• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III Mediação Vítima-Agressor e os Interesses envolvidos

3.1 Aplicabilidade

3.1.1 No sistema jurídico português

As referências à mediação na legislação portuguesa têm-se multiplicado nos últimos anos, embora ainda se possa dizer que se trata de um fenómeno relativamente recente. A primeira previsão expressa deu-se em 4 de Maio de 1999, com o Decreto-Lei n º 146, que criou o sistema de registo voluntário de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos de consumo, incluindo entre estes os serviços de mediação129. No mesmo ano, a Lei Tutelar Educativa, alterada recentemente pela Lei nº 4/2015, de 15 de Janeiro, previu expressamente a

129 Sobre a mediação na legislação portuguesa vide JORGE MORAIS CARVALHO, A Consagração Legal da Mediação em Portugal, Julgar,

77

mediação, cuja repercussão foi maior, ainda que lhe falte regulamentação e sua aplicação prática seja de pouca expressão.

Foi, posteriormente, com a criação dos Julgados de Paz, pela Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, e dos sistemas públicos de mediação (laboral, familiar e penal), que a mediação tornou- se uma realidade cada vez mais presente na vida dos portugueses.

Em que pese haver alguns relatos antigos de mediação informal em Portugal, esta prática foi retomada recentemente em estreita relação com o Judiciário, como tendência europeia- continental, tendo sido denominada por alguns autores como mediação penal judiciária130. Diferentemente da mediação penal de adultos, entretanto, a mediação penal juvenil ainda carece de regulamentação própria, apesar de sua previsão no processo tutelar educativo preceder em 8 anos àquela do processo penal.

É tendência geral entre os países que a mediação tenha-se iniciado como experimentação no âmbito juvenil, e só em seguida tenha vindo a ser aplicada para infratores adultos. Também em Portugal assim se verificou a nível legislativo. Entretanto, a mediação penal de adultos avançou rapidamente a nível de regulamentação, estando a mediação penal juvenil ainda a conduzir-se pelos mesmos dispositivos legais da LTE, em que pese pequenas alterações no texto feitas recentemente. Nesse sentido, e a fim de suprir suas lacunas legais, são aplicáveis à mediação penal juvenil a Lei da Mediação Penal e a Lei da Mediação, naquilo que lhe for compatível, tendo-se como princípio que, somente naquilo que não for regulado por esta lei, aplica-se aos sistemas públicos de mediação o disposto nos respetivos atos constitutivos ou regulatórios.

De início é importante delinear duas opções do legislador português que, a nosso ver, meritam aplausos. A primeira é que repudiou a mediação obrigatória, em sintonia com as normas internacionais (artigo 2º, alínea a), da LM). Em segundo lugar, resistiu ao clima internacional de endurecimento das reações à delinquência juvenil, especialmente quando dispôs, na LTE que a intervenção do Estado depende, sobretudo, da verificação de que o adolescente precisa ser educado para o direito. Portanto, não basta o cometimento do ato infracional. No dizer de DUARTE-FONSECA, “[…] a Lei pretende que se encare o adolescente infractor em função do que ele É e das concretas carências de socialização que revela, em vez de em função do que ele FEZ, por mais grave que seja a ofensa aos valores eminentemente

78

sociais”131. Na análise de LARIZZA, é exatamente este o traço característico da Lei Tutelar

Educativa, que a diferencia do sistema penal: prevalece sobre o fim repressivo-punitivo a necessidade de educação do menor132.

Quanto aos limites etários estipulados pelo legislador português, tem-se que até aos 16 anos nenhum menor responde perante um tribunal penal pela prática de ato qualificado na lei como crime, é a chamada inimputabilidade absoluta para efeitos criminais, que decorre do artigo 19º do Código Penal. Dentre estes, entretanto, só os menores de 12 anos não se submetem a qualquer processo judicial, deles se encarregando a Comissão de Proteção de Menores (artigo 28º, nº 1, alínea b), da Lei nº 166/99 e artigo 8º, alínea a), do DL nº 189/91, de 17 de Maio, que regula as Comissões de Proteção).

Destaca-se que Portugal é um dos poucos países europeus em que a idade da maioridade penal não corresponde à idade da maioridade civil, que é de 18 anos, o que demonstra um aspeto no qual a CDC ainda está por ser aplicada, por manifestar a ambiguidade com que os menores são tratados na consideração da sua maturidade em atos da vida civil em confronto com os atos da vida penal133. A introdução pela LTE do internamento em regime fechado para os adolescentes com idade superior a 14 anos tornaria mais razoável a medida de aumento da maioridade penal, a fim de igualá-la à maioridade civil, afinal o recrudescimento das medidas tutelares já estava previsto. Entretanto esta medida não foi aceita.

Ao menor com idade entre os 12 e os 16 anos, estabelece a LTE que compete às seções de família e menores da instância central do tribunal de comarca todo o procedimento com vistas à aplicação e execução de medida tutelar. É ainda previsto como procedimento de intervenção a mediação vítima-ofensor, nos moldes dos já estudados princípios e normas internacionais relativos à administração da justiça de menores, em que pese haver merecidas críticas ao modelo utilizado no país.

É em sede de princípios gerais do processo tutelar que a LTE consagra a mediação penal juvenil (artigo 42º), quando deixa uma grande margem de discricionariedade quanto à sua aplicabilidade, não determinando sequer o momento em que a mediação pode ser proposta. Assim, a autoridade judiciária competente, Ministério Público ou juiz - por iniciativa própria ou do menor, seus pais, representante legal, pessoa que tenha a sua guarda de fato ou defensor

131 ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Medidas Tutelares Educativas não Institucionais, in DUARTE-FONSECA, António Carlos

(coord.) et al, Direito das Crianças e Jovens: Actas do Colóquio, p. 374

132 SILVIA LARIZZA, ob. cit., p. 410.

133 Nesse sentido vide ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Responsabilização dos Menores pela Práticas de Factos qualificados como Crimes: Políticas atuais, p. 375.

79

-, é quem pode determinar a cooperação de entidades públicas ou privadas de mediação, em qualquer altura do processo e para a realização das suas finalidades. Apesar dessa ampla liberdade, sua aplicação ainda tem sido de pouca expressão.

Em determinadas fases do processo, como na suspensão provisória e na audiência preliminar, porém, a mediação autonomiza-se expressamente como forma de obtenção do consenso ou de realização de outras finalidades do processo134. É que a LTE prevê a utilização da mediação como diversão, ou seja, como meio de alcançar a suspensão do processo, conforme artigo 84º, nº 3, ou como forma de obter consenso quanto à medida tutelar a aplicar na audiência preliminar, nos termos do artigo 104º, nº 3, alínea b).

No primeiro caso, a mediação está prevista para efeitos de elaboração do plano de conduta, ainda na fase de inquérito, que fundamentará a suspensão do processo. Pretende-se com esta medida evitar a estigmatização do menor decorrente do processo e da decisão judicial. Importante princípio adotado por esta política criminal é o da oportunidade135, reflexo da

primazia da socialização do menor sobre a atuação do Judiciário nos conflitos. Rompe-se, em certo sentido, com o princípio da obrigatoriedade da ação penal.

Importante aqui destacar a alteração feita pela Lei nº 4/2015, de 15 de Janeiro, por meio da qual o menor, seus pais, representante legal ou quem tiver a sua guarda de facto já não devem mais subscrever o plano de conduta, ainda que na redação anterior a LTE previsse a obtenção da cooperação de serviços de mediação para sua elaboração. Atualmente, compete ao Ministério Público propor o plano de conduta ou solicitar aos serviços a elaboração do mesmo (artigo 84º, nºs 1 e 3); ao menor cabe concordar ou não com o plano proposto pelo Ministério Público136 (artigo 84º, nº 1, alínea a)); os pais, representante legal ou quem tiver a guarda de facto do menor são ouvidos sobre o plano de conduta (artigo 84º, nº 2), o que entretanto não condiciona os termos do plano.

Essa alteração foi um importante avanço para viabilizar o maior acesso ao procedimento da mediação, tendo em vista que na maior parte das vezes o menor, ou seus representantes legais, não tem a iniciativa ou instrução necessária para propor por si só um plano de conduta, sendo necessário o apoio e iniciativa da autoridade competente. Por outro lado, sendo o plano

134 Vide Exposição de Motivos, nº 14.

135 Para aprofundamento do tema, veja-se ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, ob. cit., pp.

197 a 199.

136 No caso de o plano ter sido obtido em mediação, presume-se que o menor já tenha dado seu consenso aos termos do plano. Por isso, tendo

em vista que a LTE não dispôs expressamente sobre esta situação, entendemos ser desnecessária a apresentação de concordância do menor, já que os termos do acordo de mediação já terão sido por ele assinados, juntamente com o mediador e a vítima; e seus pais, representantes legais ou quem tenha sua guarda de fato, já terão sido ouvidos sobre o acordo.

80

de conduta obtido em processo de mediação, entendemos que aí se consagra plenamente o interesse do menor e da vítima, posto que serão eles que consensualmente, com o auxílio do mediador, devem encontrar a solução que lhes pareça mais favorável a ambos, como verdadeiros possuidores da solução do conflito, ao invés de o menor apenas concordar com o plano ou a vítima simplesmente aceitá-lo.

No segundo caso, em audiência preliminar, o juiz pode determinar a intervenção de serviços de mediação e suspender a audiência por prazo não superior a 30 dias, no caso de o menor não aceitar a proposta do Ministério Público. Esta determinação sujeita-se exclusivamente ao poder discricionário do juiz que pode, de outro modo, procurar consenso para outra medida que ele mesmo proponha. O consenso a que se refere o artigo 104º é aquele entre Ministério Público, ofensor e juiz137, não se considerando, p. ex., necessária a anuência da vítima. Importante ressalva é feita por SILVA, para quem o consentimento da vítima é exigido no caso de ser proposta medida de reparação ao ofendido, prevista no artigo 11º da LTE, nas modalidades de compensação económica pelo dano patrimonial e exercício de atividade que se conexione com o dano138.

A reduzida participação dos interessados na decisão sobre a realização da mediação pode ser vista de modo positivo, no sentido de evitar a utilização de uma medida com finalidade meramente protelatória, caso não se evidencie que as partes estejam interessadas em chegar a um consenso ou quando não seja razoável aferir o desejo no jovem de restaurar o dano ocasionado, devido p. ex. ao longo percurso delinquencial. Por outro lado, o reduzido envolvimento dos interessados pode prejudicar sua maior adesão à efetiva participação no procedimento ou a um eventual acordo de vontades. Por isso, e tendo em vista que Portugal aderiu a um modelo de mediação voluntária, entendemos que o juiz pode encaminhar o processo aos serviços de mediação, entretanto a participação dos envolvidos dependerá sempre de seus consentimentos livres e esclarecidos.

Entendemos ainda que, ao decidir-se pelo encaminhamento do caso aos serviços de mediação, o juiz dá plena liberdade às partes de encontrarem a solução que desejarem, como protagonistas da resolução do seu próprio conflito. Portanto, não deve a mediação limitar-se à obtenção de consenso quanto à proposta do Ministério Público, tampouco quanto àquela do juiz139, afinal, não podendo o mediador fazer propostas, sendo apenas um mero facilitador da

137 Neste sentido ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, ob. cit., p. 219. 138 JÚLIO BARBOSA E SILVA, ob. cit., p. 351.

139 Conforme se extrai do artigo 104º, nºs 3 e 4, da LTE e interpretação da doutrina, p. ex., ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO

81

comunicação, não deveria ser possível discutir-se em ambiente neutro e informal, como é o do procedimento da mediação, a aceitação de propostas advindas de autoridades públicas, o que pode causar certo temor aos envolvidos, induzindo-os a aceitá-las, ainda que não estejam plenamente ouvidos e satisfeitos quanto ao resultado, prejudicando sua maior adesão.

Ainda que o resultado da mediação seja a aceitação de uma ou outra proposta das autoridades judiciárias, não deve ser este o seu propósito. Às partes deve ser dada total liberdade e empoderamento para encontrarem por si sós a solução que lhes pareça mais adequada. Do ponto de vista da prevenção, apenas a proposta que seja originária da íntima convicção do menor será capaz de gerar sua maior adesão e maior responsabilização, guiando-o assim a participar de forma mais positiva na sociedade.

Entender de modo contrário seria tolher à mediação suas características essenciais, e de certa forma manter a resolução do conflito sob o controle do Judiciário. Se, entretanto, o juiz considera ser importante a aplicação de determinada medida, a LTE permite que ele mesmo a imponha mediante decisão, após a produção contraditória de prova, não havendo necessidade de recorrer aos serviços de mediação se não pretender conferir liberdade de escolha aos envolvidos.

Para além desses dois momentos processuais, entende-se que o recurso à mediação possa ocorrer em outras etapas, com base no artigo 42º da LTE, dependendo sempre de prévia determinação da autoridade judiciária. Esse entendimento é inclusive conforme à Recomendação nº R (99) 19 relativa à Mediação em Matéria Penal, que incentiva o recurso à mediação em todas as fases do processo.

Encontram-se ainda previstas algumas práticas restaurativas, nomeadamente as medidas tutelares de reparação ao ofendido e de prestações econômicas ou de realização de tarefas a favor da comunidade (alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 4º e artigos 11º e 12º) que, entretanto, não se configuram em meio de diversão, posto que aplicadas pelo próprio juiz durante o processo.

A mediação penal juvenil em Portugal pode ser desenvolvida por entidades públicas ou privadas. A organização pública que desenvolve o processo de mediação é o Instituto de Reinserção Social (IRS), tutelado pelo Ministério da Justiça, cujo objetivo é a reinserção social de delinquentes e o apoio à jurisdição de menores. Com base na Recomendação nº R (99) 19, dentre outros instrumentos, o IRS criou em 2002 o Programa de Mediação e Reparação, para criar e fomentar melhores condições técnicas e logísticas necessárias ao recurso à mediação, viabilizando assim uma maior conciliação e reparação da vítima.

82

A formação inicial dos mediadores deu-se por mediadores do Departamento de Justiça do Governo Autónomo da Catalunha, cujo modelo de mediação veio a inspirar o de Portugal, e por membros da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima140.

Propõe-se o programa proporcionar apoio ao jovem para que este encontre soluções, reparadoras ou outras, incrementando o seu sentido de responsabilidade, o seu envolvimento genuíno nos compromissos que com o apoio dos serviços de reinserção social venha a assumir, e a sua disposição a não praticar no futuro factos qualificados como crime pela lei penal.

As intervenções do programa podem se dar tanto na fase de inquérito quanto na fase jurisdicional141, havendo entretanto divergentes entendimentos nos diversos tribunais. Na fase de inquérito, pode realizar mediação vítima-jovem infrator, sempre que o Ministério Público o determine e encaminhe o caso aos serviços, o que pode resultar no arquivamento do processo por desnecessidade de aplicação de medida tutelar (artigo 87º, nº 1, alínea c) da LTE). Pode ainda apoiar na elaboração do plano de conduta (artigo 84º, nºs 3 e 4, da LTE), que conterá os compromissos assumidos pelo menor, tais como: a apresentação de desculpas ao ofendido; o ressarcimento, efetivo ou simbólico, total ou parcial, do dano (seja economicamente ou através de exercício de uma atividade em favor da vítima que se conexione com o dano, nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 11,); a execução de prestações económicas ou tarefas a favor da comunidade, dentre outros. Destaque-se que, esgotado o prazo de suspensão e cumprido o plano de conduta, o Ministério Público arquiva o inquérito; caso contrário, o inquérito prossegue com as diligências a que houver lugar (art. 85º, nº 2). Portanto, a LTE não conferiu discricionariedade ao Ministério Público quanto ao prosseguimento do processo.

Importantes considerações na matéria são feitas por CASTELA, que adverte que essa solução da LTE pode gerar efeitos indesejáveis, pois a certeza do arquivamento do processo pelo Ministério Público após cumprido o acordo efetuado em mediação pode levar à adesão do infrator ao processo não por motivos legítimos ou altruísticos, mas apenas para ver-se beneficiado, o que não lhe induz a um sentimento de responsabilização142.

Em relação à vítima, esta pode ser levada a participar da mediação pela pressão de sentir- se responsável pelo futuro do jovem, procedimento que lhe ocasiona uma vitimização secundária. Do nosso ponto de vista, ideal seria a avaliação da mediação de um modo geral,

140 Vide JOÃO LÁZARO e FREDERICO MOYANO MARQUES, Justiça Restaurativa e Mediação, Sub Judice, nº 37, p. 73; e SUSANA

CASTELA, Abordagem a Aspectos Teórico-Práticos da Mediação em Processo Tutelar Educativo, Sub Judice, nº 37, p. 96.

141 Vide informações disponíveis on line: http://www.dgrs.mj.pt/c/portal/layout?p_l_id=PUB.1001.37, acesso em 24/09/2015; e, JÚLIO

BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa Comentada, p. 143.

83

com o auxílio do relatório dos mediadores neste sentido, de forma que não se conclua pelo êxito da mediação apenas pelo cumprimento do acordo, mas verificando-se a real educação do menor para o direito, através da análise do seu comportamento no processo.

Na fase jurisdicional, a intervenção pode se dar para obtenção de consenso sobre a medida tutelar educativa não institucional a ser aplicada (art. 104º, nºs 3 e 4, da LTE). Pode ainda ser destinada à realização de mediação vítima-ofensor com vista à aplicação de uma medida tutelar de reparação ao ofendido, ou que pode resultar no arquivamento do processo por desnecessidade de aplicação de medida tutelar (art. 93º, nº 1, alínea b) da LTE).

A mediação na fase jurisdicional ainda tem pequena expressão, tendo os dados de 2002 demonstrado que a intervenção do IRS deu-se em 80% na fase do inquérito, em 17% dos casos a mediação ocorreu na fase inicial do inquérito e apenas em 3% na fase jurisdicional. Apesar do alto índice de êxito positivo, verifica-se que apenas 28% das vítimas acederam a participar, portanto, os resultados se referem mais à elaboração do plano de conduta do que à efetiva prática da mediação143. Além disso, no quadro geral de intervenções do IRS, segundo os dados de 2011,

a intervenção no âmbito da suspensão do processo com e sem mediação representa apenas 6,3% do total, sendo os pedidos relativos à execução de medidas os que têm maior expressão, nomeadamente a realização de tarefas a favor da comunidade e o acompanhamento educativo, cujos índices são de 29,9% 20,5%, respetivamente144.

A doutrina tem criticado a posição titubeante da LTE face à mediação, seja no tocante à reduzida expressão normativa, seja quanto à variável liberdade de propositura. Entretanto, entendemos que se a mediação for amplamente aceita no meio jurídico, essa omissão do diploma apenas permite uma sua maior aplicação, face à discricionariedade conferida à autoridade judiciária, a quem cabe o papel de valorização da mediação, pelo que pode se constituir em uma verdadeira vantagem. Outra crítica forte era sobre a iniciativa do menor em apresentar um plano de conduta como forma a suspender o processo, o que representava um grande entrave. Essa crítica, conforme visto, já não subsiste em razão da alteração do artigo 84º da LTE, feita pela Lei nº 4/2015.

Uma última crítica, esta de elevada relevância, refere-se ao papel da vítima em todo o processo, a quem se dá pouca atenção e pouco espaço para manifestação dos seus interesses. Sendo a mediação prevista na LTE, seu foco é o menor infrator, e seus fins primordiais são a

143 Vide JOÃO LÁZARO e FREDERICO MOYANO MARQUES, ob. cit., p. 73.

144 Dados do Relatório de Atividades da Diretoria Geral de Reinserção Social, relativos ao ano de 2011, disponível on line em: http://www.dgrs.mj.pt/web/rs/docsestat. Acesso em 04/10/2015.

84

reeducação e reinserção social deste, reflexo da proteção consagrada ao superior interesse da criança145. Estes fins são característicos do processo tutelar educativo, entretanto, consideramos que se há adesão ao processo de mediação, para além desses interesses devem ser valorizados igualmente os interesses da vítima, que ainda espera por ver-se reconhecida plenamente.

A vítima sequer tem legitimidade na LTE para propor a intervenção do IRS, medida que seria inclusive promotora das finalidades educativas e de reinserção social do jovem infrator. Por outro lado, não é minimamente cabível o entendimento de que a mediação possa realizar- se quando a vítima se oponha, justificando-se a ideia em razão de evitar-se a estigmatização do menor pelo desenrolar do processo clássico. PELIKAN aduz que a mediação vítima-ofensor não é predominantemente dirigida à vítima, tampouco ao ofensor, “é a experiência de ofender ou prejudicar alguém e a experiência de ser prejudicado ou ofendido” 146 (tradução nossa).

A aplicação da mediação nos moldes acima criticados afasta-se dos princípios básicos