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CAPÍTULO III Mediação Vítima-Agressor e os Interesses envolvidos

3.1 Aplicabilidade

3.1.3 No sistema jurídico brasileiro

O movimento de amplo acesso à justiça teve seus reflexos no Brasil no início da década de 80, com a aplicação institucionalizada da arbitragem, ou juízo arbitral169, e da conciliação170 nos Juizados Especiais de Pequenas Causas, para as causas de pequeno valor, nos termos da Lei nº 7.244, de 7 de Novembro de 1984.

A primeira disposição legal sobre a mediação foi na área trabalhista, com a Medida Provisória 1053/1995, substituída em seguida pela Medida Provisória de nº 1079/95, que previa a política de livre negociação coletiva para fixação de salários e condições referentes ao trabalho. Atualmente, a mediação tem sido aplicada também em organizações não- governamentais, instituições escolares e nas comunidades.

A mediação penal, entretanto, não teve ainda aplicação considerável. Foi somente com o advento da Constituição Federal de 1988 (art. 98, I) e da Lei nº 9.099, de 26 de Setembro de 1995, que o tema da autocomposição penal passou a ser debatido com certa liberdade e desprendimento de paradigmas ultrapassados.

Inspirada no movimento de informalização da justiça, a Lei nº 9099/95 criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais171, extinguindo assim os Juizados de Pequenas Causas e iniciando no ordenamento jurídico brasileiro a abertura do processo criminal ao consenso processual e à despenalização das infrações de menor potencial ofensivo172. Iniciava-se uma crescente utilização de meios alternativos de resolução de conflitos e de práticas restaurativas.

169 A arbitragem, posteriormente, teve sua incidência ampliada, pela previsão do compromisso arbitral extrajudicial, com a edição da Lei de

Arbitragem (Lei nº 9307, de 23 de Setembro de 1996).

170 ANTONIO HÉLIO DA SILVA, Arbitragem, Mediação e Conciliação, in LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.), Grandes Temas da Atualidade: Mediação, Arbitragem e Conciliação, p. 30, recorda entretanto que a conciliação teve papel de destaque na ordem jurídica

brasileira já desde 1824, quando a Constituição Imperial impôs que nenhum processo se iniciasse antes de uma tentativa de conciliação. Foi quando surgiram os juízes de paz. Hoje, os mesmos têm previsão nos artigos 14, VI, c, e 98, II, da Constituição Federal de 1988, e possuem dentre outras atribuições, celebrar casamentos e exercer atribuições conciliatórias, entretanto, na prática, os mesmos não têm sido constituídos.

171 Em que pese alguns autores entenderem que os Juizados Especiais de Pequenas Causas tratam-se de mecanismo alternativo de resolução de

conflitos, a ex. de ANTÔNIO HÉLIO DA SILVA, ob. cit., p. 21; RAÚL ESTEVES, A Novíssima Justiça Restaurativa e a Mediação Penal,

Sub Judice, nº 37, pp. 60/62, entendemos que os mesmos são, na verdade, apenas uma ferramenta de aceleração processual, pois fazem parte

da estrutura do Poder Judiciário e atuam sob seu controlo. O conciliador, por exemplo, é servidor do quadro ou requisitado pelo Tribunal, enquanto a decisão sobre o mérito é sempre feita pelo juiz, e os recursos são encaminhados às Turmas Recursais, compostas também por juízes. Portanto, há todo um procedimento formal, ainda que menos formal que o procedimento ordinário, e sob um rito denominado sumariíssimo, de resolução de conflitos. Portanto, ligam-se ao movimento de amplo acesso à justiça na vertente de simplificação do processo judicial. A conciliação desenvolvida nos Juizados Especiais, por sua vez, é que pode ser considerada um mecanismo de resolução alternativa de conflitos, porque é procedimento paralelo à forma tradicional, a jurisdição estatal, ainda que desenvolvido no âmbito do Poder Judiciário.

172 “Os Juizados Especiais Criminais Estaduais revolucionaram o sistema judiciário com a extinção do inquérito policial; a implantação da

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Ressalte-se, entretanto, que o procedimento nos Juizados Especiais introduziu práticas restaurativas, porém estas não alcançam plenamente os fins da justiça restaurativa como um todo, especialmente no que respeita à vítima. A mediação penal, por sua vez, o maior exponente da justiça restaurativa, não tem previsão expressa, mas tem sido lentamente introduzida no procedimento dos Juizados Especiais. Entretanto é prática recente, ainda em fase de experimentação.

Experiência interessante é a da introdução da mediação nos juizados criminais de Curitiba/PR, pelos juízes e conciliadores, em atuação conjunta com os promotores de justiça, advogados e defensores públicos, em casos de relações familiares, entre vizinhos, dentre outras, onde se desenvolve sempre a tentativa de composição civil dos danos e a mediação penal173. A nosso ver, a mediação nesses moldes se distancia das características e princípios básicos consagrados na matéria, pelo que entendemos que o que se realiza é um misto de mediação/conciliação, ou simplesmente a aplicação de técnicas de mediação às conciliações ali realizadas.

As primeiras experiências de justiça restaurativa foram implementadas em março de 2005, com o projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”, organizado e financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Ministério da Justiça. Foram três projetos-piloto, um em Porto Alegre/RS, outro em São Caetano do Sul/SP e outro em Brasília/DF. Em Porto Alegre, p. ex., a partir de então círculos restaurativos começaram a ser realizados no âmbito da justiça de menores174. Já em agosto, o estado iniciou a execução do projeto "Justiça para o Século 21", expandindo a difusão e aplicação da justiça restaurativa ao atendimento técnico dos adolescentes infratores. Em três anos de implementação do projeto, registraram-se 2.583 participantes em 380 procedimentos restaurativos, outras 5.900 pessoas participaram de atividades de formação promovidas pelo Projeto175.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é o órgão do Poder Judiciário que tem entre suas funções a ampliação do acesso à justiça. Sendo assim, por meio da Resolução nº 125, de 29 de Novembro de 2010,que estabelece aPolítica Judiciária Nacional de tratamento adequado dos

alternativas começam agora, gradativamente, a modificar o modelo penal do País, inclusive na Justiça Federal” in ROBERTO PORTUGAL BACELLAR, ob. cit., p. 88.

173 ROBERTO PORTUGAL BACELLAR, ob. cit., p. 232.

174 Participam do procedimento a família do infrator e representantes da comunidade para o debate do ato infracional, assim comprometendo-

se todos na recuperação do jovem.

175 Vide MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, Justiça Restaurativa: Histórico, disponível on line em: http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1711. Acesso em 06/10/2015.

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conflitos de interesses e dá outras providências, instituiu a conciliação e a mediação como políticas públicas de acesso à justiça, corroborando com as práticas já iniciadas na matéria e incentivando sua crescente aplicação. Optou por um modelo de mediação integrada na própria sede judicial (multidoor courthouse), idealizando com isso oferecer uma estrutura completa de administração da justiça, na qual junto ao procedimento ordinário de tutela jurisdicional os tribunais disponham de formas alternativas de resolução de conflitos. Possibilitou também que os serviços sejam oferecidos por entidades privadas, desde que estas detenham um padrão mínimo de qualidade, atestado previamente.

A Resolução nº 125 determinou aos tribunais a criação de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, com as atribuições de planejar e administrar a política de tratamento adequado dos conflitos, e de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (unidades do Poder Judiciário), responsáveis pela realização das sessões e audiências de conciliação e mediação, que excecionalmente podem ser realizadas nos próprios juízos. Destaca-se a previsão expressa da possibilidade de desenvolvimento de programas de mediação penal ou qualquer outro processo restaurativo, para os crimes de menor potencial ofensivo, de competência dos Juizados Especiais Criminais e dos Juizados da Infância e da Juventude, desde que respeitados os princípios básicos previstos na Resolução n° 12/2002 da ONU e a participação do titular da ação penal em todos os atos, com fundamento no artigo 73 da Lei nº 9099/95 e nos artigos 112 e 116 da Lei nº 8069/90. Desse modo, o CNJ consagrou a admissão da mediação penal juvenil no ordenamento jurídico do país, ainda que as leis não tenham disposições expressas a respeito.

Em 2012 foi criada a Escola Nacional de Mediação e Conciliação (Enam), pela Secretaria de Reforma do Judiciário e pelo CNJ, sendo uma das mais importantes parcerias entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, destinada à formação de mediadores judiciais e de conciliadores. Enfim, instaurou-se uma nova política de solução de conflitos, sob o controlo e organização do Poder Judiciário, difundindo-se a ideia de que é possível uma abordagem mais pluralista dos conflitos dentro da própria estrutura judiciária176.

O crescente interesse pela mediação resultou na sua introdução expressa no novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015), que instituiu entre as normas fundamentais do processo civil a premissa de que “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores

176 Para aprofundamento vide CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Conciliação e Mediação como Pilares do novo Judiciário, Resultado,

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públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (artigo 1º, § 3º).

Mais recentemente o país teve um grande marco na matéria, com a sanção da Lei nº 13.140, de 29 de Junho de 2015, Lei da Mediação, que entra em vigor após 180 dias da data da publicação. Essa lei dispõe sobre a mediação judicial e extrajudicial como forma consensual de solução de conflitos que versem sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação. Portanto, destina-se amplamente aos âmbitos civis e criminais, fazendo ressalva apenas à mediação nas relações trabalhistas, que será regulada por lei própria. No que diz respeito à mediação judicial, a Lei de Mediação determina que os centros judiciários de solução consensual de conflitos serão responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, pré-processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas que visem a estimular e auxiliar a autocomposição.

Entendemos que a ideia é valorável para o incentivo de uma política consensual de solução de conflitos, preocupa-nos, entretanto, o modelo proposto no país, especialmente quanto à implementação da mediação integrada na estrutura judiciária, denominada de mediação judicial. É que a mediação é uma atividade essencialmente privada e sem qualquer intervenção ou poder hierárquico jurisdicional, caso contrário se transmutaria numa verdadeira conciliação ou mesmo em mais uma etapa prevista no processo judicial, perdendo suas vantagens específicas. Consideramos ser atividade incompatível com a estrutura judiciária, devido ao excessivo carácter formal e à ideia de autoridade intrínseca a esta. Entende-se ser mais produtivo se os mediadores não se apresentarem como figuras de autoridades e que o ambiente seja mais informal, a fim de estimular o diálogo e evitar confusão entre os serviços judiciais e os serviços de mediação. Isso não se confunde, evidentemente, com uma necessária e adequada postura profissional.

Outra grande preocupação é relativa à instrumentalização da mediação pelos juízes. Alguns autores têm defendido no Brasil que o juiz pode orientar os mediadores a adotar determinadas abordagens ou técnicas ou, ainda, que o mesmo pode atuar como mediador nos processos em curso, sendo mesmo considerado como “gestor de valores autocompositivos”177, pelo que lhe caberia a função de coordenar as atividades dos mediadores, que, assim como os conciliadores, são considerados seus auxiliares.

Entendemos que o Judiciário deve ter limites claros, sendo importante, pois, distinguir apoio e controlo, evitando que este se instale. Parece que o intuito de submeter a mediação ao

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controlo do Judiciário, incluindo-o em sua própria estrutura, é evitar que este perca seu prestígio diante da evidente necessidade de utilização de “novos” e diferentes meios de resolução dos conflitos. Entretanto isso reflete a descrença ou desconfiança ainda existente quanto a estes meios, parecendo querer-se “controlar” sua eficácia, como se a obtenção da pacificação social deles decorrente fosse uma conquista do próprio Poder Judiciário, a quem são devidos os “louros”. Isso contraria entretanto os fins almejados pelo já mencionado movimento de acesso universal à justiça, segundo o qual se propõe o aperfeiçoamento do processo judicial, mediante sua informalização, bem como a aceitação e incentivo aos meios denominados alternativos, e, que, na verdade, pretendem ser complementares, não excluindo nunca o acesso à justiça tradicional.

Recordamos que na década de 70, nos Estados Unidos, optou-se por incluir a mediação na própria estrutura judiciária, a fim de melhor atender aos interesses das partes178. Em alguns casos, os tribunais remetem as partes para a mediação, procedimento que se designa por court-

administered mediation179. MANNOZZI explica, entretanto, que os programas de mediação

vítima-ofensor iniciados na área anglo-saxã são promovidos e geridos por organizações estranhas ao aparato judiciário, ainda que a atividade seja desenvolvida em estreita colaboração com o sistema judiciário180.

O modelo previsto para o Brasil se assemelha àquele dos EUA no início da década de 70, mas evidencia-se que o país optou por legitimar um maior controlo do Judiciário sobre a solução do conflito. Além disso, a mediação àquela época tinha um carácter essencialmente negocial, enquanto a mediação humanista, instrumento da justiça restaurativa que se desenvolveu posteriormente, necessita de um ambiente mais propício a que os interesses mais íntimos das partes possam aflorar e sejam acolhidos e transformados, por isso não se recomenda um ambiente extremamente formal, como é o caso dos tribunais, tampouco que o processo de mediação seja dirigido ou coordenado pelos juízes, cabendo ao mediador ampla liberdade para agir conforme as necessidades que surjam no decorrer do procedimento.

O Brasil, assim como Portugal e Itália, pertence a uma tradição jurídica distinta daquela prevalecente nos países em que os ADR se desenvolveram. A tendência nos modelos atuais é

178 Nesse sentido, vide ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO (org.), Manual de Mediação Judicial, pp. 21-22, onde se destaca a mediação como

elemento característico dos juizados de pequenas causas nos Estados Unidos, com mediadores extremamente qualificados para desempenho de seu mister. Aduz-se que esse cenário influenciou a introdução da conciliação nos atuais juizados cíveis e criminais no Brasil, apesar de assumidamente não ter sido desempenhada com tamanha preparação técnica dos profissionais, que inclusive dispunham de maior liberdade quanto ao método a utilizar.

179 Vide CHRISTOPHER W. MOORE, The Mediation Process, p. 19 ss. 180 GRAZIA MANNOZZI, ob. cit., p. 135.

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no sentido de que a mediação não tem natureza judicial, sendo apenas ligada ao processo judicial, portanto, os serviços de mediação são geralmente alocados em edifícios independentes dos tribunais, órgãos do Ministério Público e delegacias, além disso não têm nenhuma conotação política ou religiosa, tudo de forma a garantir a neutralidade da mediação.

Devido à prática recente dessa nova política de solução de conflitos no Brasil, é difícil fazer uma análise da adequação ou não da medida, afinal em muitos tribunais ela não foi sequer implementada, e os resultados ainda não são visíveis. Entretanto, vemos com relativa descrença o êxito do modelo, afinal princípios básicos da mediação têm sido manipulados de forma a adaptar o procedimento à realidade do país, quando na verdade é a própria essência da mediação que está a ser desvirtuada, pelo que se passa a comprometer sua própria eficácia.

Além das críticas acima expostas, vê-se que o país ainda precisa implementar meios de facilitar o acesso às medidas alternativas. É que os mediadores podem ser extrajudiciais ou judiciais, mas mesmo estes são remunerados pelas partes, pois a lei prevê que sua remuneração será fixada pelos tribunais e custeada por estas. Ainda que aos necessitados a lei assegure a gratuidade da mediação, verifica-se a necessidade de desenvolvimento de novas formas de custeio que permitam sua maior utilização, assim como já funciona em Portugal e na Itália.

Merecem aplauso, por outro lado, as iniciativas feitas no sentido de fomentar a mediação dentro das comunidades, fazendo-as participantes ativas na solução dos pequenos conflitos ali existentes, tais como discórdia dentro da família ou entre vizinhos, e evitando dessa forma o recurso ao processo judicial. A denominada mediação comunitária tem sido desenvolvida em alguns estados do Brasil, essencialmente pela formação de líderes comunitários como mediadores, desempenhando os mesmos a atividade de forma voluntária.

A experiência no estado de Pernambuco, p. ex., é recente, pois iniciada no ano de 2011181, mas já tem servido de exemplo para outros estados e despertado interesse inclusive nos Estados Unidos182. A mediação comunitária de conflitos tem sido desenvolvida pela Secretaria Executiva de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco (SEJUDH), através da Gerência de Prevenção e Mediação, e conta, atualmente, com 15 núcleos em todo o Estado. É uma prática que atribui totalmente aos envolvidos o protagonismo na solução de seus próprios conflitos, facilitando o restabelecimento das relações de caráter continuativo, a manutenção da paz social

181 A primeira experiência de mediação comunitária no Brasil é a do Núcleo de Mediação do Pirambu, em Fortaleza, no Ceará, iniciado no ano

de 1999. Sobre essa iniciativa vide informações disponíveis on line em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/87-dos- conflitos-no-ceara-foram-resolvidos-por-mediacao-1.755577. Acesso em 07/10/2015.

182 Vide notícia disponível on line no site do Governo do Estado de Pernambuco: http://www.pe.gov.br/blog/2013/08/20/mediacao- comunitaria-de-conflitos-em-pernambuco-e-exemplo-para-o-governo-de-alagoas/. Acesso em 07/10/2015.

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pela valorização dos meios consensuais de solução de conflitos, e contribuindo com a prevenção de novos conflitos, pelo estabelecimento de uma nova ordem de relacionamentos.

No específico âmbito da mediação penal juvenil, entretanto, o país precisa acelerar o passo de forma a aproximar-se das práticas eficientes já existentes nos outros países. A sua implementação já é possível diante dos espaços de consenso presentes em matéria penal e da política de incentivo às práticas restaurativas, de crescente valorização e aplicação no país.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069, de 13 de Julho de 1990) é o diploma normativo que contempla todos os direitos das crianças e adolescentes, em total consonância com os direitos internacionalmente protegidos. Foi inspirada pelos ditames da Constituição Federal brasileira de 1988, que já em sua promulgação incorporou antecipadamente a essência do texto da CDC183.

As medidas tutelares são aplicáveis aos menores infratores com idade entre 12 e 18 anos. Aos menores infratores com idade inferior a 12 anos, crianças na forma da lei, são aplicadas apenas medidas de proteção. As medidas tutelares, por sua vez, não têm caráter de pena, pois são aplicadas com o objetivo de reeducar e reintegrar o jovem infrator à sociedade, atendidas todas as garantias processuais, “garantindo-lhe o gozo e exercício dos direitos fundamentais e assegurando-lhe o seu pleno desenvolvimento como pessoa em formação”184. Entretanto, o ECA tem encontrado sérias dificuldades em atingir, na prática, o real objetivo legal de assistência e ressocialização das crianças e adolescentes com comportamentos infratores.

Sendo o direito de menores no país estabelecido conforme as normas e princípios internacionais consagrados na matéria, claramente se conclui pela adequação do uso da mediação penal juvenil na prática brasileira, como forma de melhor alcançar os fins do processo de menores, especialmente pelo caráter pedagógico e responsabilizador do processo de mediação.

O Brasil, diferentemente de Portugal e da Itália, tem desenvolvido um programa sistemático de promoção dos meios alternativos de resolução de conflitos, especialmente da mediação, viabilizando assim um maior acesso à justiça. No âmbito penal, contudo, sendo uma

183 Dispõe a CF/88, em seu artigo 227, caput, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta

prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

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realidade muito recente, há ainda poucas iniciativas185, que merecem ampla divulgação, bem como urge promover a conscientização dos operadores jurídicos para os benefícios da mediação, quer para o jovem infrator, quer para a vítima, quer para toda a comunidade, de forma a estimular sua utilização. A regulamentação da matéria é medida desejável, no sentido de evitar distorções pelos aplicadores, como p. ex. a ideia de que os juízes podem desempenhar o papel de mediadores, e, consequentemente, evitar práticas muito diferentes em cada Tribunal.

É essencial, contudo, que não se pretenda a monopolização da solução dos conflitos, pelo controle do Judiciário de todos os meios a esta destinados, a fim de apoderar-se de