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O velho institucionalismo

No documento Economia, direito de propriedade e agricultura (páginas 126-133)

Problemática e enquadramento teórico

3. Contributos da leitura institucionalista

3.2. O contexto de emergência e as tradições da visão institucionalista

3.2.1. O velho institucionalismo

A “inauguração”18 do institucionalismo americano coincidiu com o fim de quase quatro décadas de numerosos contactos de alunos americanos com as universidades alemãs e dominou a Economia americana pelo menos até 1940 (Hodgson, 2001: 156).

Com efeito, até à primeira guerra mundial, a Alemanha era o centro dos estudos económicos (Economia e Metodologia Económica) e destino obrigatório dos jovens americanos que quisessem completar os estudos neste domínio. O contacto destes estudantes com a Escola Histórica Alemã foi decisivo para a emergência do institucionalismo americano. Henry Carter Adams, John Bates Clark, Richard T. Ely e Edwin R. A. Seligman são os nomes de alguns desses estudantes e, pelo menos os três primeiros, eram conhecidos pelos “alemães” (Hodgson, 2001: 138).

Para Castro Caldas, a influência desta Escola sobre o velho institucionalismo não deve ser entendida como uma “mera sobrevivência ou importação de ideias alemãs” (Castro Caldas, op cit: 4). Para além da demarcação do “indutivismo ingénuo” da Escola, o institucionalismo substituiu ainda as referências filosóficas e o tipo de metáfora biológica adoptada uma vez que “a influência de Hegel dá lugar à psicologia e à filosofia pragmatista de James e de Peirce e o organicismo da escola histórica alemã cede perante o evolucionismo de Darwin” (ibid).

O velho institucionalismo integra os trabalhos de Veblen, Ayres, Mitchell e Commons. Não estamos perante um programa de investigação uniforme e, neste sentido, Rutheford (1995) propõe a distinção entre duas tradições: a tradição de Veblen-Ayres e a tradição de Commons.

O principal contributo da primeira consiste na investigação dos efeitos da tecnologia nos esquemas institucionais e da resistência das convenções sociais e dos

18

Segundo Hodgson, o “termo economia institucionalista foi utilizado por Hamilton numa comunicação apresentada em 1919 durante um encontro da Associação Americana de Economia” (Hodgson, 2001: 156).

interesses estabelecidos à mudança, enfatizando assim as questões relativas ao poder de natureza económica e política. No contexto desta tradição, destacaremos apenas os aspectos do programa de investigação de Veblen que nos parecem mais pertinentes para o nosso trabalho.

A crítica deste autor à Economia clássica, marginalista e austríaca, tem como alvo principal as concepções de racionalidade e de equilíbrio. Em “Limitations of Marginal Utility” (1909), Veblen refere que a compreensão do “mundo moderno”, o “mundo dos negócios”, exige o abandono do esquema hedonista portador de uma psicologia empobrecedora.

Para Veblen, a Economia ocupa-se com a conduta humana “in his dealings with the material means of life (…) (an) inquiry into the life-history of material civilization”. Esta “civilização material” consiste num “esquema de instituições” (“scheme of institutions - institutional fabric and institutional growth” (Veblen, 1909: 12). Esta concepção não é, segundo o autor, compatível com a perspectiva utilitarista que não investiga a formação e a mudança das instituições, tomando-as como dados adquiridos e imutáveis.

Os conceitos de “hábito” e de “instinto” assumem, de acordo com Hodgson, um papel central naquela concepção, constituindo as bases dinâmicas da intenção e da acção:

“The capabilities and attitudes of an individual were congealed in his or her habits, acquired in activity and social interaction with others. Human behavior is largely a matter of institutional coercion and constraint. The situation of today shapes the institutions of tomorrow through a selective, coercive process, by acting upon men’s view of things” (Hodgson, 2001: 146).

A interacção entre hábito e instituição tem vindo a ocupar alguns autores institucionalistas. É o caso de Hodgson que, em 2001, afirmou que Veblen não desenvolveu uma teoria apropriada daquela interacção. No entanto, um ano mais tarde, no âmbito do artigo sobre mudança institucional que temos vindo a citar,

muda de opinião ao reconhecer que a visão de Veblen constitui a “explicação mais satisfatória” do “processo causal” que envolve aquelas duas instâncias:

“It is one thing to claim that institutions affect individuals in a process of downward causation. It is another to explain in detail the causes and effects. The most satisfactory explanation of the relevant processes in the writings of the ‘old’ institutionalists was in the writings of Veblen” (Hodgson, 2002: 116).

O conceito de hábito aparece também na obra de Commons, sobretudo no seu último trabalho - Institutional Economics (1934) - embora de forma menos marcada do que na obra de Veblen. Existem outros aspectos que separam as duas linhas do velho institucionalismo, nomeadamente, a influência da filosofia pragmatista que se faz sentir apenas naquele trabalho e ainda o afastamento de Commons relativamente às concepções darwinistas e uma aproximação às ideias de Spencer sobre a evolução social.

A recolha e análise de documentação sobre os fundamentos legais e consuetudinários do sistema comercial e industrial americano ocuparam grande parte do trabalho deste autor e deram origem à obra The Legal Foundations of

Capitalism (1924) que integra os conceitos centrais do seu programa de

investigação. Mas é no livro Institutional Economics que Commons apresenta a “sua” Economia Institucionalista.

Deve dizer-se que esta apresentação não prima pela clareza. Commons adopta um método de exposição complexo que combina a sua própria experiência com as decisões dos tribunais durante um longo período histórico, para além dos contributos fundamentais do pensamento económico que lê a partir da grelha da Economia Institucionalista que propõe.

A alternativa presente nesta Economia não rejeita os contributos dos economistas clássicos e neoclássicos. É neste sentido que o autor refere que a Economia Institucionalista “cannot separate from the marvelous discoveries and insight of the classical and psychological economists” (Commons, 1931: 1). Este reconhecimento/recuperação do pensamento económico por parte de Commons está bem presente na seguinte passagem da Institutional Economics:

“I do not see that there is anything new in this analysis. Everything herein can be found in the work of outstanding economists for two hundred years. It is only a somewhat different point of view. The things that have changed are the interpretations, the emphasis, the weights assigned to different ones of the thousands of factors which make up the world-wide economic processes. What I have tried to do is to work out a system of thought that shall give due weight to all economic theories, modified by my own experience” (Commons, 1934, 2003: 8).

A reconstituição do seu programa de investigação, embora difícil, permite refutar a ideia segundo a qual não é possível encontrar nos velhos institucionalistas uma proposta teórica. Por exemplo, em 1992, North dizia que:

“He (Commons and the other practitioners of the old institutionalist economics (...) gave us imaginative insights, perceptive description, quantitative measurement. They did not, however, give us theory” (North, 1992: 3).

Não concordamos com esta observação de North. A obra de Commons é confusa mas não a-teórica. O labirinto das suas ideias é fundamentado, tem um núcleo conceptual e princípios explicativos. Commons deixou para o leitor o trabalho de ligação destas peças imprimindo-lhes sistematização e coerência.

Os conceitos centrais do seu programa de investigação são os de “transacção”, “regras operativas” (“working rules”), o contexto socio-económico e/ou político de operacionalização das normas (“going concerns”) e o conceito de “instituição”. Tentaremos em seguida reconstituir o percurso a partir do qual o autor procede à apresentação e articulação destas componentes conceptuais.

A observação de casos julgados no Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América forneceram a Commons a matéria-prima a partir da qual começa a definir os contornos da Economia Institucionalista.

Para este autor, os tribunais lidam com a actividade humana enquanto actividade interindividual e não com a relação homem-natureza que, segundo Commons, terá sido privilegiada pelos economistas clássicos e neoclássicos (“The courts of law deal

with human activity in its relation, not of man to nature, but to the ownership of nature by man” [Commons, 1934, 2003: 57]).

Em sua opinião, o julgamento consiste num processo durante o qual a relação das partes envolvidas passa por três fases distintas e sucessivas: o “conflito”, a “dependência” e a “ordem”. Neste trabalho de construção da Economia Institucionalista, Commons procura em seguida identificar a unidade de investigação susceptível de incluir aquelas três fases e que substitua a unidade de investigação dos economistas clássicos (as mercadorias e os indivíduos), produtora de equilíbrio e de uma harmonia espontânea onde a propriedade é omitida (ibid). Ora, para Commons:

“The relation of man to man is one of interdependence as well as a conflict. Still further, this ultimate unit must be one which not only is continually

repeating itself, with variations, but also on whose repetitions are expected

by the participants to continue, in the future, substantially similar to what they are in the present and have been in the past. The unit must contain security of expectations. This kind of expectation we name Order” (Commons, 1934, 2003:57).

Commons encontra essa unidade de investigação. Trata-se da “transacção” e é definida da seguinte forma pelo autor:

“Transactions are the means, under operation of law and custom, of acquiring and alienating legal control of commodities, or legal control of the labor and management that will produce and deliver or exchange the commodities and services, forward to the ultimate consumers” (Commons, 1931: 1-2).

As transacções interpõem-se assim entre o “trabalho” dos economistas clássicos e o “prazer” dos economistas hedonistas uma vez que “é a sociedade que controla o acesso às forças da natureza”. As transacções descrevem a relação interindividual e não a relação homem-natureza. Nessa medida, integram, para além de uma dimensão económica, uma dimensão ética e jurídica ausentes da visão dominante. Com efeito, e para Commons, a confusão dos economistas clássicos e neoclássicos

entre a propriedade e as coisas apropriadas não criou a necessidade de considerações éticas ou jurídicas. Como refere:

“(…), in fact these latter were necessarily excluded, because the relation on which economic units were constructed were relations between man and nature, not between man and man. One was Ricardo’s relation between human labor and the resistance of nature’s forces; the other was Menger’s relation between the quantitaty wanted of nature’s forces and the quantitaty available” (id: 71).

Commons identifica três tipos de transacção: as “transacções de negociação” (“bargaining transactions”), as “transacções de gestão” (“managerial transactions”) e as “transacções distributivas” (“rationing transactions”).

As primeiras, as únicas consideradas pela teoria neoclássica, correspondem apenas a uma parte das transacções com importância para a Economia. Estas transacções envolvem partes iguais perante a lei mas podem apresentar diferenças em termos de poder negocial. No âmbito destas transacções assiste-se a uma transferência da propriedade da riqueza através de um acordo voluntário.

As segundas, envolvem uma relação de natureza hierárquica. Assiste-se assim, por exemplo, ao controlo das operações por parte dos empregadores e à obediência por parte dos empregados.

Por último, as transacções distributivas que envolvem também uma relação de natureza hierárquica e dizem respeito à distribuição de custos e de benefícios no contexto de um empreendimento comum (Castro Caldas, 2004b: 6-7).

As transacções envolvem o uso do poder legal ou económico cujos limites são definidos pelas regras operativas (“working rules”), regras estas que vão sofrendo alterações:

“(‘working rules’) are continually changing in the history of an institution, and they differ for different institutions; but whatever their differences, they have this similarity that they indicate what individuals can, must, or may, do or not do, enforced by collective sanctions” (Commons, 1931: 2).

Ou seja, estas regras delimitam o campo das transacções e da sua evolução e traduzem o controlo da acção individual pela acção colectiva no sentido da sua restrição ou expansão. Este controlo, que é o que em Commons define as instituições, encontra a sua justificação na “escassez” e permite identificar direitos e deveres associados à propriedade e à liberdade sem os quais reinaria a anarquia.

O “going concern”, que acima traduzimos como o ambiente socio-económico e/ou político, onde são aplicadas as mesmas regras operativas (“working rules”), pode ser o Estado, uma empresa ou um grupo de empresas, um sindicato, um grupo de pressão, a família, um clube social, etc. Independentemente da forma que apresentam, estas entidades caracterizam-se por um maior ou menor controlo das acções dos indivíduos pela acção colectiva no sentido quer da sua restrição, quer da sua expansão. Nas palavras de Commons,

“A going concern is a joint expectation of beneficial bargaining, managerial, and rationing transactions, kept together by ‘working rules’ and by control of the changeable strategic or ‘limiting’ factors which are expected to control the others” (Commons, 1934, 2003: 58).

Os conceitos de “transacção”, “working rules”, “going concerns” e “instituição” surgem-nos articulados numa proposta teórica evolucionista que combina mecanismos espontâneos e artificiais. Os fundamentos desta proposta residem, como vimos, na noção de escassez e nas noções derivadas de conflito, dependência e ordem. O resultado é uma Economia Institucionalista que articula noções económicas, éticas e jurídicas e onde o princípio explicativo da acção colectiva no controlo da acção individual assume especial importância:

“Institutional economics takes its place as the proprietary economics of rights, duties, liberties, and exposures, which (…) give to collective action its due place in economic theorizing” (id: 7).

O esforço de Commons no sentido de dotar a Economia Institucionalista de fundamentos teóricos sólidos não impediu que a mesma entrasse em declínio a partir da década de 30 do séc. XX. Hodgson aponta quatro causas desse declínio: a erosão dos seus fundamentos filosóficos e psicológicos (filosofia pragmática e

psicologia instintiva); a ausência de confiança teórica no seio do próprio institucionalismo; o protagonismo do keynesianismo a partir dos anos 30; a “moda” da modelização e da econometria (Hodgson, 2002: 174).

3.2.2. O novo institucionalismo e as linhas de ruptura e de continuidade com o

No documento Economia, direito de propriedade e agricultura (páginas 126-133)