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A Recolha de dados junto de interlocutores privilegiados: as entrevistas

Capítulo 4. – Procedimentos metodológicos: a abordagem qualitativa e a análise das narrativas

4.2 A Recolha de dados junto de interlocutores privilegiados: as entrevistas

As entrevistas foram utilizadas, num primeiro momento, para explorar os conhecimentos e experiências dos atores manifestavam relativamente ao problema em análise e os sentidos que estes atribuíam às políticas científicas e à sua influência no aprofundamento da relação da ciência com a sociedade. Como se disse, demos conta que os depoimentos dos cientistas que contactamos se revelavam centrais para compreender o papel das políticas públicas para ciência na aproximação desta aos contextos societais.

A este respeito, deixamos uma segunda nota mais pessoal. Antes de mais, convém assumir que estas entrevistas trazem, para além das marcas das experiências de trabalho dos entrevistados, as das minhas próprias experiências. Quando as entrevistas foram realizadas, contava, como recursos auxiliares, com a minha formação em sociologia, a minha experiência de algumas entrevistas, realizadas no âmbito de projetos de investigação que integrei durante o meu percurso profissional, sobretudo, a professores. Contava, ainda, com algum conhecimento teórico sobre as potencialidades e condicionalismos desta técnica e com a partilha de alguns resultados por parte de outros investigadores mais familiarizados com estas técnicas. A entrevista não é uma técnica de que gosto particularmente. Custa-me, por feitio meu, fazer entrevistas, mas gosto, em geral, dos resultados que produzem. Isto porque, tal como refere Uwe Flick a propósito do método de Sheele e Grobdben de reconstituição de teorias implícitas, cada entrevistado tem

um complexo acervo de conhecimentos sobre o assunto estudado. Este conhecimento inclui hipóteses explícitas imediatas que o entrevistado pode expressar espontaneamente, ao responder a uma questão aberta, e hipóteses implícitas que as complementam. Para as articular o entrevistado tem de ter a a ajuda metodológica concretizada na aplicação de diversos tipos de questões (…) Estas são utilizadas para reconstituir a teoria implícita do entrevistado…

(Flick, 2013, p. 83)

Mesmo assim, e pelas razões indicadas, fui sempre apreensiva para cada encontro com cada um dos entrevistados. Foi, por isso, com alguma surpresa que, por altura das

primeiras transcrições das entrevistas, me apercebi do interesse ou, na maioria dos casos, do entusiasmo com que os investigadores entrevistados falavam sobre o tema. Em alguns casos, no final da entrevista, expressaram a curiosidade sobre a opinião dos restantes entrevistados sobre algumas questões que lhes havia colocado, fazendo-me pensar que não obstante as dificuldades em se operacionalizar a noção de comunidade científica, devido à diversidade social do grupo a que nos reportamos, parece, de facto, existir uma “comunidade imaginada30” no sentido proposto por Benedict Anderson quando nos fala do conceito de nação (1991).

Quando delineamos o guião da entrevista (Anexo1), tínhamos subjacentes os seguintes objetivos:

- Entender como é que os diferentes membros da comunidade científica representam a articulação da ciência e a transformação social das sociedades;

- Conhecer o modo como a comunidade científica identifica ou reconhece as necessidades (ou apelos) sociais que são dirigidos à ciência

- Identificar as políticas públicas que, na perspetiva da comunidade científica, mais contribuem para a aproximação entre a ciência e a sociedade;

- Saber, de acordo com a perceção da comunidade, qual a influência das políticas públicas para a ciência nas diferentes fases de desenvolvimento das práticas de pesquisa, designadamente entender se se reconhece esta influência no desenvolvimento das diferentes fases da pesquisa (seleção de temas, problemas, recolha de informação, métodos utilizados, divulgação de resultados etc.);

- Explorar a perspetiva dos investigadores sobre as políticas para a ciência e sobre a relação entre ciência e sociedade, questionando a influência das áreas científicas onde trabalham nessa perspetiva.

- Conhecer o posicionamento sobre a evolução das políticas públicas para a ciência,

30 Benedict Anderson problematiza o conceito de comunidade imaginada relativamente à ideia de nação,

explicitando “imaginada porque até os membros da mais pequena nação nunca chegam a conhecer os outros membros na totalidade. No entanto, a imagem da comunhão entre si vive na mente de cada um deles” (1991, p. 6).

em Portugal, nos últimos 10 anos.

Desde o momento em que começamos a explorar o tema da pesquisa surgiu uma forte convicção de que se se tornava urgente observar os contributos da ciência para a transformação social, era porque se considerava que, nas condições para a produção da ciência, os fatores económicos assumiam na atualidade um forte peso institucional. É por isso, bastante provável, que essa convicção possa estar implícita na construção do guião das entrevistas, ou na própria seleção dos textos a analisar. Estivemos sempre conscientes de que esta convicção orientava, de algum modo, a nossa procura e tentamos estar vigilantes relativamente às influências que ela podia produzir na pesquisa.

Fomo-nos apercebendo, à medida que se realizavam as entrevistas, que os objetivos da entrevista eram demasiado diversificados do ponto de vista temático. Isto deu origem a um guião relativamente longo. A maioria dos investigadores com quem contactamos para a realização da entrevista respondeu-nos muito rapida e positivamente. Responderam todos, também, positivamente ao nosso pedido de gravação da entrevista. No entanto, alguns apresentaram-nos a questão do tempo disponível para a realização da entrevista como uma dificuldade. Sabendo que essa dificuldade nos impediria de colocar todas as questões previstas no guião, optamos, mesmo assim, por valorizar os seus contributos das questões que conseguimos colocar. Por outro lado, como muitos dos cientistas entrevistados, se encontravam em situações profissionais e académicas diversificadas, algumas das questões previamente formuladas não faziam sentido para todos de igual forma. Ficamos, no final, com a sensação de que todas as entrevistas, sem exceção, nos revelavam enunciados de sentido com um grande interesse, enquanto o guião foi apenas um guião.

A seleção dos entrevistados foi realizada de um modo intencional. Pareceu-nos que que, tal como reconhece Joaquim Esteves, este tipo de amostragem, sendo perspetivada como pouco rigorosa, pelo menos estatisticamente, é, no âmbito das técnicas qualitativas, uma estratégia muito útil na constituição da população a estudar (1998, p.2). Apesar da ausência da representatividade estatística, decidimos assumir o risco. Quisemos ouvir a opinião de investigadores, com funções (ou que tivessem exercido funções) de coordenação em projetos e Unidades de I&D financiadas publicamente. Quisemos

também escutar as perspetivas de cientistas provenientes de diferentes áreas disciplinares. Entrevistamos, igualmente, cientistas com funções políticas e/ou de aconselhamento dentro do sistema da ciência em Portugal. Estas caraterísticas permitir-nos-iam, julgámos, observar, não só as perspetivas que construíram ao longo do seu percurso individual, mas também na interação com as situações e as circunstâncias de outros colegas, em contexto de laboratório e outros. Alguns dos entrevistados foram-nos sugeridos, outros selecionamos por interesse em escutar alguém que investigasse numa dada área disciplinar, ou fosse responsável por uma I&D de um determinado domínio científico. No total, entrevistamos oito investigadores. Em todos os casos, procedemos a um primeiro contacto via e-mail onde esclarecemos os objetivos da pesquisa e solicitamos uma entrevista, garantido o anonimato e confidencialidade. Não conheciamos, antes da entrevista, qualquer um dos cientistas com quem contactamos. A maioria dos entrevistados, por questões de economia de tempo e de dinheiro, foi selecionada entre a comunidade científica da Universidade do Porto. No entanto, entrevistamos, igualmente, investigadores das Universidades de Lisboa, Aveiro e Trás-os-Montes e Alto Douro. No total entrevistamos oito investigadores. O principal critério foi, como dissemos, o exercício de funções de investigação e de coordenação em Unidades de I&D. As entrevistas foram realizadas entre abril de 2017 e fevereiro de 2018.

Como se referiu, quando procedemos ao primeiro contacto com os entrevistados, explicitamos os objetivos do estudo e, após a resposta positiva dos mesmos, pedimos autorização para gravar a entrevista. Posteriormente, procedemos à sua transcrição integral. Esta transcrição foi enviada aos entrevistados para que pudessem proceder às alterações que considerassem convenientes. Alguns dos nossos entrevistados sugeriram alterações, mas nenhuma delas determinou a mudança de sentido dos discursos proferidos. Tratou-se, apenas, de esclarecimentos de termos que não tinham ficado percetíveis na gravação, ou gralhas que, por distração, deixamos seguir nas transcrições.

Depois, tivemos de proceder a vários cortes nas transcrições, retirando informações que pudessem comprometer o anonimato que tinha sido garantido antes da realização da entrevista. Foi, de facto, um processo criterioso uma vez que todos os entrevistados têm um papel reconhecido na comunidade científica e académica, em Portugal. Como seria

relativamente fácil relacionar a sua formação académica, com as funções que exercem atualmente, a área científica a que se dedicam, bem como a universidade/centro onde trabalham, optamos por ocultar alguma informação e, em alguns casos, a referência a questões pessoais (familiares, de proveniência geográfica) e aos temas concretos das suas pesquisas. Os cortes na transcrição das entrevistas foram sistemáticos, pois como seria de esperar, os entrevistados fizeram inúmeras referências ao trabalho que desenvolviam. Consideramos, após refletir melhor, que não deveríamos anexar estas transcrições neste trabalho.