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As políticas públicas para a ciência em Portugal: situando historicamente a pesquisa

Capítulo 3. – Investigação científica e políticas públicas para a ciência: relações entre a ciência e

3.2. As políticas públicas para a ciência em Portugal: situando historicamente a pesquisa

Ao traçar o percurso evolutivo das políticas para a ciência em Portugal, Manuel Heitor (2015, p.6) resume, num quadro síntese, de grande utilidade analítica, seis períodos na história dessas políticas e destaca, em relação a cada um desses períodos, o que de mais relevante sucedeu no sistema da ciência português.

O primeiro período, que decorre até 1967, é intitulado como “vestígios para uma base científica” (Heitor, 2015). Até essa altura, o investimento e os apoios ao desenvolvimento das atividades científicas foram, na realidade, bastante incipientes. Não obstante reconhecer-se que, após a implementação da República, em 1910, tenham sido feitas várias tentativas de reverter esta situação, e que a ciência tenha sido perspetivada como um meio de contornar o isolamento cultural do país (Castro et al., 2013, p.3); após o golpe de Estado, em 1926, e durante o período salazarista, as atividades da ciência estiveram, quase que invariavelmente, subordinadas aos interesses das instituições do regime. Aliás, tal como referem Castro et al (2013), são precisamente as ligações da ciência ao programa ideológico do salazarismo e o aparelho de censura que justificam o escasso desenvolvimento, quer da ciência, quer do ensino em Portugal. No mesmo sentido, lembra Heitor (2015), a ciência estava, por altura do Estado Novo, confinada às atividades dos laboratórios do Estado enquanto as universidades permaneciam excluídas destes processos.

O sistema da ciência em Portugal vai ser marcado, durante o ano de 1967, pela criação da Junta Nacional para Ciência e a Tecnologia (JNICT), a partir da qual se desenvolvem as primeiras tentativas de coordenação institucional da ciência no país. Com efeito, a JNICT, criada em 1967 a partir do Decreto-lei nº 47 791 de 11 de julho, desempenhou um papel central nesta mudança ao assumir como objetivo a construção de uma política científica para o país. Nessa medida, a JNICT está frequentemente associada à ideia de viragem política em termos de organização da ciência (Castro et al., 2013) e, num clima de maior abertura do país ao exterior, sob pressão de instituições como a OCDE, vai dar origem a um segundo período das políticas científicas em Portugal caraterizado por Heitor como o “início do planeamento científico” (1967- 1985).

A Revolução de Abril de 1974 trouxe mudanças em todos os setores da sociedade portuguesa. O sistema científico em Portugal vai incorporar, também, essas mudanças. A referência à ciência e às políticas para a ciência na Constituição de 1976 mostra já uma perspetiva diferente de se entender a relação entre ciência e o Estado. No artigo 77º da Constituição Portuguesa pode ler-se: “1- A criação e a investigação científicas são incentivadas e protegidas pelo Estado. 2- A política científica e tecnológica tem por finalidade o fomento da investigação fundamental e da investigação aplicada com preferência pelos domínios que interessam ao desenvolvimento do país, tendo em vista a progressiva libertação de dependências externas, no âmbito da cooperação e do intercâmbio com todos os povos.” (Decreto de aprovação da Constituição de 10 de abril, DR I Série- número 86, p. 748). Na realidade, a relação entre ciência e o desenvolvimento nacional e a noção de proteção e promoção do Estado sobre a ciência incorpora já os princípios do contrato social para a ciência, caraterísticos da época moderna.

As referências à ciência e às políticas científicas na Constituição de 1976 parecem refletir a vontade política de transformação do papel da ciência nas sociedades e de uma relação diferente desta com o Estado. No seu artigo 77º (criação e investigação científicas) pode ler-se: “1- A criação e a investigação científicas são incentivadas e protegidas pelo Estado. 2- A política científica e tecnológica tem por finalidade o fomento da investigação fundamental e da investigação aplicada com preferência pelos domínios que interessam ao desenvolvimento do país, tendo em vista a progressiva libertação de dependências externas, no âmbito da cooperação e do intercâmbio com todos os povos.” (Decreto de aprovação da Constituição de 10 de abril, DR I Série - número 86, p. 748).

No entanto, estas mudanças serão apenas consubstanciadas a partir da abertura efetiva do país ao exterior e, de um modo particular, com a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, em 1986, contando agora a ciência com o apoio dos fundos europeus. A partir desta altura e até 1995 vai desenhar-se um terceiro período histórico que Heitor (2015) denomina de “o despertar tardio da base científica”. O apoio dos fundos para a investigação científica, para as instituições e para a formação avançada transformará a dinâmica da ciência no país. Este período é, assim, marcado pelo lançamento de programas para a atividade científica; financiamento destas atividades; e

pela internacionalização do sistema da ciência em Portugal. Surgem, por esta altura, instituições de interface que promovem a transferência flexível de tecnologia e a contratação de investigadores e que vêm obviar, segundo o autor, a rigidez funcional das universidades (Heitor, 2015).

Vozes mais críticas pluralizam esta análise. Uma delas vem de João Arriscado Nunes (2002) que identifica diferentes tipos de consequências para o sistema da ciência decorrentes da integração na comunidade europeias. O autor reconhece que os investimentos financeiros, por esta altura, resultaram em avanços significativos e sem precedentes na história do sistema científico, em Portugal. Podemos, com o autor, elencar algumas dessas medidas que se integram no domínio da policy for science: financiamento de projetos e infraestruturas; apoio à formação de investigadores; implementação de processos de avaliação com uma dimensão internacional, criação de programas específicos de promoção da educação e cultura científicas. (Nunes, 2002, p. 195). No domínio do que se designa como science for policy, o autor refere a produção de quadros normativos que, ao legislar sobre determinados domínios da ciência, permitiram criar espaços onde os cidadãos podem legitimamente participar (Nunes, 2002, p.196). Há, contudo, questões que permanecem e que obstaculizam a um maior desenvolvimento do sistema da ciência em Portugal. Referimo-nos concretamente a questões de emprego científico, os condicionamentos económicos na investigação financiada por fundos privados, a participação informada e especializada na produção de políticas públicas e os processos de consulta da própria comunidade (Nunes, 2002). Se o autor remete estas observações para o contexto e condição semiperiféricos que carateriza Portugal, numa análise que data de 2002, perguntamo-nos se todas, ou pelo menos algumas destas questões, estarão resolvidas na atualidade. Fizemos esta questão, também, a alguns dos membros da comunidade científica em Portugal. Analisaremos as suas perspetivas no Capítulo 5.

Na década seguinte (1995-2005) observa-se um período, caraterizado pelo “esforço de aproximação à média europeia”. São várias as evoluções registadas durante este período. Heitor (2015) destaca a avaliação internacional e independente das unidades de I&D e a formação de recursos humanos altamente qualificados, dois fatores que se

mostram fundamentais na evolução do sistema da ciência. Do ponto de vista da tutela política, é criado o Ministério da Ciência e Tecnologia (1995) que, mais tarde se associaria ao Ensino Superior (2002) e à Educação (2011). São igualmente promovidas iniciativas de aproximação da ciência às sociedades com a introdução do Programa Ciência Viva (1996) cujo objetivo era a promoção da cultura científica e, em 1998, é criada a Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica.

O quinto período na história das políticas decorre entre 2006 e 2010 e é apresentado como o momento de “reforço da massa crítica e superação do atraso científico” em Portugal (Heitor, 2015). Salientam-se, então, vários fatores que conduzem a essa superação, designadamente o incremento do investimento público na ciência; a qualificação de recursos humanos; captação de conhecimentos e capital humano; aumento do investimento privado em ciência; o desenvolvimento de parcerias academia/empresas e o reforço da internacionalização da ciência (Heitor, 2015).

O último período assinalado, a partir de 2011 está contornado social e economicamente pela pressão dos mercados financeiros e pela depressão económica que, segundo Castro el al. (2013, p.11), puseram em evidência a influência da lógica do mercado nas atividades, instituições, comunidades e dinâmicas da ciência. Sendo este o período selecionado para a nossa análise, as considerações analíticas desenvolvidas sobre estas políticas serão assumidas, por agora, como hipóteses de trabalho.

Capítulo 4. – Procedimentos metodológicos: a abordagem qualitativa e a análise das