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IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO NOS PRESÍDIOS

No documento Crime organizado 3 (páginas 150-154)

Capítulo 6 – Propostas

6.2   IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO NOS PRESÍDIOS

Como visto no capítulo 2, o encarcerado, ao entrar nos estabelecimentos carcerários, submete-se a uma série de situações que fazem com que ele perca parte de sua identidade. Através da educação, há a tentativa de os mesmos mantenham os valores de origem, a perspectiva de vida e de liberdade.

A escola nos presídios tem responsabilidade na formação de indivíduos autônomos, na ampliação do acesso aos bens culturais em geral, no fortalecimento da autoestima dos presos, na conscientização de seus direitos e deveres, criando oportunidades para seu reingresso na sociedade.

A educação na prisão deve estar sempre preocupada com a promoção humana, procurando tornar o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela, transformando-a no sentido de uma ampliação de liberdade, da comunicação e da colaboração entre os homens. Deve estar preocupada com a convivência fundamentada na valorização e no desenvolvimento do ser humano, fazendo com que o detento desenvolva a

                                                                                                               

93 GAROTINHO, A. Violência e criminalidade no estado do rio de janeiro – diagnóstico e propostas para uma política democrática de segurança pública. Rio de Janeiro: Hama, 1997, p. 42.

consciência crítica, favorecendo sua capacidade de questionar e problematizar o mundo.

A escola deve propiciar acesso ao conhecimento socialmente acumulado e garantir uma nova visão de mundo. Mesmo em um ambiente prisional, a escola tem seu significado e atribuição mantidos. Pode apresentar-se como um espaço que se paute por afirmar a vocação ontológica do homem, a de ser sujeito, que pressupões o desenvolvimento de uma série de potencialidades humanas, tais como: a autonomia, a crítica, a criatividade, a reflexão, a sensibilidade, a participação, o diálogo, o estabelecimento de vínculos afetivos, a troca de experiências, a pesquisa, o respeito e a tolerância, absolutamente compatíveis com a educação escolar, especificamente destinada aos jovens e adultos.94

Segundo o Plano Estadual de Educação em Estabelecimentos Penais do Estado do Mato Grosso do Sul,

a atividade finalística da Educação não é converter pessoas nem melhorar os indicadores penitenciários, mas sim qualificar da melhor maneira possível homens e mulheres presos para o exercício pleno dos direitos da cidadania e para usufruir das oportunidades gestadas no âmbito da própria sociedade. Para a consecução destes objetivos a Educação precisa identificar em toda a dinâmica da Execução Penal as oportunidades pedagógicas que permitam intervenções que possam resultar em elevação da escolaridade, qualificação profissional, profissionalização e certificação de saberes e competências que possam ser úteis ao projeto de vida futuro de homens e mulheres após a conquista da liberdade. 95

A prisão é um lugar onde vivem experiências, numa situação de interação, em que existe a possibilidade de respeito mútuo, de troca e cooperação. Na escola, os prisioneiros são tratados de forma diferente, são respeitados. Sua individualidade é garantida, porque ali deixam de ser um número e são reconhecidos pelos nomes.

                                                                                                               

94 PORTUGUES, Manoel Rodrigues. Educação de adultos presos: possibilidades e contradições da inserção da educação escolar nos programas de reabilitação Sistema Penal do Estado de São Paulo. 2001. Dissertação (Mestrado)—Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, p. 103.

95 PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO EM ESTABELECIMENTOS PENAIS DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, p. 6.

Os motivos para que o preso tenha desejo de frequentar a escola são muitos. Pode ser o simples desejo de aprender, a busca por um passatempo ou a possibilidade desse ato ajudar a ter pareceres positivos nos exames criminológicos para conseguir sair da prisão.

A possibilidade de obterem melhor emprego quando saírem da prisão e de participarem da cultura letrada, a possível ascensão social e a possibilidade de ocuparem nova posição quando deixarem os presídios também são perspectivas que estimulam os presos a estudar. O simples fato de saber ler e escrever quando sair da prisão pode ser de extrema utilidade para o preso para tarefas simples, como saber ler o letreiro de um ônibus. A escola é apontada pelo aluno como um espaço fundamental para que possa fazer valer seu direito à cidadania e à aprendizagem da leitura e da escrita.

Na verdade, até mesmo para o dia a dia da vida na prisão, a educação é de extrema importância. Para os analfabetos a possibilidade de aprender a ler e escrever pode significar a independência de um companheiro. Quem não sabe ler, tem que pedir para um colega e, como tudo na prisão, esse é um motivo para dever um favor. Poder escrever bilhetes, cartas96, acompanhar o desenrolar de seus processos criminais geram mais liberdade, autonomia e privacidade.

Muitos detentos creditam à educação o papel de contribuir para a ressocialização do interno presidiário, conduzindo-o para a reinserção social. Muitos entendem que somente por meio da educação é que o interno poderá ser introduzido na sociedade. Qualquer que seja o motivo, a escola é percebida pelos alunos como algo positivo.

Os benefícios da educação não param por aí. Na escola o prisioneiro, acostumado com vigilância constante, se sente mais livre. Encontra e conversa com professores e com colegas de outros pavilhões. É um local onde as tensões se mostram aliviadas. A escola possibilita o relacionamento com o mundo externo ao mundo prisional, uma vez que os presos ficam sabendo de notícias externas ao mundo dos presídios, têm um sentimento de atualização.

                                                                                                               

A sala de aula desponta como um local diferenciado em relação aos demais espaços prisionais, apresentando-se como um local de possibilidades, sendo possível ocupar-se de outros assuntos que não os relacionados ao mundo do crime. Segundo Penna97 (2007, p. 89), os monitores percebem que quem passou pela escola tem condições de conversar melhor com os funcionários, lidando com as situações de conflito de forma que não seja partindo para o confronto direto.

Os próprios presos verificam a mudança no comportamento daqueles que começaram a estudar. De acordo com depoimento extraído do texto de Lourenço, disse um aluno preso em setembro de 2004:

Acho que a ferramenta que o diretor tem pra tá moldando, pra tá melhorando o intelecto daquele preso, daquele que errou lá atrás, essa peça [...] essa ferramenta, é a educação, é a escoa // enfático //. É a escola. A escola que muda todo ou curso de uma pessoa, como eu falei pro senhor. Muda o convívio do camarada, muda o linguajar, aquele camarada que [...] aquele camarada que, eu noto isso aí no dia a dia, o camarada que falava em gíria, ele não falava uma frase sem colocar uma gíria no meio [...]. Mas, conforme ele chegou ali e começou a enfiar a cara nos livros ali, a aprender e teve ali o incentivo, o linguajar do camarada, o português dele passou a ser outro, né ? E isso também em todos os aspectos da vida dele [...] né ?98

Ademais, além das conquistas “objetivas”, a educação pode fazer muito bem para o ego, para o eu dos detentos. Extraímos o relato abaixo do texto escrito por Lourenço:

Assistimos, enquanto estávamos pesquisando os processos de escolarização de prisioneiros, a um evento de entrega de certificados de conclusão de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, numa das penitenciárias que investigamos. O movimento das pessoas – alunos, monitores, coordenadora pedagógica, prisioneiros – realizando a faxina no recinto, em torno da escola e da própria solenidade, foi intenso logo nos primeiros momentos do dia. Aqueles que haviam concluído os seus respectivos cursos e deveriam

                                                                                                               

97 PENNA, Marieta Gouvêa de O.. O exercício docente por monitores-presos e o desenvolvimento do processo formativo. In: ONOFRE, Elenice M. C. (Org.) Educação escolar entre as grades. São Carlos: Edufscar, 2007, p. 89.

98 LOURENÇO, Arlindo da Silva. As regularidades e singularidades dos processos educacionais no interior dos presídios e suas repercussões na escolarização de prisioneiros: uma reativização da noção de sistema penitenciário. In: ONOFRE, Elenice M. C. (Org.) Educação escolar entre as grades. São Carlos: Edufscar, 2007, p. 65.

receber o certificado expressavam grande contentamento em suas faces. Estavam efetivamente felizes e orgulhosos com a conquista.99

Quando nos referimos à educação nos presídios, é necessário delimitar que tipo de educação deseja-se. Não pode-se deixar de ver que ao pretender-se analisar a escola dos presídios, está-se tratando de um modo específico de fazer educação.100

Muitos entrevistados por Julião101 entendem que a escola ideal para o sistema penitenciário deve ser uma escola associada à qualificação profissional, alegando que o preso, quando é colocado em liberdade, precisa muito ser inserido no mercado de trabalho e a educação é um fator fundamental nessa questão. Se, ao sair da prisão, o preso já está qualificado para uma determinada profissão fica muito mais fácil inseri-lo no mercado formal.

Acredito que a escola nos presídios não deve somente ser associada ao ensino profissional, mas deve também ser sim ser uma escola que ajude a desenvolver potencialidades que favoreçam sua mobilidade social. A escola deve buscar a formação de um cidadão consciente de sua realidade social.

Sem investimento, sem projetos que possibilitem a formação dos monitores, torna-se impossível realizar um processo educativo diferenciado e que aconteça sem a influência das imposições e dos objetivos da instituição penal.

No documento Crime organizado 3 (páginas 150-154)