• Nenhum resultado encontrado

A reflexão desenvolvida em Portugal

Problemática e enquadramento teórico

1. Problemática

1.3.3. A reflexão desenvolvida em Portugal

Os estudos que em Portugal reflectem sobre a problemática agrícola seguem as principais tendências da investigação feita noutros países. Não obstante, a especificidade da realidade agrícola portuguesa justifica uma referência autónoma aos mesmos.

Num deles, Cordovil refere que os anos 80 se caracterizaram por uma “significativa transformação” das ciências sociais: “Tratou-se não só de uma expansão quantitativa do conhecimento produzido, mas também da sua diversificação disciplinar, temática, teórica e institucional” (Cordovil, 1991: 121).

Segundo o mesmo autor, estas transformações manifestaram-se “com particular intensidade em algumas disciplinas que fazem ‘fronteira’ com a economia da produção agrícola: a sociologia rural, a economia regional, a sociologia e a economia do trabalho, etc.” (ibid).

A síntese crítica dos estudos agrícolas e rurais desenvolvidos em Portugal naquela década é, segundo aquele autor, reflexo das transformações da realidade observada, nomeadamente:

“- Por um lado, a agricultura apresenta-se crescentemente fragmentada, mesmo quando nos situamos no nível de análise local ou regional. Não se trata apenas da diversidade de estruturas técnico-económicas e sociais de produção, mas também da inserção em redes de relacionamento externo

diferenciadas e não articuladas. Além disso, os recursos necessários ao desenvolvimento da actividade agrícola são cada vez mais disputados por aplicações não agrícolas: a terra, a água, o trabalho, o dinheiro…são sujeitos a uma procura que não se circunscreve ‘sectorialmente’. Esta questão começa por se colocar desde logo ao nível das decisões microeconómicas, onde a afectação de recursos à exploração agrícola é confrontada, cada vez mais frequentemente, com utilizações alternativas.

- Por outro lado, a consideração do espaço rural como unidade dominada ou subordinada ao espaço urbano, no quadro de uma representação bipolar do espaço social, revela-se cada vez mais desadequada.” (Cordovil, 1991: 122).

Aqueles estudos vão integrando a multidimensionalidade da vida social e revelam a diversidade dos contextos socioterritoriais. A este propósito, deve referir-se a importância crescente da dimensão territorial local dos fenómenos sociais e económicos. Deu-se também uma atenção particular ao “estudo das estruturas de produção agrícola e dos comportamentos económicos dos agricultores” (id: 150).

Outro dos temas centrais dos estudos agrícolas e rurais da década de 80 em Portugal foi o do papel dos pequenos e médios agricultores familiares no desenvolvimento da agricultura portuguesa.

Os autores que se dedicaram a este tema (p.e. Carvalho et al., 1982; Carvalho, 1984; Barros, 1989; Fragata, 1989; Fragata e Barros, 1988) propõem uma abordagem alternativa àquela que consideram dominante através, nomeadamente, dos conceitos de “racionalidade da agricultura familiar” e de “tecnologia apropriada” (id: 211).

A abordagem da relação entre mudança social, desenvolvimento económico e transformação das estruturas de produção conheceu também uma “viragem significativa”.

Sobre o processo de alteração das estruturas de produção agrícola portuguesas, Cordovil cita dois trabalhos - um da sua autoria (1984) e outro da autoria de Oliveira Baptista (1985).

O primeiro identifica e explica as alterações verificadas na repartição dos recursos produtivos por estratos de agricultura; o segundo, “mais amplo do ponto de vista temático”, inclui referências à política agrária e às estruturas sociais e de poder de âmbito local e regional em zonas pré-definidas. Ambos os trabalhos colocam os “acontecimentos” e os “protagonistas” na “primeira linha da(s) história(s) de mudança” e centram a análise “nas relações económicas e sociais que se tecem em torno da produção agrícola, mas considerando estas relações entrosadas com as dimensões política e cultural das estruturas e mudança social” (id: 229).

Um outro trabalho de Cordovil, citado no início deste ponto, procede a uma análise compreensiva das “estratégias produtivas” dos agricultores e inscreve-se também numa linha de investigação sobre as estruturas agrícolas. Nesse sentido, o autor refere que:

“(…) (a) análise da estrutura da exploração agrícola não se restringe à caracterização do aparelho e sistema de produção, devendo contemplar, também, os domínios dos recursos humanos e da organização do

trabalho, das condições de acesso aos meios de produção e do financiamento” (Cordovil, 1991: 238).

Entre os elementos que integram o quadro conceptual relativo ao “processo de decisão estratégica ao nível da exploração agrícola” apresentado pelo autor gostaríamos de salientar o que diz respeito à “situação objectiva”10.

Nesta “situação objectiva”, por sua vez, queremos chamar a atenção para as expressões de “controlo e de envolvimento face (à) unidade de produção” e de “oportunidades e restrições externas que enquadram a actividade da exploração agrícola”.

Relativamente à primeira, o autor refere que:

“Enquanto a noção de envolvimento se refere à importância que a exploração agrícola tem para o agricultor, o conceito de controlo prende-se

10

Os outros dizem respeito: i) ao “decisor” (agricultor) e aos seus “critérios de decisão” e ii) ao “processo de decisão”.

com a autonomia de que este dispõe na orientação dessa unidade produtiva” (id: 239).

Os aspectos compreendidos no “envolvimento” dizem respeito aos “rendimentos obtidos, tempo de actividade, valores patrimoniais implicados, etc.” e, no controlo, dizem respeito, entre outros, à “forma de acesso aos principais meios de produção, em particular a terra”; às “condições de financiamento da actividade produtiva”; ao domínio dos processos técnicos utilizados”; e, finalmente, à “natureza das relações comerciais a montante a jusante da exploração agrícola” (ibid).

Relativamente à segunda, é referido o seguinte:

“O domínio que assim se enuncia é amplo e diversificado: os factores físicos e biofísicos (clima, solo, água,…) constituem uma componente essencial da envolvente externa da produção agrícola, pois esta consiste num processo biológico intervencionado pelo homem, regra geral, em condições de ‘céu aberto’ e utilizando a terra como recurso fundamental; mas os restantes factores, que poderemos nomear por ambiente socioeconómico, assumem também importância decisiva. Embora consideremos muito importante a configuração dos mercados a montante e a jusante da actividade agrícola, atribuímos papel igualmente fundamental a outras componentes do ambiente

socioeconómico. Referimo-nos, nomeadamente, às que determinam as

oportunidades de emprego e rendimento alternativas à agricultura, e às estruturas de enquadramento técnico e financeiro das explorações agrícolas” (id: 245-246).

Em nosso entender, este trabalho permite salientar aspectos centrais da actual discussão das alternativas ao uso da terra. Desde logo, porque a abertura da “caixa negra” do comportamento dos agentes económicos é um passo essencial para a compreensão da configuração e alteração das práticas dos actores económicos. E, depois, porque nos parece que é possível integrar alguns aspectos de natureza institucional, como é o caso do direito de propriedade, no âmbito de algumas noções que integram o quadro conceptual do autor para a análise das “estratégias produtivas”.

É o que acontece com a noção de “controlo”, na medida em que se refere à “forma de acesso aos principais meios de produção, em particular a terra”. É também o que acontece com a noção de “oportunidades e restrições externas que enquadram a exploração agrícola”.

Se a década de 80 é a década de alteração do olhar sobre a realidade agrícola e rural, quer do ponto de vista epistemológico, quer do ponto de vista temático e metodológico, a década de 90 e os primeiros anos do séc. XXI é, também em Portugal, um período marcado pela integração dos conceitos de sustentabilidade e de multifuncionalidade e da consequente discussão em torno das alternativas de uso da terra tendo em conta as actuais exigências e procuras dirigidas ao território rural.

Num inventário de estudos dedicados ao tema do ambiente nas ciências sociais, Mansinho e Schmidt (1994) apresentam a década de 90 como um “tempo de consolidação”.

Como veremos, a apresentação das estratégias e das perspectivas de desenvolvimento da agricultura portuguesa é, nalguns casos, feita de forma dicotómica. A agricultura competitiva/viável e gerida segundo critérios de racionalidade económica é separada de uma agricultura marginal e cuja existência encontra a sua justificação em razões de natureza ambiental e/ou social.

Não raramente, o conceito de multifuncionalidade aparece associado apenas ao segundo tipo de agricultura e não como uma dimensão inerente à produção agrícola, independentemente da sua viabilidade económica. Por outro lado, grande parte da discussão das alternativas em termos do(s) modelo(s) agrícola(s) é feita no quadro temático da aplicação da PAC à agricultura portuguesa.

Estão neste caso alguns trabalhos da iniciativa do Ministério da Agricultura. Entre estes deve referir-se o estudo Dois Contributos para um Livro Branco sobre a

Agricultura e o Meio Rural (1993). Trata-se de uma obra organizada em duas

partes/contributos: “Contributo I: A agricultura portuguesa no horizonte dos anos 90: elementos para uma nova política agrícola”; “Contributo II: Agricultores e agriculturas: que futuros? Memória para um debate urgente”.

Para além de um balanço e perspectivas de evolução da agricultura e do mundo rural português no contexto da integração na União Europeia, o livro propõe uma estratégia dicotómica para o desenvolvimento da agricultura: “uma estratégia de produtividade-qualidade num quadro concorrencial” e “uma estratégia de desenvolvimento eco-rural num quadro territorialmente delimitado”.

Da mesma forma, o trabalho “A reforma da PAC e as políticas agrícola e rural comunitária e nacional, estratégias, objectivos e medidas prioritárias de médio-longo prazo”, apresentado por um grupo de trabalho nomeado pelo Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (1996), permite perceber a sensibilidade política aos problemas da agricultura e as orientações estratégicas de desenvolvimento da actividade. Neste sentido, é adoptada uma postura crítica relativamente às orientações da PAC e propõem-se medidas que visam essencialmente a separação das ajudas ao rendimento da produção, permitindo a libertação de fundos que deverão orientar-se para medidas de desenvolvimento rural. É proposta também a integração das ajudas ao rendimento e ao investimento e a introdução de critérios de natureza social e ambiental na sua atribuição que deverá ser mais selectiva. Veremos que a reforma da PAC em curso integra algumas destas orientações.

Outro trabalho, Desenvolvimento Rural, novas realidades e perspectivas (1997), apresenta sugestões relativamente à política de desenvolvimento rural após o primeiro ano de vida da Direcção Geral de Desenvolvimento Rural. Aquelas são apresentadas em termos globais, sectoriais e multi-sectoriais, envolvendo também aspectos organizativos e institucionais inseridos no contexto comunitário. A agricultura é considerada indissociável do desenvolvimento rural e, nesse sentido, deverá ser objecto de um conjunto de medidas que visam a sua reestruturação, renovação e multifuncionalidade (DGDR, 1997: 50-51).

Em 1997, também numa edição do Ministério, António Covas propõe uma política de desenvolvimento rural de “ajustamento” e de “diversificação” nos seguintes termos:

“Diversificação interna à exploração (exploração multifuncional ou rural) e diversificação externa à exploração (desenvolvimento rural e regional). Quanto ao ajustamento, trata-se (…) de organizar a mobilidade dos

recursos entre actividades, sendo certo que, desta maneira, daremos oportunidade a estratégias familiares de pluriactividade e plurirendimento” (Covas, 1997a: 29).

O autor reconhece a dificuldade inerente à definição de um domínio autónomo para a multifuncionalidade da agricultura: “continua a faltar um corpo de doutrina suficientemente estabelecido, uma fundamentação técnico-científica rigorosa, uma atribuição de prioridade política elevada, uma protecção jurídica adequada e uma cobertura financeira suficiente” (id: 24).

Nesse mesmo ano (1997) foram publicadas as comunicações ao Seminário “Novas Políticas Europeias e Desenvolvimento Rural em Portugal” da iniciativa daquele Ministério.

Numa delas, Covas propõe uma alteração do artigo 39º do Tratado de Roma no sentido de integrar novos objectivos e uma nova denominação da política agrícola: política agro-alimentar e de desenvolvimento rural.

Outra comunicação ao mesmo Seminário a salientar é de Francisco Avillez que considera a importância dos sistemas de produção que, não sendo economicamente competitivos, possam ser importantes do ponto de vista social e ambiental. Neste sentido, defende uma política agrícola e rural que respeite a especificidade da agricultura portuguesa e os seus diferentes níveis de desenvolvimento. O autor identifica três desafios que se colocam aos centros de decisão responsáveis pela condução da política agrícola e rural na “próxima década”:

“Promoção da competitividade futura dos sistemas e unidades de produção, transformação e comercialização de produtos agro-alimentares; viabilização futura das explorações agrícolas cujos sistemas de produção não sendo competitivos podem, se devidamente apoiados, vir a passar por um processo de reconversão e diversificação que lhes permita vir a desempenhar com sucesso funções de conservação do ambiente e dos recursos naturais e de promoção do espaço natural e da paisagem; contribuição, através da utilização diversificada dos recursos disponíveis dentro e fora das explorações agrícolas, para a consolidação do tecido

económico e social das zona rurais em especial para aquelas que apresentem maiores fragilidades socioeconómicas” (Avillez, 1997: 55-56).

Este autor mantém o essencial desta sua perspectiva na obra (em co-autoria)

Rendimento e competitividade agrícolas em Portugal. É aqui sublinhada a

necessidade de imprimir competitividade aos sistemas de agricultura (“agro- -comerciais”, “agro-ambientais” e “agro-rurais”) que são concebidos numa perspectiva multifuncional. Os autores entendem que “o que caracteriza actualmente a agricultura portuguesa é uma superfície agrícola utilizada predominantemente por

sistemas agro-comerciais subsídio-dependentes” (Avillez et al., 2004: 21).

A importância das medidas da PAC na evolução das características das explorações agrícolas portuguesas conduz os autores daquela obra a dedicar uma atenção particular à evolução recente e situação actual daquela política, incluindo a reforma iniciada em 2003. Procedem ainda à “identificação e caracterização dos diferentes tipos de opções produtivas, tecnológicas e estruturais que poderão vir a assegurar os processos de reconversão em causa, assim como, a abordagem dos diferentes tipos de condições de âmbito empresarial e político institucional que se tornará indispensável vir a garantir para que tais alterações se verifiquem” (id: 22).

Um outro autor que tem comentado de forma crítica, numa outra perspectiva, a aplicação da PAC a Portugal é Oliveira Baptista. Em 1993, no livro Agricultura,

Espaço e Sociedade Rural, que reúne textos escritos entre 1990 e 1992, apresenta

as principais transformações da agricultura e da sociedade rural em Portugal a partir dos seguintes temas: as relações entre a agricultura, o espaço e a sociedade rural, a agricultura familiar, os assalariados do Alentejo e do seu “derrotado projecto agrícola” e, por último, o “anunciado fim da agricultura portuguesa no quadro da actual perspectiva de construção europeia”. No balanço que faz sobre a evolução da agricultura e do mundo rural português no âmbito da PAC refere que:

“No plano agrícola, Portugal transforma-se assim num espaço onde algumas pequenas ilhas de agricultura intensiva se encontram rodeadas por um mar de áreas florestadas, abandonadas ou aproveitadas de modo muito extensivo. (…). Uma parte substancial da população agrícola continuará, no entanto, no seu habitat, sobrevivendo com a ajuda dos

subsídios da PAC destinados aos que se limitam à função de jardineiros da natureza, ou seja, cuidam da terra sem terem como móbil a produção para o mercado e aos que aceitem um subsídio em troca da cessação da actividade agrícola. O envelhecimento da população agrícola pode contribuir para o sucesso destas vias” (Baptista, 1993: 91-92).

É também em 1993 (um ano após a reforma da PAC), e no quadro de reflexão sobre a agricultura portuguesa no contexto desta política, que este autor apresenta o “regresso da questão da terra”:

“Paradoxalmente, hoje começa a observar-se uma espécie de renascimento da questão da terra. De facto, com o anunciado e esperado declínio da agricultura, prevê-se no âmbito da nova PAC que os grupos sociais ligados à propriedade da terra recebam ajudas e subvenções públicas para não produzir. Ou seja, é a propriedade privada da terra que surge, liberta de qualquer justificação de tipo produtivo, como receptora de rendas. Regressa, assim, embora noutro caminho e noutro contexto, a questão da legitimidade económica das rendas fundiárias extraídas apenas da condição de proprietário. Esta questão foi um dos temas centrais do debate em torno da terra desenvolvido nos dois últimos séculos” (id: 40).

Mais tarde, em 1997, o mesmo autor fez uma intervenção na Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas. Nesta ocasião, apresenta a agricultura como sendo “ainda uma actividade central na estruturação de grande parte do espaço rural” e com “um lugar decisivo na economia das famílias agricultoras”. Propõe uma alteração dos mecanismos de distribuição dos subsídios em que os beneficiários seriam os agricultores familiares e os assalariados agrícolas em contraste com o que, segundo o autor, tem acontecido: uma concentração destes apoios num grupo social que em nada contribui para a ocupação do território e para o seu uso “harmonioso e diversificado” (Baptista: 1997: 99).

A reflexão sobre a PAC feita por autores portugueses conheceu recentemente um desenvolvimento significativo com a publicação de duas obras.

Uma, da autoria de Cordovil, Dimas, Alves e Baptista, tem como título A Política

Agrícola e Rural Comum e dá conta da evolução da agricultura europeia e da PAC

nas últimas quatro décadas. Os autores discutem ainda a “legitimidade” desta política a partir da análise crítica dos objectivos e dos instrumentos da sua implementação.

Outra, da autoria de Cunha (2004), tem o título de A Política Agrícola Comum na

Era da Globalização. A dimensão estritamente política assume aqui uma referência

central, incluindo a apresentação do processo negocial das principais etapas de evolução da PAC. Os interesses portugueses merecem apontamentos autónomos e, tal como é sugerido pelo título, “a PAC e o contexto internacional” corresponde a uma dimensão privilegiada da reflexão desenvolvida pelo autor.

O tema da PAC e a referência a algumas das medidas que a integram foram ainda objecto de dois livros (ambos de 2003) da autoria de Barros e Ramos e Barros. Este último autor resume a sua actuação enquanto Director-Geral e Secretário de Estado do Desenvolvimento Rural entre 1996 e 2002.

A questão do desenvolvimento rural e, mais especificamente, da relação entre agricultura e ruralidade tinha já ocupado Cordovil (1997) em “Desenvolvimento Rural e Conservação do Campo”. O autor reflecte sobre aquela relação partindo das tendências de evolução da sociedade e da economia portuguesas e identifica objectivos e princípios orientadores do desenvolvimento rural. Nesta sua proposta assumem especial importância a valorização e conservação do campo enquanto:

“Suporte de actividades humanas geradoras em simultâneo de bens e serviços mercantis, nomeadamente agro-florestais, e de bens e serviços de carácter público ou misto (paisagem, valores faunísticos e florísticos não comercializáveis, ambiente ameno e acessível)” (Cordovil, 1997: 8).

O estudo da paisagem tem vindo a ocupar Pinto Correia. É de 1994 o seu estudo das dinâmicas paisagísticas que compara os casos dinamarquês e português. Para além disso, e com Cancela d’Abreu e Oliveira, a autora desenvolveu o tema da paisagem num trabalho encomendado pela Direcção Geral de Planeamento e

Desenvolvimento Urbano em 1999, apresentado no encontro promovido pela OCDE sobre Indicadores de Paisagens Agrícolas (Noruega, 2002).

Ainda a paisagem, e mais concretamente a sua avaliação quantitativa, ocupou também Lima Santos (1997a e 1997b).

Para Ferrão (1997) a “mercantilização das paisagens” constitui uma das tendências de evolução do “mundo rural” na sua relação com o “mundo urbano”. O autor refere ainda um movimento de “renaturalização” na “conservação e protecção da natureza” e um outro centrado na “procura de autenticidade”.

A investigação nas áreas disciplinares da Economia Agrícola e da Sociologia Rural em Portugal é hoje dominada pelos temas da sustentabilidade e da multifuncionalidade da agricultura e do território rural. A consulta ao “site” do Departamento de Economia Agrária e Sociologia Rural do Instituto Superior de Agronomia, por exemplo, permite-nos confirmar isso mesmo. Entre os eixos de investigação deste departamento está a “análise dos efeitos ambientais das práticas agrícolas e a valoração económica desses efeitos” e a “análise tecnológica e socio- -económica dos sistemas rurais, dando nova ênfase às dimensões territorial e ambiental”.

Não sendo a única, parece-nos que a dimensão ambiental daqueles conceitos adquiriu uma importância e centralidade indiscutíveis. No caso português, e à semelhança de outras sociedades europeias, assistimos a uma certa tensão e reajustamento entre o papel económico e social da agricultura e o seu papel em termos de ocupação do território e uso sustentado dos recursos naturais. É também por isso que a discussão em torno da propriedade daqueles recursos apresenta oportunidade e actualidade científica, social e política.

1.4. A centralidade do direito de propriedade na discussão do uso agrícola da