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A análise de textos: dificuldades, cuidados e estratégias no acionamento da técnica

Capítulo 4. – Procedimentos metodológicos: a abordagem qualitativa e a análise das narrativas

4.1. A análise de textos: dificuldades, cuidados e estratégias no acionamento da técnica

A análise documental foi uma das técnicas mais utilizadas nesta pesquisa. Os documentos selecionados dizem respeito a textos escritos relacionados com as políticas públicas para a ciência durante o período de 2011 a 2015. A seleção do período temporal foi assumida após a revisão de alguma literatura sobre a evolução das políticas públicas para a ciência em Portugal. Na tentativa de mapear, cronologicamente, as políticas públicas para a ciência e ensino superior, Maria de Lurdes Rodrigues (2015, p. 49) assinala o momento de mudança de orientação das políticas públicas para a ciência que surge na sequência da crise financeira internacional, em 2008. Com a introdução de um novo ciclo legislativo, em 2011, inicia-se, segundo a autora, uma nova fase que denomina como a fase de “crise económica”. A opção de nos centrarmos nesta fase é naturalmente discutível. Ela decorre, sobretudo, da necessidade de explorar algumas hipóteses que emergiram da reflexão teórica e que pretendem relacionar as perspetivas de mudança na ciência e nas práticas de pesquisa com variáveis tais como a diminuição do financiamento na ciência e no ensino superior, as ameaças (reais ou simbólicas) à autonomia da comunidade científica, a perda de recursos, e os impulsos para aproximação da ciência ao mercado.

Houve um interesse acrescido na análise documental que gostaríamos de sublinhar: os documentos que usamos são anteriores à nossa opção pelo objeto de estudo. Não foram produzidos para responder aos nossos propósitos, a não ser ao objetivo de nos ajudar a compreender o contexto social que envolve aqueles que os produziram. Há, por outro lado, uma distinção importante em relação às narrativas (ou discursos) que Monageng Mogalakwe (2006, p. 222) tão bem elucida:

It must be noted that documents are not deliberately produced for the purpose of research, but naturally occurring objects with a concrete or semi- permanent existence which tell us indirectly about the social world of the people who created them (Payne and Payne 2004). A document, unlike a speech, can have an independent existence beyond the writer and beyond the context of its

production (Jary and Jary 1991).

A aproximação à realidade social a partir da análise documental segue, naturalmente, critérios de rigor estabelecidos para qualquer método de pesquisa empírica. Num primeiro momento, foi necessário observar algumas das caraterísticas dos documentos para a sua seleção. Como observa, Scott (1991, pp. 1-2) o rigor da pesquisa é fundamentalmente assegurado pela qualidade das evidências que se recolhem para a análise. Para observar a qualidade dos documentos, Scott propõe quatro critérios: autenticidade; credibilidade; representatividade e significado. Uma vez que os documentos selecionados (os textos políticos e legais e os artigos de imprensa) foram publicados e são do domínio público, preocupamo-nos fundamentalmente com os dois últimos critérios: a representatividade e o significado.

A seleção dos documentos consultados foi orientada pelos pressupostos da pesquisa: para estudar as formas de regulação da ciência pelo Estado foi necessário analisar os documentos legislativos emanados pelo Ministério da Educação e Ciência, bem como os documentos da instituição que medeia a relação do Estado com a ciência: a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Esta análise foi sustentada numa revisão compreensiva dos textos sobre sociologia da ciência, políticas científicas e sua articulação os contextos sociopolíticos em Portugal; foi necessário complementar esta análise com as comunicações nos jornais sobre ciência e tecnologia e políticas públicas para a ciência de forma a dar conta do debate público sobre o tema; as representações dos utilizadores/destinatários das políticas para a ciência foram recolhidas a partir de entrevistas a interlocutores privilegiados que, a partir das suas narrativas, nos revelaram as suas opiniões e perspetivas o papel da ciência e das políticas para a ciência na transformação social das sociedades.

Para realizar a análise documental dos textos políticos foi desenvolvido um percurso com fases determinadas. Conscientes de que os textos que selecionamos e analisamos determinariam a nossa interpretação, consideramos que, num primeiro momento, seria necessário identificar os critérios a utilizar para a seleção dos documentos para de seguida, compilar estes mesmos documentos. Antes de selecionar os textos políticos tivemos de refletir sobre o período temporal em que estes foram elaborados.

Assim, tivemos necessidade de contextualizar, historicamente, a evolução das políticas públicas em Portugal, para depois analisar os documentos que, desde 2011 até 2015, marcaram as orientações políticas a nível da ciência e da investigação científica. Analisamos, fundamentalmente, os textos relativos às principais ações políticas durante aquela legislatura.

Quando analisamos os textos políticos, tentamos encontrar as orientações mais associadas à promoção do diálogo entre ciência e sociedade. Procuramos assim compreender a lógica, as racionalidades subentendidas nas narrativas, identificando algumas categorias emergentes que sugerissem a aproximação da ciência às sociedades. Fizemos isto, como já dissemos, por referência a um determinado período histórico em Portugal. Foi, assim, necessário considerar posições políticas e ideológicas que reconfiguraram as políticas públicas para a ciência. Isto implicou, também, identificar os responsáveis políticos dessas orientações. No entanto, não quisemos, em nenhum momento, denunciar ou criticar qualquer ação política desenvolvida pelos responsáveis durante esse período. Mas importa deixar aqui uma primeira nota pessoal. Pareceu-me ser mais justo para o leitor, deixar clara a minha posição de discordância em relação a maioria das opções políticas e ideológicas protagonizadas, nesta altura, pelo governo. Mas não foi isso que me moveu. Quis somente tentar compreender melhor as condições políticas de produção do conhecimento científico e o modo como elas podem orientar a transformação social.

Este objetivo levou-nos a procurar documentos referentes a processos de avaliação, relatórios de progresso e anuais, iniciativas e programas. Referiremos, mais adiante, as dificuldades associadas a esta seleção e análise. Sendo de domínio público, a recolha destes documentos foi relativamente fácil de se operacionalizar.

4.1.1. Os textos da imprensa

Os media são centrais na política das sociedades contemporâneas. Não há como ignorar este pressuposto. Para analisar os textos dos media é, de um modo geral, importante observar três aspetos fundamentais: o contexto e circunstâncias que estão na origem destes documentos; os seus principais objetivos ou propósitos; e as audiências que

são expetáveis, ou seja, a quem se destinam, de um modo geral, estes textos.

No entanto, não foi nossa intenção analisar os discursos da imprensa a partir dos processos de produção e receção dos media. Quisemos apenas refletir sobre as perspetivas e conceções sobre a ciência e políticas para a ciência subjacentes às mensagens dos media, destacando as relações que estas poderão evidenciar com a ideia de aproximação à sociedade. Por uma questão de consistência com as restantes fontes de informação utilizadas neste trabalho, o modelo de análise foi igualmente orientado, numa primeira aproximação, por alguns pressupostos teóricos. No entanto, ao longo do desenvolvimento da análise, este modelo foi adaptado e reconfigurado de modo a incluir categorias que se mostravam pertinentes.

Na seleção dos documentos, para análise do debate público, tivemos de considerar: qual a imprensa escrita onde procuraríamos os artigos sobre as políticas para a ciência; o período da sua publicação; o tipo de artigos (informativos, de opinião); etc. Na primeira triagem, vários artigos sobre ciência foram incluídos, no entanto, posteriormente, observamos que nem todos estes artigos se mostravam apropriados ao objeto de estudo.

Posteriormente, pesquisamos os artigos de dois jornais nacionais, considerados de referência, e que apresentam um elevado número de tiragens – o Público e o Expresso. Recolhemos apenas os artigos sobre o tema políticas públicas para a ciência. Ao mesmo tempo, utilizamos duas compilações, uma feita por um conjunto de cinco investigadores e outra por uma jornalista do jornal Público, e que são, respetivamente O livro Negro da Avaliação Científica, organizado por Manuel Heitor, Carlos Fiolhais, Alexandre Quintanilha, Maria Fernanda Rollo e João Sentieiro e Crise na Ciência editada por Teresa Firmino. A maioria dos artigos nestas compilações reportam-se aos anos de 2014 e 2015. Estamos conscientes dos limites e das dificuldades metodológicas que se colocam na utilização destas compilações, tanto mais quanto estes artigos não foram recolhidos para servir os interesses da nossa pesquisa. Acreditamos, inclusive, que na origem destes dados possam estar motivações políticas, ou outras. No entanto, consideramos que este não era um motivo suficiente para deixar de tirar partido deste material e da sua acessibilidade. Conseguimos assim ampliar a dimensão dos textos selecionados para a análise e operar a complementaridade entre os dados recolhidos por nós e os restantes artigos da imprensa

nacional, diversificando, inclusive, o conjunto de jornais onde esses artigos foram publicados