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A Recuperação de Ativos e o Confisco e Apreensão de Bens, Direitos

No documento Crime organizado 3 (páginas 71-76)

Capítulo 3 – O Crime Organizado e seu Combate

3.2   O COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

3.2.1   Combate ao Crime Organizado – Diretrizes Internacionais

3.2.1.1   A Recuperação de Ativos e o Confisco e Apreensão de Bens, Direitos

Grande parte dos crimes cometidos tem como objetivo final dos criminosos a obtenção de lucro. Assim, a melhor forma de combatê-los é enfraquecendo sua capacidade econômico-financeira de agir, bem como retirando os bens, direitos e valores proveito do crime. Há uma clara necessidade de descapitalização da atividade criminosa. Tal fato foi há muito percebido pela comunidade internacional, a qual fez a previsão, em diversos textos, do confisco e da apreensão dos bens.

Uma das medidas que vêm sendo estimuladas é a criação de unidades nacionais que auxiliem as autoridades investigativas a localizar ativos dentro e fora de suas jurisdições, por meio dos chamados Asset Recovery Offices, ou Unidades de Recuperação de Ativos.

Nesse sentido, em 2007, o Conselho da União Europeia (UE), que é o principal órgão de tomada de decisões da UE, criou um sistema de regras para o estabelecimento de Unidades de Recuperação de Ativos (Asset Recovery Offices ARO) em cada Estado-membro (Decisão 2007/845/JAI). Referida decisão conclama que cada Estado-membro crie ou designe uma ARO nacional, para facilitar a detecção de bens e a identificação de produtos do crime.

Ademais, na sessão da Conferência dos Estados-Parte para a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), ocorrida em Doha, Catar, no final de 2009, discutiu-se a importância da criação dos Asset Recovery Offices, considerada por todos os Estados-Membros como medida fundamental para possibilitar o rastreamento e identificação de bens localizados no exterior.

Outra medida tomada pelos países foi a criação de algumas redes de recuperação de ativos, as quais são majoritariamente informais, entre operadores do dia-a-dia que sejam peritos jurídicos ou autoridades ligadas à aplicação da lei, os quais lidam com o rastreio de ativos ilícitos, bem como seu congelamento, bloqueio e confisco. Essas redes teriam reuniões frequentes para fortalecer as comunicações informais com vistas a aperfeiçoar a cooperação jurídica internacional. As redes se destinam aos profissionais de recuperação de ativos que necessitam cooperar com suas contrapartes estrangeiras, particularmente ligadas aos órgãos de recuperação de ativos, autoridades centrais para cooperação jurídica internacional, investigadores e membros do Ministério Público.

O objetivo das redes é servir como fóruns de intercâmbio de informações para profissionais ligados à recuperação de ativos, e como um canal informal, prévia ao envio formal de pedidos de cooperação jurídica internacional. A tendência tem sido incluir como pontos de contato aqueles que podem auxiliar a

parte requerente a acompanhar seus casos de recuperação de ativos. De outro lado, formuladores de políticas públicas têm, em alguns casos, também participado das reuniões. Esses têm a vantagem de poder aconselhar seus governos em temas-chave da recuperação de ativos, além de auxiliar no prosseguimento da agenda de recuperação de ativos. A seguir falar-se-á de algumas dessas redes.

A plataforma Pontos Focais de Recuperação de Ativos StAR-INTERPOL foi estabelecida por iniciativa da StAR-INTERPOL em parceria com o Banco Mundial e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime como forma de prestar apoio ao esforço de combate à corrupção em paraísos fiscais. A plataforma foi lançada em janeiro de 2009 com o objetivo de fornecer um meio seguro de assistência operacional nos processos investigativos de natureza criminal. Trata-se de uma base de dados de operadores do direito, a qual se encontra disponível 24 horas ao dia, sete dias por semana, para responder aos pedidos urgentes de assistência quando a ausência imediata de ação puder causar sérios danos à investigação do rastreamento de dinheiro feito pelos agentes aplicadores da lei. No momento, setenta e seis jurisdições se tornaram parte da base de dados de Pontos Focais. A plataforma também tem como meta desenvolver informações sobre condutas criminais relacionadas aos crimes prescritos na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção com o propósito de recuperar ativos por meio de uma rede de contatos global.

A Rede de Recuperação de Ativos do GAFISUD (RRAG) foi formalmente criada na Plenária do Grupo de Ação Financeira da América do Sul contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento ao Terrorismo (GAFISUD) em 22 de julho de 2010, em Lima, Peru, com apoio do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), juntamente com outros parceiros, inclusive o Centro de Inteligência contra o Crime Organizado do Governo da Espanha (CICO), a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas da Organização dos Estados Americanos (CICAD/OEA) e a Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL).

A Rede consiste de doze países membros do GAFISUD: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá, Paraguai,

Peru e Uruguai. Nada obstante, seus documentos constitutivos permitem que países que não sejam parte do GAFISUD se tornem parte da RRAG. O secretariado administrativo é fornecido pelo GAFISUD. Cada país é representado por dois pontos focais. No Brasil, foram designados pontos focais no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), órgão do Ministério da Justiça (MJ). A Rede conta também com uma plataforma de tecnologia da informação para a troca segura de informações entre os pontos focais, cedida pela Unidade de Inteligência Financeira (UIF) da Costa Rica.

A criação da RRAG levou em conta as Resoluções 3 (medidas cautelares e confisco) e 38 (cooperação jurídica internacional e extradição) do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI). Neste sentido, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e a rede Stolen Assests Recovery - StAR vêm contribuindo para apoiar, criar e fortalecer redes regionais relacionadas ao tema da recuperação de ativos. Neste sentido, a Rede Asset Recovery Inter-Agency Network of Southern Africa (ARINSA), na região sul da África, tem origem semelhante à RRAG.

Camden Asset Recovery Inter-agency Network (CARIN) é uma rede de contatos informal e um grupo cooperativo sobre todos os aspectos do combate aos procedimentos criminosos. Nascida em um congresso realizado em Haia entre 22 e 23 de setembro de 2004, reúne uma rede de peritos e outros envolvidos com a área de cuja intenção é melhorar o conhecimento mútuo de métodos e tecnologias nas áreas de identificação além-fronteiras, congelamento, apreensão e confisco de produtos do crime. Com efeito, intenta-se o aumento da cooperação internacional entre aplicação da lei e agências judiciais, que em retorno terão serviços prestados de forma cada vez mais eficiente.

Os objetivos são: estabelecer uma rede de pontos de contato, ter foco nos produtos de todos os crimes, dentro do escopo das obrigações internacionais, estabelecer-se como centro de expertise em todos os aspectos de combate aos produtos do crime, promover a troca de informações e de boas práticas, empreender recomendações para órgãos como a Comissão Europeia e o Conselho da União Europeia, agir como grupo consultivo para outras autoridades competentes, facilitar,

onde possível, treinamento em todos os aspectos do combate aos produtos do crime, enfatizar a importância da cooperação com o setor privado para se atingir esses objetivos e encorajar os membros a estabelecer escritórios de recuperação de ativos. O status de membro é aberto aos países da União Europeia (EU) e Estados e jurisdições que foram convidados para o lançamento do projeto CARIN em 2004, entre os quais o Brasil não se inclui.

A ARO Platform congrega os “National Asset Recovery Offices (AROs)” da União Europeia, os quais buscam rastrear e identificar ativos de origem criminosa. A ideia é tornar cada vez mais ágil para assim ser mais efetivo o confisco, a recuperação e a repressão desse tipo de crime. Esses escritórios identificam ativos obtidos de forma ilegal nos próprios territórios e facilitam a troca de informações relevantes no âmbito da Europa. Diante disso, a Comissão Europeia lançou uma plataforma informal (ARO Platform), como meio de estreitar os esforços de cooperação entre os países da União Europeia e coordenar as trocas de informação e melhores práticas.

Asset Recovery Experts Network (AREN) é um fórum privado informal

on line, com características de rede social, para profissionais que estão envolvidos em processos de recuperação de ativos. A ferramenta, criada pela International Centre for Asset Recovery (ICAR), serve para conectar e criar redes de troca de experiências e informações nesse tema. Podem fazer parte da rede tanto órgãos governamentais como entes privados, além de Organizações não Governamentais (ONGs) e profissionais liberais. Não há restrição para que um membro convide outros. O AREN caminha para ser também uma base de dados para pesquisas. Além disso, está em desenvolvimento uma ferramenta para troca de informações sobre cenários de casos reais.

3.2.1.2 A Criminalização da Lavagem de Dinheiro

Até o final da década de 80, a atuação dos Estados, no que diz respeito ao combate à criminalidade, era voltada majoritariamente para a prisão dos delinquentes. Porém, naquele tempo, já houve o início da percepção que o Estado não somente deveria prender os criminosos, mas também evitar que os mesmos

gozassem do uso dos bens, produtos e valores resultantes das atividades criminosas. Assim, decidiu-se por criminalizar a conduta de ocultar ou dissimular o produto do crime com o fim de evitar a atuação estatal.

A lavagem de dinheiro é o processo pelo qual o criminoso tenta dar aparência lícita a um ativo de origem ilícita, ou seja, é tentar dar aparência de legalidade ao produto do crime34. Apesar de se falar de lavagem de dinheiro há muito tempo35, o fato e que o mundo somente deu a devida atenção a esse crime na Convenção de Viena (1988), após ver a criminalidade organizada se espalhar pelo mundo.

Em um primeiro momento, considerando que o principal crime praticado pelas organizações criminosas era o tráfico de entorpecentes, os países decidiram criminalizar a lavagem de dinheiro proveniente somente daquele delito. Porém, com o avanço da criminalidade transnacional, a qual não é mais baseada somente no tráfico de drogas, as legislações mais avançadas criminalizaram a lavagem de dinheiro de todo e qualquer crime antecedente, não mais restringindo-se ao tráfico de drogas.

Ao combater a lavagem de dinheiro, o que se busca na verdade é retirar as condições financeiras das organizações criminosas que praticam os crimes antecedentes. A melhor forma de combater o crime organizado é retirando seus bens e a melhor forma de retirar os seus bens é através do combate à lavagem de dinheiro.

No documento Crime organizado 3 (páginas 71-76)