o desenvolvimento integral da criança69, cuja personalidade está em fase de formação, direcionando-a para o respeito pelas normas jurídico-penais, e assim prevenindo-se ulteriores infrações. Neste sentido, além de consagrar os direitos da criança, logra-se também atender as expectativas comunitárias de segurança e paz social.

66 OTM62 (DL nº 44.228, de 20 de Abril), e sua revisão, denominada OTM78 (DL nº 314/78, de 27 de Outubro). 67 Lei nº 147/99, de 2 de Setembro.

68 Lei nº 166/99, de 14 de Setembro.

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Em que pese a introdução de uma intervenção diferenciada, ambos os sistemas podem atuar de forma coordenada e complementar, a depender das necessidades encontradas em cada caso concreto, sempre no melhor interesse da criança. Pode-se, por exemplo, aplicar medida provisória de proteção a um jovem infrator, afinal em muitos casos de delinquência juvenil percebe-se que na origem há uma situação-problema de abandono ou maus tratos, o que requer a intervenção em simultâneo dos dois sistemas70. Passa-se contudo a centrar o estudo na específica situação da intervenção tutelar educativa, pois é o campo a que se destina particularmente o trabalho.

Desligando-se de um modelo puramente protecionista, e tendo-se admitido o menor como um sujeito de direitos, este passa a ter papel ativo no processo, pelo que sua audição e o contraditório, dentre outros direitos processuais, tornaram-se garantias necessárias. Além disso, a indefinição temporal das medidas, marcante no modelo anterior, foi substituída pela necessidade de determinação concreta da duração da medida tutelar educativa aplicada, de forma a atender ao princípio da proporcionalidade da intervenção. Ainda, na execução da medida, tornou-se necessária sua individualização, através da elaboração e cumprimento de projetos educativos pessoais, no caso das medidas de acompanhamento educativo e de internamento em centro educativo. Por fim, dentre outras providências tomadas pela LTE, destaca-se que trouxe um quadro bem definido sobre os pressupostos, modalidades, periodicidade e efeitos da revisão das medidas tutelares educativas, em oposição à total liberdade concedida pela OTM de 1978 ao Tribunal.

Seguindo o exemplo do panorama internacional, as crianças e adolescentes tornam-se cidadãos, e têm reconhecimento e tutelas como nunca antes na história.

Além das disposições legislativas especiais, são criadas instituições especializadas para acolhida e tratamento dos menores infratores, separando-os dos menores em perigo, tudo em busca de um novo modelo direcionado às suas necessidades específicas de formação.

A assunção do menor como sujeito de direitos traz, correspondentemente, deveres pessoais e sociais, aos quais deve ele submeter-se, sob pena de ser proporcionalmente responsabilizado. Assim, na opção entre modelos de intervenção, o direito português “não se

70 MARIA JOÃO LEOTE DE CARVALHO, Risco Social, Juventude e Delinquência: Que sentido(s) para a aplicação de medidas tutelares

educativas não institucionais, in DUARTE-FONSECA, Antonio Carlos (coord.) et al, Direito das Crianças e Jovens: Actas do Colóquio, p. 441, sugere que para uma intervenção mais eficaz revela-se fundamental o desenvolvimento de formação simultânea sobre as duas Leis, para os técnicos de ambas as áreas, de forma a usufruírem das experiências bem-sucedidas de cada um e divulgarem entre si as práticas adequadas que possibilitem a agilização de alguns dos procedimentos.

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ateve a um modelo de justiça puro, mas também não a um modelo protetivo extremado, constituindo antes uma terceira via”71, a fim de harmonizar em si “a salvaguarda dos direitos

do menor – o que conferirá legitimidade à intervenção - e a satisfação das expectativas comunitárias de segurança e paz social – o que lhe conferirá, por sua vez, eficácia”72.

A intervenção tutelar educativa, entretanto, tem limites consagrados no próprio texto da LTE73, segundo o qual a necessidade de educação do menor para o direito significa que ao jovem impõe-se o dever de respeito pelas normas jurídico-penais essenciais à normalidade da vida em comunidade, responsabilizando-o, apenas e na medida em que ofende, de forma particularmente grave, os bens jurídicos da comunidade.

A melhor doutrina defende que a intervenção do Estado, implicando restrições a direitos do menor, como o direito à liberdade e à autodeterminação pessoal, deve ser encarada como excecional e sujeitar-se aos princípios da necessidade e da proporcionalidade, baseando-se na probabilidade de ele reinserir-se na vida em sociedade. É nesse sentido que o novo direito do menor norteia cada intervenção estatal, seja na escolha da medida tutelar aplicável, conforme dispõe o nº 3 do artigo 6º, da LTE, e cuja execução pode prolongar-se até o jovem completar 21 anos, seja na efetiva aplicação de uma medida, que deve ser proporcionada à gravidade do fato e só deve ter lugar se a necessidade de educação do menor para o direito subsista no momento da aplicação da medida, conforme dispõe o nº 1 do artigo 7º, da LTE.

Os reflexos do princípio da intervenção mínima são encontrados em diversos outros dispositivos da LTE, senão vejam-se as várias hipóteses a seguir descritas. O artigo 78º, por exemplo, prevê o arquivamento liminar do processo pelo Ministério Público, independentemente de comunicar tal providência ao juiz, caso o comportamento seja punível com pena de prisão de máximo não superior a um ano e estejam previstas determinadas condições ali elencadas. Para os casos cujo prazo máximo não seja superior a cinco anos, o artigo 84º prevê a suspensão do inquérito pelo Ministério Público, se obedecidas certas condições. O artigo 87º admite o arquivamento do inquérito pelo Ministério Público se a pena máxima aplicável não supere três anos e conclua pela desnecessidade de aplicação de medida tutelar. Superando os três anos, prevê a alínea b) do nº 1 do artigo 93º que, saneado o processo, o juiz arquiva-o sob proposta do Ministério Público no sentido de que não há necessidade de aplicação de medida tutelar. A decisão de arquivamento pode naturalmente surgir também na

71Vide comentário da LTE, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, de 08/10/2008. Disponível na on line em http://www.stj.pt/jurisprudencia/basedados. Acesso em 02/06/2014.

72Vide ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Comentário da Lei Tutelar Educativa, p. 19. 73 Vide nº 7 da Exposição de Motivos.

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audiência preliminar ou na audiência, conforme se prevê na alínea b) do nº 3 do artigo 110º e no artigo 120º. Vê-se, portanto, que ainda que iniciada uma intervenção tutelar educativa, a mesma pode ser interrompida a qualquer momento, vislumbrando-se quaisquer dessas hipóteses.

A ideia de intervenção mínima, contudo, não impede que os interesses da vítima e da sociedade sejam igualmente tidos em consideração, pelo que a ideia de desenvolver no menor o sentimento de responsabilidade perante os outros é primordial, de fazer-lhe perceber que seu comportamento é danoso e provoca sofrimento aos outros, sendo portanto uma conduta socialmente inaceitável.

No caso de prática de fatos qualificados como crimes considerados graves, puníveis em abstrato com pena máxima de prisão superior a 5 anos, a intervenção deve ser mais enfática, por isso a LTE prevê a possibilidade de internamento em centro educativo de regime fechado de menores, medida que se assemelha à prisão para os adultos, dando assim uma melhor resposta aos anseios sociais, face ao sentimento de insegurança pública. Destaca-se, contudo, que a privação da liberdade para o jovem é potencialmente mais danosa que para o adulto, pela fase da vida que vivencia, na qual a busca pela liberdade é a mola mestra, bem como por estar em um processo de socialização inacabado, e só no meio social poderia aprender a socializar- se. Portanto, os requisitos e pressupostos para aplicação dessa medida são bem restritos. Diferentemente, na vigência da OTM, a medida de internamento era a mais aplicada, pois não havia a devida proporção entre o fato praticado e a medida aplicada, bem como era tida como uma forma de proteger menores inadaptados, não necessariamente como uma medida educativa/responsabilizadora.

Assim foi a resposta do Estado Português ao compromisso assumido na CDC, em seu artigo 40º, nº 1, de reconhecer ao menor infrator “um tratamento capaz de favorecer o seu sentido de dignidade e valor, reforçar o seu respeito pelos direitos do homem e as liberdades fundamentais de terceiros” – em outras palavras, a educação para o Direito – mas também “facilitar a sua reintegração social e o assumir de um papel construtivo no seio da sociedade” – evidenciando o papel ativo/participativo do jovem no meio social.

Respondeu ainda às expectativas dos diplomas internacionais no sentido de desenvolver processos de desjudiciarização e de mediação, ainda que de reduzida aplicação prática, constituindo um dos precursores da previsão expressa da mediação penal juvenil74 em um ordenamento jurídico europeu, bem como no sentido de valorizar a aceitação do menor, a

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colaboração da família, sempre que lhe seja favorável, e uma atenção maior aos direitos e interesses quer do menor, quer da vítima, quer da sociedade em geral.

O processo de mediação, cujo procedimento será melhor aprofundado no próximo capítulo, constitui-se em uma solução restaurativa, viabilizada por diversos meios, como a suspensão do processo, e assim evitando a submissão do menor a um processo extremamente formal e estigmatizante, ao tempo em que proporciona maior valorização dos interesses da vítima.

2 Finalidade jurídica

O aumento da delinquência juvenil e o surgimento de novas formas de criminalidade fazem crescer o sentimento de insegurança na sociedade e o desejo de uma intervenção cada vez mais repressiva do Estado. O ordenamento jurídico de vários países tem adotado diversas estratégias, seguindo essa tendência, como a redução da maioridade penal, a previsão de penas ou medidas mais restritivas da liberdade, o aumento da duração dessas penas etc.75

A diferenciação de política criminal para os adultos e para os jovens, iniciada em meados do século XIX, tem regredido acentuadamente, no sentido de um intencional desaparecimento daquela diferenciação76. Por outro lado, evidencia-se que o sistema ordinário de justiça de menores, próprio do Estado-Providência, em que pese seu louvável avanço, não tem consagrado plenamente os direitos fundamentais do menor e não é capaz de combater sozinho às novas formas de criminalidade, o que gera por sua vez uma sensação de insatisfação e desconfiança na intervenção judicial.

Trata-se de um grave problema social cuja resposta apenas repressiva do Estado e da sociedade lhe agrega maior conflituosidade, pois a estrutura judiciária não se tem mostrado apta a responder satisfatoriamente às exigências específicas desses conflitos que envolvem os menores, naturalmente vulneráveis.

Excluir os jovens do convívio social como medida de primeira mão, fazendo vistas grossas a um procedimento ineficaz, inadequado e, consequentemente, prejudicial, até alivia momentaneamente um problema social, mas agrava um problema individual e, assim, incentiva-se a reprodução no futuro de novos comportamentos desviados. Necessário

75 ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Responsabilização dos Menores pela Práticas de Factos qualificados como Crimes: Políticas atuais, pp. 355/357, alude ao fenómeno que ocorre em diversos países denominado de “repenalização” das condutas do menor violadoras da

lei.

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harmonizar o relacionamento entre a sociedade e a sua infância, através de um novo olhar sobre esta, à luz da dignidade da pessoa humana, onde a criança nela se deve inserir.

Evidentemente as finalidades previstas no processo penal para adultos e no processo tutelar educativo são e devem ser diferentes. Neste, o que sobressai não é seu caráter punitivo, mas a educação do menor para o direito com a sua consequente inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, nos termos do artigo 2º, nº 1, da LTE. Educação para o direito porque o jovem é a pessoa que está em fase de intensa aprendizagem, a qual deve ser orientada para a observância das normas jurídicas e de uma convivência social saudável.

A nova política criminal para os jovens tem sua fundamentação também no texto constitucional, cujos objetivos prioritários da política de juventude estadual são “o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a criação de condições para a sua efectiva integração na vida activa e o sentido de serviço à comunidade” (artigo 70º, nº 2, da CRP).

É sempre importante refletir sobre a condição do menor como pessoa cuja personalidade está ainda em formação, muito influenciável, que não teve a experiência de vida necessária para ter ampla capacidade de entender a consequência dos seus atos e, ainda que a tenha, tem dificuldade de autodeterminação e controle dos impulsos. Ao analisar o crescente envolvimento de jovens em atividades mafiosas e de criminalidade organizada, RESTA aduz que o mesmo tem origem não só na inimputabilidade dos menores mas também no investimento que os grupos criminosos fazem no jogo da fidelidade do menor, que a eles se atraem quer por pobreza, quer porque é difícil resistir aos agrados, quer porque imitar modelos é fácil, onde eles não têm outro, pois os papéis geracionais estão invertidos totalmente77. Evidencia assim a particular vulnerabilidade do menor, que deve ser considerada aquando da consideração da medida mais adequada a ser aplicada.

É com base nestas fragilidades típicas da idade que a política criminal determina o afastamento do jovem inimputável do sistema penal e assim, nas palavras de MOURA, "subtraí- los à mais gravosa das intervenções estaduais, à sua sujeição precoce a um sistema carregado de uma simbologia social negativa, a condições de execução da pena tantas vezes criminógenas"78, e adverte que "a melhor defesa da sociedade ocorrerá, não quando o condenado seja simplesmente expulso ou fique intimidado, mas quando seja ajudado a reinserir-

77 ELIGIO RESTA, ob. cit., p. 11.

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se. Configurando-se tal reinserção como componente não desprezível da felicidade individual"79, um dos novos direitos da era moderna, que tem sido cada vez mais aclamado.

As inovações introduzidas pela LTE nunca tiveram como intuito a introdução de uma política repressiva, sancionatória ou intimidatória. Visam reconhecer aos menores as garantias concedidas aos adultos pelo direito constitucional, pelo direito processual penal e pelo próprio direito penal, mas ao mesmo tempo subtraindo-os ao sistema penal, no que salvaguardam os reflexos positivos do modelo de proteção, designadamente a natureza educativa das medidas aplicáveis e a profunda consideração dos interesses do menor80, acrescida do sentido de responsabilização, indispensável para contribuir com o atendimento das expectativas comunitárias e do próprio interesse do menor. É exatamente por não visar a punição que a