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Vantagens da mediação e sua relação com o processo judicial

CAPÍTULO I – Meios Alternativos de Resolução dos Conflitos

2.5 Vantagens da mediação e sua relação com o processo judicial

É evidente a utilidade do processo judicial em determinados conflitos, como nos casos das partes não estarem dispostas a colaborarem para a obtenção do consenso, quando têm interesse em estabelecer um precedente ou quando pretendem assegurar grande publicidade a uma decisão, por exemplo, quando envolvidos direitos individuais homogéneos referentes a consumidores. Há ainda os casos em que a mediação não é mesmo permitida, a exemplo dos conflitos sobre bens indisponíveis e de infrações penais de natureza gravíssima ou mesmo grave, pois as condutas atingem direta ou indiretamente toda a sociedade, não se podendo nesses casos permitir a privatização das respostas sociais aos conflitos34. Se esses conflitos forem levados à mediação, cabe ao mediador identificá-los, de logo, para evitar o desenrolar de um

33 Quanto à sua natureza, CARRIE MENKEL-MEADOW, Introduction, in MENKEL-MEADOW, Carrie (ed.), Mediation: Theory, policy and practice, p. xiv, aduz que a mediação está mais próxima da negociação como um processo e do contrato como matéria legal substantiva do que

das mais formais e legalistas instituições. Ou seja, ainda que tenha previsão legal, relativamente à solução encontrada pelas partes, a lei pode ser tida como fator relevante, mas não determinante em suas escolhas. É que impera na mediação a autonomia da vontade das partes.

34 ANDRÉ LAMAS LEITE, A Mediação Penal de Adultos: Um novo “paradigma” de justiça?, pp. 15-16, adverte para os excessos na

utilização do consenso, que leva alguns a defenderem uma quase “privatização do Direito Penal”, o que colocaria em risco as próprias fundações do Estado de Direito. Não é evidentemente este o modelo que defendemos para os meios alternativos de resolução de conflitos.

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procedimento infrutífero ou proibido. Por outro lado, a tutela jurisdicional não se tem mostrado adequada à pacificação do conflito em diversas situações, conforme se passa a descrever.

Quando envolvida relação jurídica de carácter continuativo, a exemplo da relação conjugal, parental, de vizinhança, societária, laborativa etc, a decisão judicial até põe fim ao processo, mas não necessariamente ao conflito, pois não é capaz de restabelecer a relação entre as pessoas, ao invés, muitas vezes a enfraquece ou mesmo a aniquila. E se o conflito persiste, ainda que latente, propicia-se o surgimento de novos confrontos ou de novas lides.

Para além desses casos, a tutela jurisdicional não tem sido apropriada à resolução de certos conflitos de carácter urgente, apesar de mecanismos procedimentais de aceleração processual. É o exemplo dos processos que envolvem crianças e adolescentes, cujos dias na vida têm uma medida diferenciada relativamente às outras idades, e cuja demora processual se potencializa em efeitos ainda mais problemáticos, com evidente “defeito de sincronia temporal”, expressão utilizada por RESTA que, tendo-se dedicado à filosofia e à sociologia do direito, debruçou-se especialmente sobre a infância. Explica ele a importância do tempo nessa fase da vida, advertindo que para a criança o tempo se mede diferentemente que para um adulto ou para um ancião, e ainda mais relevante é relacionar a sua medida ao tempo que o processo precisa para ser concluído.35

Além das delongas e altos custos dos processos judiciais, que se constituem em grandes barreiras de acesso à justiça, também a sua publicidade é muitas vezes prejudicial, pelo que não seriam adequados a uma série de relações conflituosas. Naquelas mais intimistas, provoca maior desgaste emocional, e em outras é capaz de destruir relações valiosas, a exemplo das relações comerciais, cuja ampla repercussão negativa de um problema causa à empresa danos muitas vezes irreversíveis, sem contar com as pressões externas que tendem a causar maior conflituosidade.

Ainda que relevante na história da humanidade a intervenção estatal para resolução dos conflitos nela arraigados, deve-se evitar a judicialização excessiva e desnecessária e incentivar a busca de soluções amplas para os conflitos, especialmente daquelas que incentivem o diálogo e que, dessa forma, previnem ou resolvem futuros conflitos.

É dentre estas soluções que se destaca a mediação, cujas vantagens são inúmeras, tal como a de propiciar uma menor exposição pública do conflito, reduzindo assim o desgaste

35 “Um ano para uma criança de 5 anos significa talvez 10 anos de um adulto; às vezes são uma inteira vida quando aquele ano de vida é o

espaço no qual se tomam as decisões fundamentais para o futuro”. E quanto à sua relação com o processo conclui que “o desperdício entre os tempos, aquele da vida e aquele das instituições parece intransponível”. (tradução nossa) in ELIGIO RESTA, L’Infanzia Ferita, p. 74.

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emocional e facilitando a comunicação entre os envolvidos; e reduzir o tempo e dinheiro despendidos, pois evitam-se inúmeras formalidades processuais, como a produção de prova para descoberta da verdade no processo e os diversos recursos previstos.

Reduzindo-se o tempo despendido, reduzem-se também os gastos, resumindo-se estes praticamente aos honorários do mediador, pois, conforme a maior parte dos autores sugere, há prescindibilidade de intervenção de advogado, cuja opção cabe à deliberação das partes. Os custos podem ser ainda menores, se assumidos total ou parcialmente pelo Estado ou por instituições privadas, representando assim maior benefício às partes.

Quanto aos valores perseguidos no processo judicial e na mediação, importante crítica é feita por LABORINHO LÚCIO, ao analisar a situação da Justiça em Portugal, quadro que em geral se verifica na maioria dos países. O jurista alerta sobre a relação de alternatividade, quando não de verdadeira oposição, que tem sido feita entre a questão da justiça por um lado, e certeza e segurança por outro, atribuindo-se em regra maior importância a estas, em nome da estabilidade da vida jurídica. Critica o jurista o fato de que "ao julgador não se impõe a realização imediata da justiça, cabendo-lhe apenas julgar de acordo com o direito positivo e os critérios de valor que o enformam", pois o mesmo adverte que a certeza e a estabilidade da vida jurídica, ainda que sejam valores importantes a que se deva ponderar, não são geralmente atingidos no caso concreto36. Por outro lado, esse problema não tem espaço na mediação, afinal o que se busca é a real satisfação dos interesses dos envolvidos, sendo secundários os outros valores. Além do mais, a segurança propiciada pela mediação decorre da ampla liberdade de decisão conferida às partes e da sua consequente assunção de responsabilidade quanto à execução dos acordos. É que devido à sua flexibilidade, a mediação propicia às partes maior controlo sobre o procedimento. E sendo elas seus protagonistas, acabam por sentirem-se mais responsáveis pela realização do que foi pactuado.

Acresce-se às vantagens da mediação, esta primordial do ponto de vista humano, o seu carácter pedagógico e transformador, que possibilita o restabelecimento da paz interior e viabiliza a aproximação dos envolvidos, para a chegada a um consenso. Ainda, nos casos aplicáveis, essa característica resulta na desejável manutenção ou melhoramento das relações de carácter continuado.

Destaca-se, por fim, uma outra vantagem de relevante importância da mediação, que deve ser aqui reiterada, qual seja aquela de permitir a resolução dos conflitos em sua dimensão mais ampla, pois ela recai sobre os conflitos manifestos e sobre aqueles que sequer foram

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exteriorizados, os conflitos latentes, e que porventura podem ser externados no decorrer do processo, representando assim maior benefício às partes.

Tendo discorrido acerca das vantagens da mediação, relembre-se que o fundamento desta e de todos os meios de resolução de conflitos é o envidamento de esforços no sentido de que o cidadão tenha à sua disposição o meio, ou a junção de meios, que se destina a ser o mais adequado à questão em conflito, segundo os diversos interesses envolvidos, tais como custo financeiro, celeridade, publicidade do processo, exequibilidade da solução, continuidade das relações em confronto, cumprimento espontâneo da prestação, recorribilidade etc.

Vê-se que podem ser amplos os benefícios dos meios consensuais e, ainda que seja fracassado o procedimento, resta sempre às partes a possibilidade de um terceiro intervir na relação para determinar o justo em cada caso concreto, sendo ele o árbitro ou o juiz. Portanto, é sempre importante o incentivo à sua realização, que pode ocorrer de forma independente do processo heterocompositivo, dentro dele e durante quaisquer de suas fases, ou previamente a ele de forma espontânea ou obrigatória, também chamadas sucessivamente de extraprocessual, intraprocessual e paraprocessual. Mesmo após a prolação de uma sentença, é possível e útil a utilização de mecanismos consensuais, a exemplo dos encontros bem-sucedidos de mediação vítima-agressor, realizados após condenação judicial, entre agressor e vítima ou seus familiares37.

Quanto à previsão da mediação obrigatória, em que pese já ter sido utilizada em alguns ordenamentos jurídicos, a exemplo da Argentina, essa escolha vem sendo criticada, conforme se desenvolverá melhor em momento posterior, quando do estudo das características da mediação. Relativamente à mediação intraprocessual, destaca-se sua corrente utilização e a necessidade de uma regulamentação clara sobre as interferências possíveis entre o processo judicial iniciado e o processo de mediação que nele se insere, bem como sobre suas consequências jurídicas, a fim de não se imiscuírem as finalidades e características próprias de cada instituto e, por fim, sua própria eficácia.

Da relação entre a mediação e o processo judicial decorre a necessária regulamentação precisa de algumas matérias, nomeadamente das ferramentas disponibilizadas às partes para prevenir a utilização simultânea de ambos os processos acerca do mesmo objeto, os efeitos sobre os prazos de prescrição e decadência, o ónus das custas, a salvaguarda das garantais básicas processuais e dos direitos fundamentais, especialmente no âmbito penal, etc.

37 Sobre os benefícios da mediação pós-sentencial, vide JACQUELINE MORINEAU, Lo Spirito della Mediazione, pp. 121/126; e CLÁUDIA

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Para que todas as vantagens da mediação sejam efetivamente obtidas, portanto, é necessário um conjunto de fatores. A nível normativo, convém a estruturação mínima de um modelo de procedimento adequado ao contexto específico de cada ordenamento jurídico, e previsão de regras norteadoras, complementares àquelas gerais consagradas internacionalmente, também adequadas ao contexto social específico. A nível estrutural, exige- se um cenário no qual o mediador tenha o aperfeiçoamento técnico adequado, o espaço físico seja neutro e apropriado para realização do procedimento, o mediador tenha liberdade para atuar conforme as necessidades que se apresentem em cada caso concreto, ainda que inspirado nas técnicas apreendidas, e, por fim, que disponha do tempo necessário para dirimir a controvérsia, deixando as partes livres para externarem seus pontos de vista. A nível de garantias, necessário que o procedimento seja desenvolvido de forma mais igualitária possível, por intermédio de um mediador imparcial, com a confidencialidade assegurada e respeitada sempre a voluntariedade de participação das partes, sendo elas sempre esclarecidas sobre todo o procedimento, formalização do acordo e consequências jurídicas do seu não cumprimento.

Se ainda não estava suficientemente claro, reitera-se que o estudo e incentivo dos meios alternativos, conforme entendimento pacífico no meio jurídico, não pretende excluir a atuação do Poder Judiciário. Ao invés, pretende que as dificuldades encontradas nesse âmbito sejam paulatinamente superadas através de novas propostas capazes de dar aos conflitos que inevitavelmente devam a ele ser submetidos uma resposta eficaz e eficiente do Estado. Por outro lado, e complementariamente, traz à luz os meios alternativos de solução de conflitos cujos métodos, se bem aplicados, seriam mais adequados à obtenção da pacificação dos conflitos em certos casos. Enfim, trata-se, simplesmente, de proporcionar reais alternativas às partes e de introduzir uma nova cultura, que não é mais a “cultura da sentença”, mas de forma geral uma “cultura da pacificação”38.

É nesse sentido que se passa a discorrer sobre a evolução do direito dos menores, como forma a explorar as iniciativas tendentes a melhor salvaguardar seus interesses, bem como sobre a incorporação de soluções alternativas em colaboração com o processo tutelar educativo.

38 Expressões utilizadas pelo jurista KAZUO WATANABE, professor da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista à Revista Resultado,

ano 8, nº 40, Jan-Fev 2012, sendo um dos idealizadores no Brasil desta nova política pública de tratamento adequado de conflitos de interesses, tendo como foco o incentivo aos meios alternativos de resolução de conflitos.

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