• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 – A relação entre a ciência e a sociedade: condições históricas e perspetivas

1.2. A Escola de Edimburgo e o Programa Forte

Depois de Merton, e na sequência das análises sociológicas da ciência mais focalizadas na sua vertente institucional, dominantes nos EUA no período pós-guerra, destaca-se um conjunto de autores que, em 1966, formaram o grupo que ficou conhecido por Escola de Edimburgo, mais concretamente a Unidade de Estudos da Ciência de Edimburgo.

É manifesto o distanciamento do grupo de Edimburgo da sociologia da ciência de cariz mais institucional. A própria designação da área disciplinar onde integraram estes estudos – sociologia do conhecimento científico – reflete a posição de demarcação do grupo face à sociologia da ciência institucional (Bucchi, 2004, p.42).

A Escola de Edimburgo é representada por autores como Barry Barnes, Donald Mackenzie, David Bloor e Andrew Pickering, com diversas formações de base, que vão das ciências da natureza às ciências sociais e humanidades, e que contribuíram de forma significativa para particularizar esta linha teórica9. Esta corrente é caracterizada pelo recurso que faz à interdisciplinaridade, sobretudo, nas ligações que estabelece com a história e a filosofia da ciência. Observa Shapin: “Unlike many other sociological specialties, SSK has strongly engaged the attention of historians and philosophers (…) and the boundary lines between what counts as historical or philosophical and what as sociological practice in the area have been blurred to the point of invisibility (Shapin, 1995, p. 291). Além disso, estes estudos apresentam uma especificidade metodológica ao optar predominantemente pelos estudos de caso, na sua maioria, configurados em torno de uma dimensão histórica. Com base nestas características, a Escola de Edimburgo contribui de um modo muito particular para explorar as relações entre o conhecimento científico e a sociedade:

Quite unlike past traditions in the sociology of science, SSK case studies are typically tightly focused upon specific passages of scientific practice. Their

9 Não se pretende, de modo algum, resumir aqui as posições teórico-metodológicas dos autores que fizeram

parte da Escola de Edimburgo. São inúmeros os seus trabalhos e publicações e os pontos de focalização teórica são igualmente muito diversificados, de tal modo que se fala em diferentes gerações de autores em Edimburgo (Pinch, 1993, p. 363).

detailed ethnographic or historical character is geared to breaking own the "enchantment produced by distance (Collins 1992, pp. 144- 45) -and hence the appeal of idealized "method-stories"-and to displaying the contingency, informality, and situatedness of scientific knowledge-makin”. (Shapin, 1995, p. 305)

Com efeito, uma das conclusões importantes, decorrentes das pesquisas de Edimburgo, relaciona-se com a ideia do carácter contingente das descobertas científicas. A este propósito, Shapin (1982) explicita que a contingência das descobertas científicas, e da sua avaliação, decorrem de conexões históricas existentes entre grupos sociais e conhecimento. Nas suas palavras,

An empirical sociology of knowledge has to do more than demonstrate the underdetermination of scientific accounts and judgments; it has to go on to show why particular accounts were produced and why particular evaluations were rendered; and it has to do this by displaying the historically contingent connections between knowledge and the concerns of various social groups and social settings. (Shapin, 1982, p. 164)

Um outro aspeto que se reconhece interferir na produção do conhecimento relaciona-se com os interesses profissionais dos cientistas e, nessa medida, importa reconhecer a influência da profissionalização dos cientistas num dado contexto histórico.

Within a scientific community, and within any given specialty or discipline, there will typically exist a distribution of different skills and technical competences. (…) These technical abilities and competences will have been acquired through processes of socialization; they will have represented a considerable investment on the part of the scientist, and he will naturally tend to deploy them, to show their value in scientific work and to extend the possible range of their application. Such skills and technical competences therefore represent a set of vested social interests within the scientific community. (…) In the process of defending these professional vested interests conflicts may arise within the scientific community over the nature of phenomena. (…)

(Shapin, 1982, pp. 164-165)

in which concerns within the scientific community related to the concerns of wider society” (Shapin, 1982, p. 175)

A ligação da ciência ao social é estabelecida ainda pela utilização que os cientistas fazem das metáforas ancoradas nas realidades culturais e que tendem a reforçar a ligação entre estes e os seus contextos socioculturais, mesmo após a sua profissionalização. Como diz Shapin, “One of the most straightforward approaches to the connections between scientific knowledge and wide society is found in studies that show scientists taking up intellectual resources associated with other forms of culture” (Shapin, 1982, p. 177).

Por outro lado, é reconhecido pela da Escola de Edimburgo que também é possível a transferência das imagens da ciência para os contextos sociais. No entanto, faz-se depender esta transferência das circunstâncias particulares dos grupos sociais e de algumas estratégias capazes para a sua persuasão (Shapin, 1982; 1995).

Os condicionalismos sociais para a produção da ciência, destacados pela Escola de Edimburgo valeram-lhe algumas críticas, designadamente a de determinismo social. Argumento que foi rebatido por Shapin que assumia que, embora o social possa ajudar a pre-estruturar as escolhas científicas, não exclui outras escolhas que podem inclusive ser contrárias aos modelos culturais dominantes, ao conhecimento acumulado e mesmo aos sinais emitidos pelas realidades naturais (Shapin, 1982, pp.196-198).

Entre o grupo de Edimburgo, David Bloor destacou-se com a sua obra Knowledge and Social Imagery, cuja primeira edição data de 1976 e que viria a formalizar aquilo que ficou conhecido como o “programa forte” na sociologia da ciência. Muitas vezes erradamente confundido com a Escola de Edimburgo (Bucchi, 2004), o programa forte avança com um conjunto de princípios metodológicos que, na perspetiva de Bloor, deverão orientar a pesquisa sociológica sobre o conhecimento científico. Na realidade, e como sugere Bucchi (2004, p.58), o programa forte representa uma tentativa de aplicação do método científico à relação entre a ciência e a sociedade. Para tal, Bloor propõe quatro premissas fundamentais: a identificação das condições de emergência do conhecimento (causalidade); a imparcialidade; a simetria na explicação sociológica (a simetria sugere que o mesmo tipo de causas pode explicar as crenças falsas e as verdadeiras); e a extensão do modelo explicativo à própria produção do conhecimento sociológico (reflexividade).

Tendo em conta que estas premissas constituem uma das referências centrais do programa forte, mostra-se pertinente registar o modo como elas foram definidas por Bloor (1991, p.7):

It would be causal, that is concerned with the condition which bring about belief or states of knowledge. Naturally there will be other types of causes apart from social ones which will co-operate in bringing about belief.

It would be impartial with respect to truth and falsity, rationality or irrationality, success or failure of both sides of these dichotomies will require explanation.

It would be symmetrical in its style explanation. The same types of cause would explain, say, true and false beliefs.

It would be reflexive. In principle its patterns of explanation would have to be applicable to sociology itself like the requirements of symmetry, this is a response to the need to seek for general explanations. It is an obvious requirement of principle because otherwise sociology would be a standing refutation of its own theories.

Sem pretender aprofundar os pressupostos metodológicos do “programa forte”, nem os conflitos teóricos que dele resultaram10, interessa sublinhar que esta foi uma das perspetivas que permitiu relançar o olhar sobre a relação entre o social e a ciência. Com efeito, para Bloor, o social não pode ser entendido como um fator externo que interfere no conhecimento, o social é antes um elemento constitutivo do próprio conhecimento. Neste sentido, um dos principais contributos do programa forte, neste domínio, foi o de ter ultrapassado o nível da análise e reflexão sobre a organização social da ciência e ter reconhecido que, a nível dos seus conteúdos substantivos, a ciência é condicionada pelas estruturas sociais e culturais, bem como por fatores pessoais (Barber, 1996, p. 30)

10 O programa forte, formulado por Bloor, foi objeto de crítica e deu origem a acesos debates que se

travaram não só com outras correntes teóricas na sociologia da ciência, mas também entre vários autores da Escola de Edimburgo. Dois aspetos foram particularmente desafiados pela Escola de Edimburgo relativamente ao programa forte. O primeiro acusa Bloor de se aproximar da perspetiva de Merton, apenas substituindo as normas pelos interesses em relação aos fatores que condicionam o comportamento dos cientistas. O segundo acentua a dificuldade da sociologia em aplicar os seus próprios instrumentos aos seus objetos de análise, mostrando-se o princípio da reflexividade bastante comprometido. (Bucchi, 2004, p.58)