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Capítulo 4. – Procedimentos metodológicos: a abordagem qualitativa e a análise das narrativas

4.3. Procedimentos de análise e a integração de resultados

Tendo em conta a nossa opção pelas abordagens qualitativas, já apresentada anteriormente, a análise de conteúdo, enquanto estratégia privilegiada da análise de comunicações – no nosso caso, dos textos políticos, do debate público nos media e dos discursos dos atores - permitiu a integração das diferentes narrativas em grandes rúbricas temáticas que tiveram como objetivo inicial a aproximação compreensiva do que estava nos textos, do que ali estava ausente e o que parecia estar subjacente. Acima de tudo, procurou-se tirar partido da dimensão social desta técnica, quer dizer, das oportunidades que nos deixa de desenvolver inferências a partir dos textos, remetendo-os para os seus contextos sociais.

A análise de conteúdo, sendo uma estratégia frequentemente utilizada nas abordagens qualitativas, continua a apresentar vários desafios ao investigador. O primeiro compromisso de quem faz uso da análise de conteúdo, bem como quem utiliza outra estratégia de análise de dados, deve ser com o rigor. No entanto, não pensamos que se trata de um rigor que exclui a subjetividade ou criatividade do investigador. Não há como deixar de lado a intuição na leitura dos textos; a imaginação alimentada pela reflexão teórica na identificação das relações entre categorias; a criatividade na identificação, definição e construção de novas categorias. Assim, o rigor, a intuição, a criatividade e a imaginação são recursos dos quais não se pode abrir mão quando se aciona a técnica de análise de conteúdo.

O rigor, na análise qualitativa, deve estar também associado ao processo de transparência e de reflexão sobre os procedimentos e percurso da pesquisa. Assim, considera-se importante descrever alguns dos momentos fundamentais que marcaram esta tarefa. Seguindo, mas adaptando, o modelo de Bardin (1977), a análise foi organizada, inicialmente, tendo em conta três tarefas principais: a pré-análise; a exploração do material selecionado e a organização da informação; identificação de relações entre categorias, inferência e interpretação. Este foi, fundamentalmente, o processo a partir do qual os dados que utilizamos foram construídos (Latour, 1999).

nos conduziram à formulação de algumas perguntas de pesquisa que funcionaram, a partir de então, como fio condutor da nossa pesquisa. Vários desafios foram colocados a partir daí. Um deles relacionou-se, concretamente, com o processo de codificação e construção de categorias. Este é um processo que decorre da necessidade de interpretar o material selecionado. Foi, por isso, feita uma primeira exploração do material - documentos legais e textos da imprensa. Nesta fase, o material foi “recortado” e codificado e a informação agregada em categorias temáticas. Os parágrafos do texto são resumidos e identificados a partir de palavras-chave. O estabelecimento de categorias temáticas teve em conta os princípios de exclusão mútua (entre as categorias); de homogeneidade (no interior de cada categoria); a pertinência e as possibilidades de inferência que apresentavam (Bardin, 1977).

A análise de conteúdo é uma técnica de pesquisa comumente utilizada para a análise dos dados textuais que se apresenta, para o investigador, como um instrumento particularmente flexível. Trata-se de um instrumento que, com frequência, é reconfigurado de acordo com as opções de quem desenvolve a pesquisa, tendo em conta com o quadro teórico mobilizado e, sobretudo, de acordo com o problema de pesquisa. No nosso caso, a análise desenvolvida centrou-se nas características das narrativas enquanto formas privilegiadas de conhecimento e comunicação a propósito das políticas públicas para a ciência. Nesta análise, prestou-se particular atenção aos conteúdos e aos sentidos contextuais das narrativas selecionadas. Não foi nossa intenção desenvolver a vertente quantitativa deste estudo, mas antes fazer um exercício analítico com o propósito de classificar os segmentos de texto com significados similares num número adequado de categorias temáticas. Neste trabalho, a análise de conteúdo assume precisamente esse significado. Ela representou, para nós, uma metodologia de pesquisa que ajudou a organizar a interpretação dos conteúdos dos textos a partir de um processo de codificação sistemático e identificação de temas relevantes.

Na construção das categorias temáticas, evitamos o estabelecimento de um quadro categorial à priori e privilegiamos as categorias emergentes dos textos. No entanto, estamos conscientes que os temas que surgiram têm, inevitavelmente, a marca de alguns dos modelos teóricos revistos. Contudo, não se pode dizer que o modelo de análise foi

determinado, unilateralmente, por um quadro teórico. À medida que procedíamos à análise fomos revendo a pertinência das categorias temáticas que foram identificadas e definindo, outras, que emergiram.

Tal como temos vindo a referir, recorremos à análise de conteúdo no sentido mais convencional da sua utilização na sociologia. Também já dissemos que o nosso objetivo foi descrever as perspetivas sobre as políticas públicas para a ciência narradas pelas diferentes vozes – as dos media, as do poder político, e as dos principais destinatários dessas políticas, os investigadores. De acordo com este objetivo, os passos que seguimos podem ser facilmente reconhecíveis por quem já utilizou esta técnica.

Em primeiro lugar, trabalhamos, simultaneamente, os textos legais e os textos da imprensa nacional onde estão descritas e representadas as políticas públicas para a ciência. A aproximação a estas narrativas foi feita após a leitura e anotação dos textos selecionados. Foram destacadas as palavras-chave, anotamos algumas das nossas reflexões pessoais, pensamentos e pontos a clarificar. Após termos captado o sentido do todo, construímos a grelha que serviu o processo de pré-análise

À medida que este processo se desenvolveu, foi possível estabelecer o primeiro esquema de codificação. Consideramos desenvolver um pequeno número de categorias, algumas compostas por subcategorias, que foram definidas e exemplificadas de acordo com os textos analisados para a comunicação dos resultados finais (ver Anexo 2).

Finalmente, a partir da triangulação da informação, proveniente de fontes diferentes, cremos ter conseguido superar algumas fragilidades, que receávamos encontrar se nos centrássemos exclusivamente na pesquisa desenvolvida a partir de dados documentais. Estamos conscientes de que o processo de seleção e consulta de documentos foi condicionado por um conjunto de fatores, designadamente a nossa própria seleção, também ela condicionada, não só pelos objetivos desta pesquisa, mas por circunstâncias pessoais (disponibilidade económica e de tempo) e pelo foco do olhar que lhe dirigimos; a impossibilidade de dar conta de todo o contexto de produção destes documentos, a nossa leitura e pré-análise, enfim, a condição humana de quem seleciona, manipula, regista, olha e analisa os textos e documentos.

As entrevistas realizadas a um conjunto de interlocutores privilegiados ajudaram a explorar uma outra dimensão do fenómeno, considerada por nós central para a análise. Referimo-nos, concretamente, às perceções, perspetivas, significados e interpretações que alguns atores, mais familiarizados com o fenómeno em estudo, atribuem às políticas e ao modo como estas se aproximam e/ou se distanciam da condição e função sociais das práticas de pesquisa e dos conhecimentos científicos. Por outro lado, estas entrevistas suscitaram novas interrogações relativamente aos conteúdos dos textos políticos e dos documentos associados ao debate público neste domínio.

Finalmente, foi importante proceder a uma reflexão sobre as nossas narrativas a propósito das narrativas dos outros, nomeadamente, identificar as implicações que se revelam para o próprio conhecimento. Por essa razão, a partir da análise de conteúdo das narrativas, quisemos encontrar um compromisso entre a versão subjetiva dos sujeitos que participaram nesta pesquisa e a versão interpretativa que acionamos para dar conta dessas subjetividades.

Capítulo 5. – Contributos para a construção de uma matriz simbólica-ideológica a