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EDUCAÇÃO NOS PRESÍDIOS

No documento Crime organizado 3 (páginas 51-57)

Capítulo 2 – A função da pena e as condições dos estabelecimentos prisionais

2.5   EDUCAÇÃO NOS PRESÍDIOS

Em âmbito internacional, as regras mínimas para o tratamento de prisioneiros, aprovadas no 1° Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955, estabeleceu garantias específicas à educação nas prisões. Na Declaração de Hamburgo, a abordagem do direito à educação de pessoas presas avançou, afirmando-se expressamente a "preocupação de estimular oportunidades de aprendizagem a todos, em particular, os marginalizados e excluídos". O Plano de Ação para o Futuro, aprovado na V CONFINTEA (Conferência Internacional de Educação de Adultos), garante o reconhecimento do direito de todas as pessoas encarceradas à aprendizagem, proporcionando-lhes informações sobre os diferentes níveis de ensino e formação permitindo acesso aos mesmos. Em maio de 1990, foram aprovadas pelo Conselho Econômico e Social da ONU a Resolução 1990/20 sobre a educação em espaços de privação de liberdade e a Resolução n° 1990/24 sobre a educação, capacitação e consciência pública na esfera da prevenção do delito27.

                                                                                                               

25 FOUCAULT, M. A ordem do discurso. 9. ed. São Paulo: Loyola, 2003, p. 131-132

26 ROCHA, Luiz Carlos da. A prisão dos pobres. 1994. Tese (Doutorado) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 17.

27 Dentre as recomendações mais importantes dos documentos para os Estados Membros, destacam-se: que proporcionem diversos tipos de educação que contribuam para a prevenção do delito, a reinserção social dos

Nesta mesma direção foram aprovadas, ainda em 1990, duas importantes Resoluções n° 45/111 e n° 45/122 que ratificam os princípios básicos para o tratamento dos reclusos, ampliando os marcos já estabelecidos, declarando que todos os reclusos tem direito a participar de atividades culturais e educativas, objetivando o desenvolvimento pleno da pessoa humana.

No Brasil, como já exposto, de acordo com o artigo 10 da LEP, é dever do Estado prestar assistência ao preso e ao internado objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. O artigo 11 do mesmo diploma legal indica as formas de assistência, sendo que o inciso IV prevê a assistência educacional, a qual deve compreender a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. A educação nos presídios não deve ser entendida como assistencialismo, mas como política pública garantidora de direitos. O homem privado de liberdade é um sujeito de direito e, como tal, precisa ser contemplado pelas políticas de educação.

Todos os que estão cumprindo pena de prisão têm direito à educação. Esse direito não deve ter limites de idade, condição econômica ou status jurídico. O ensino de 1º grau deve ser obrigatório. O ensino profissional deve ser ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Em atendimento às condições locais, deve-se dotar cada estabelecimento prisional de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.

A experiência brasileira com a educação no sistema penitenciário já existe há muitos anos, tendo a legislação atinente ao assunto sendo editada a luz dos tratados internacionais no campo dos direitos humanos. Porém, a educação nos presídios brasileiros ainda não se consolidou como uma política para a execução penal, sendo que o país ainda não possui uma diretriz nacional para a política de educação em espaço de privação de liberdade.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         

reclusos e a redução dos casos de reincidência; que as politicas de educação em espaços de privação de liberdade orientem-se no desenvolvimento de toda a pessoa, levando em consideração os seus antecedentes de ordem social, econômica e cultural; que todos os reclusos devem gozar do acesso a educação, sendo incluídos em programas de alfabetização, educação básica, formação profissional, atividades recreativas, religiosas e culturais, educação física e desporto, educação social, ensino superior e serviços de biblioteca; que a educação deve constituir-se como elemento essencial do sistema penitenciário, não devendo existir impedimentos aos internos para que participem de programas educacionais oficiais; e que devem propiciar os recursos necessários equipe e docentes para que os reclusos possam receber a instrução adequada.

Cada estado apresenta uma proposta para a implementação das suas ações, sendo que muitos sequer possuem uma política regulamentada para ações educativas no cárcere. As ações de educação são realizadas indiscriminadamente, sem levar em consideração as características do público alvo nem do regime de atendimento da unidade. Não possuem uma matriz curricular diferenciada que atenda à referida realidade, assim como também não possuem material adequado. Poucas são as escolas que possuem e atuam a partir de Projeto Politico-Pedagógico, evidenciando-se, em várias unidades, projetos isolados, sem fundamentação teórico-metodológica, sem qualquer continuidade administrativa, beirando o total improviso de espaço, gestão, material didático e atendimento profissional.

A importância da educação nos presídios vem ao encontro de duas finalidades, quais sejam, coibir a ociosidade nos presídios e dar ao condenado a oportunidade de, em futura liberdade, dispor de uma opção para o exercício de alguma atividade profissional para a qual seja exigido um mínimo de escolarização.

Embora haja escolas dentro do sistema, não existe uma política pública de educação definida para o sistema penitenciário, identificando suas particularidades e seus problemas e tentando buscar soluções. A atividade educativa desenvolvida na escola localizada no interior da prisão não é tratada como prioridade para o corpo dirigente da instituição. A escola é tratada por muitos funcionários das penitenciárias como um lugar secundário. Acreditam que preso não precisa estudar. Considerando que, até há pouco tempo, a educação não contava para a remição da pena, verifica-se que as unidades penais ainda não possuem ações regulares de ensino, posto que o maior interesse dos presos e internos estava diretamente ligado às atividade laborativas que, além de ínfimo ganho financeiro, oferecem a possibilidade de abatimento de parte da pena.28

Não existem diagnósticos detalhados sobre a situação de oferta de educação nos presídios, nem tampouco, sobre as articulações Inter setoriais nas

                                                                                                               

28 Mesmo fazendo parte dos programas de reabilitação nas prisões, o trabalho ainda é insuficiente para atender a todos aqueles que se encontram cumprindo pena. Quando existe, são atividades que não requerem nenhum tipo de qualificação e não preparam os indivíduos para nenhum tipo de atividade produtiva compatível com as exigências do mercad. Os salários pagos são ínfimos.

unidades da Federação entre as Secretarias de Educação e os órgãos responsáveis pela administração penitenciária. Porém, sabe-se que existem grandes dificuldades para o desenvolvimento da educação nos estabelecimentos prisionais. Um dos grandes problemas ligados à educação nas penitenciárias é relativo à grande rotatividade dos detentos, que pode ocorrer por vários motivos, tais como progressão de regime e mudança de unidade por causa de atos ilegais e violentos. A heterogeneidade em relação ao aprendizado numa mesma sala de aula é imensa.

Outros problemas que podem ser citados são aqueles relativos aos recursos físicos disponíveis, os quais são muitas vezes escassos. Muitas vezes, livros infantis são utilizados para alfabetizar adultos presos. Muitos presos trocam os cadernos ou canetas que recebem por uma carteira de cigarro. Em muitos casos, existe ausência de formação e capacitação do quadro docente e redução do quadro de educadores devido aos baixos salários.

Em pesquisa realizada em duas penitenciárias no Estado de São Paulo, Lourenço29 constatou que as práticas pedagógicas colocadas a termo nas instituições, quando pensadas como um conjunto concatenado de ações que visam a escolarização dos prisioneiros, eram bastante precárias.

O Relatório Nacional para o Direito Humano à Educação: Educação nas Prisões Brasileiras30, produzido a partir de visitas locais, afirmou que a educação para pessoas encarceradas ainda é vista como um privilégio, que a educação ainda é algo estranho ao sistema prisional, que a educação se constitui, muitas vezes, em "moeda de troca" entre, de um lado, gestores e agentes prisionais e, do outro, encarcerados, visando a manutenção da ordem disciplinar e que há um conflito cotidiano entre a garantia do direito à educação e o modelo vigente de prisão, marcado pela superlotação, por violações múltiplas e cotidianas de direitos e pelo superdimensionamento da segurança e de medidas disciplinares. Quanto ao atendimento nas unidades, citado relatório diz que é descontinuo e atropelado pelas

                                                                                                               

29 LOURENÇO, Arlindo da Silva. As regularidades e singularidades dos processos educacionais no interior dos presídios e suas repercussões na escolarização de prisioneiros: uma reativização da noção de sistema penitenciário. In: ONOFRE, Elenice M. C. (Org.) Educação escolar entre as grades. São Carlos: Edufscar, 2007, p. 52.

30 Disponível em: <http://www.dhescbrasil.org.br/attachments/289_Educação%20nas%20prisões%20do% 20Brasil.pdf>.

dinâmicas e lógicas da segurança e que é muito inferior à demanda pelo acesso à educação, geralmente atingindo de 10% a 20% da população encarcerada nas unidades pesquisadas. As visitas às unidades e os depoimentos coletados apontam a existência de listas de espera extensas e de grande interesse pelo acesso à educação por parte das pessoas encarceradas. Afirma ainda que, em sua maior parte, sofre graves problemas de qualidade apresentando jornadas reduzidas, falta de projeto pedagógico, materiais e infraestrutura inadequados e falta de profissionais de educação capazes de responder às necessidades educacionais dos encarcerados.

A arquitetura prisional geralmente não faz a previsão para o desenvolvimento de atividades educativas nos estabelecimentos penais. Enquanto atualmente se discute a necessidade de criação de espaços para atividades laborais no cárcere, espaços para a educação, artes e esporte não são considerados artigos de primeira necessidade, são, em geral, totalmente desconsiderados em uma política de execução penal.

Outro problema a ser enfrentado em relação à educação nos presídios, diz respeito à formação profissional daqueles que trabalham no sistema carcerário. Grande parte das profissões que atuam em torno da execução penal não dispõem de formação prévia ao ingresso no sistema. Dahmer31 destaca que a formação do servidor penitenciário é feita com frequência no nível do senso comum, passando conhecimentos de uma geração mais antiga de agentes para os novos que chegam. Afora o trabalho rotineiro, as situações de violência e tensão que enfrentam no seu dia a dia e os baixos estímulos materiais e intelectuais geram a falta de compromisso com a sua função social e a aparição de práticas violentas.

Deve-se salientar que a Lei Brasileira de Execução Penal reserva uma seção específica à disciplina da direção e do pessoal dos estabelecimentos penais, na qual estabelece que a escolha do pessoal administrativo especializado, de instrução técnica e vigilância, atenderá a vocação profissional e antecedentes pessoais do candidato, além do que o ingresso do pessoal penitenciário, bem como a progressão ou ascensão funcional, dependerá de cursos específicos de formação,

                                                                                                               

procedendo-se à reciclagem periódica dos servidores em exercício. Na maioria dos casos essas condições não são respeitadas.

Mesmo aqueles setores ditos técnicos, como os psicólogos, médicos, advogados, assistentes sociais, etc., e os integrantes dos órgãos da execução penal (Juízes, Promotores e Defensores) carecem igualmente do desenvolvimento de competências especificas para o bom desempenho de suas funções no ambiente da privação de liberdade.

Normalmente, os “docentes” em uma escola penitenciária são recrutados entre os servidores do próprio sistema penitenciário. Em alguns casos, os próprios presos funcionam como monitores.

Deve haver a formação profissional dos servidores penitenciários, com a produção de um saber científico-penitenciário capaz de orientar a formação profissional e as estratégias de ação nos presídios. Ao adentrar no sistema penitenciário, o servidor deve ser treinado para a realidade que lá vai encontrar, ser capaz de fazer com que o potencial de competências e habilidades de cada servidor penitenciário seja transferido para a sua prática profissional, através da articulação entre os saberes promovidos nos cursos e os que o próprio servidor carrega como parte da sua bagagem pessoal e experiência de vida.

O profissional penitenciário deverá ter capacidade de exercer corretamente suas funções, de situar a sua atividade no contexto mais amplo da unidade em que trabalha e do sistema penitenciário como um todo e ter a compreensão da condição do indivíduo encarcerado e da necessidade de redução dos danos produzidos pelo encarceramento.

Assim, percebe-se que a educação no sistema prisional não depende somente dos educandos e educadores, mas também de um conjunto de atores que inclui diretores, agentes penitenciários e outros atores da execução penal e das condições materiais.

Para um bom desenvolvimento da educação nos presídios, deve-se ter espaços físicos próprios para a educação, com respeito àqueles já existentes para trabalhos educativos, os quais não devem ser suprimidos em função de outras necessidades e da superlotação dos presídios. As plantas dos novos presídios devem prever salas de aula, biblioteca e laboratórios de informática, bem como o material pedagógico deve ter fornecimento regular e suficiente, os servidores devem ter pessoal preparado com formação inicial e continuada, supervisão do trabalho e apoio técnico.

Se todos os presos tivessem a intenção de estudar nos presídios, com certeza faltariam vagas, uma vez que em cada unidade prisional não existiria espaço, nem mesmo um quadro suficiente de educadores para atender a um aumento significativo de prisioneiros interessados em estudar.

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