• Nenhum resultado encontrado

A Escola dos Direitos de Propriedade

No documento Economia, direito de propriedade e agricultura (páginas 157-163)

Problemática e enquadramento teórico

3. Contributos da leitura institucionalista

3.4. Da propriedade aos direitos de propriedade

3.4.2. O novo institucionalismo: as externalidades e a concepção instrumental dos direitos de propriedade

3.4.2.2. A Escola dos Direitos de Propriedade

O filão da análise dos direitos de propriedade explorado na década de 70 no contexto do novo institucionalismo é largamente tributário do trabalho de Coase.

Entre os exploradores deste filão estão Demsetz, Alchian, Furubotn e Pejovich e De Alessi. A investigação desta escola tem-se desenvolvido em áreas muito diversas.

A consulta ao índice dos dois volumes de The Economic of Property Rights editado por Pejovich (2001) permite dar conta dessa diversidade: “o desenvolvimento e o significado dos direitos de propriedade em várias culturas, religiões e tradições filosóficas”; “os direitos de propriedade e o direito”; “o

desenvolvimento e as implicações económicas de direitos de propriedade alternativos: propriedade privada, propriedade pública, propriedade comum e propriedade ambígua”; “direitos de propriedade e uso dos recursos”; “direitos de propriedade e desenvolvimento económico”; “direitos de propriedade e reformas económicas na Europa de leste”.

A noção segundo a qual “property matters” é comum a todos estes trabalhos e distancia-os da visão neoclássica que naturaliza a propriedade – estando definida à partida, não precisa de ser explicada. A observação do “mundo real” (embora alguns destes autores recorram a simplificações da realidade nos seus modelos) com “custos de transacção” torna a análise da propriedade uma questão central da Economia. Para Alchian, por exemplo,

“In essence economics is the study of property rights over scarce resources (…). The allocation of scarce resources in a society is the assignment of rights to uses of resources (…) (and) the question of economics, or how prices should be determined, is the question of how property rights should be defined and exchanged, and on what terms. (…), from a practical standpoint, the crucial requirement for the property rights approach is to show that the content of property rights affects the allocation and use of resources in specific and statistically predictable ways” (Alchian citado em Furubotn e Richter, 2001: 72).

As definições de “direitos de propriedade” apresentadas a seguir permitem sublinhar aspectos deste conceito já introduzidos no contexto, quer do velho institucionalismo, quer da referência a Coase, nomeadamente, a noção de direitos enquanto tradução de uma relação interindividual.

O aspecto mais marcante da definição de Alchian - a da responsabilização associada à propriedade - decorre daquela noção. Para este autor, o princípio da “não interferência” deve orientar o exercício do direito de propriedade e manifesta- -se, essencialmente, ao nível dos atributos físicos do objecto apropriado:

“By a system of property rights I mean a method of assigning to particular individuals the ‘authority’ to select, for specific goods, any use from a non- prohibited class of uses. (…). A property right for me means some

protection against other people’s choosing against my will one of the uses of resources, said to be ‘mine’” (Alchian, 1965, 1995: 195).

A noção de responsabilização surge associada à propriedade privada nos seguintes termos:

“Private property, as I understand it, does not imply that a person may use his property in any way he sees fit so long as no one else is ‘hurt’. Instead, it seems to mean the right to use goods (or to transfer that right) in any way to owner wishes so long as the physical attributes or uses of all other people’s property is unaffected” (ibid).

A noção de interdependência dos direitos de propriedade é central também na definição de Demsetz e está associada à ideia de “expectativa”, fundamental na definição de instituição de Commons, e ao conceito de externalidade. Assim, para Demsetz:

“Property rights are an instrument of society and derive their significance from the fact that they help a man form those expectations which can reasonably hold in his dealings with others. These expectations find expression in the laws, customs, and mores of a society. (…). It is important to note that property rights convey the right to benefit or harm oneself or others. (…). It is clear, then that property rights specify how persons may be benefited and harmed, and therefore, who must pay whom to modify the actions taken by persons. The recognition of this leads easily to the close relationship between property rights and externalities” (Demsetz, 1964, 1995: 207).

Um dos temas de investigação da Escola dos Direitos de Propriedade envolve a caracterização das diferentes formas jurídicas de propriedade: privada, pública e comum. Alguns autores (Alchian, 1965; Demsetz, 1967; De Alessi, 1980) concluem pela superioridade económica da primeira forma de propriedade.

As desvantagens da propriedade comunitária em termos da conservação dos recursos, por exemplo, é uma conclusão que prevaleceu durante muito tempo na literatura económica, embora seja possível encontrar opiniões diversas. A análise

dos “comuns” teve o seu ponto alto em 1968, ano da publicação do famoso artigo de Hardin “A tragédia dos comuns”. A tese segundo a qual esta forma de propriedade conduz a uma sobreutilização dos recursos é atribuída pelo próprio Hardin ao economista britânico do séc. XIX William Forster Lloyd. É, no entanto, possível recuar bastante mais no tempo uma vez que existem referências à propriedade comunitária na obra de Aristóteles.

A confusão entre “propriedade comum” e “livre acesso” (“open access”) que está presente no artigo de Hardin vem a ser posteriormente clarificada e é assim contrariada a ideia de ausência de controlo do uso dos recursos no primeiro tipo de propriedade. Pelo contrário,

“Open access refers to a lack of limits on use of a common resource; common property refers to a situation where there are controls over the use of the resource” (Bruce, 1998: 3).

Nalguns casos, como referem Furubotn e Richter, a propriedade comum pode ser a solução mais eficiente:

“Private property is not the only social institution that can encourage efficient use of resources. If exclusion costs are comparatively high, common ownership solutions may be preferable” (Furubotn e Richter, 2001: 101).

O estudo de algumas aldeias japonesas e suíças permitiu demonstrar as vantagens da propriedade comunitária da terra:

“Although yields are relatively low, the land in total has maintained its productivity for many centuries. Overgrazing has been prevented by tight controls. The CRP (Common Pool Resources) not only has been protected but also has been enhanced by investments in weeding and manuring the summer grazing areas and by the construction and maintenance of roads” (Ostrom citada em Furubotn e Richter, 2001: 103).

Nesta escola, o critério da eficiência volta a estar presente noutros dois temas centrais que envolvem os direitos de propriedade: a explicação da sua emergência e evolução histórica.

Sobre o primeiro devem destacar-se os trabalhos de Demsetz (1967, 2002) e de Umbeck (1981); sobre o segundo deve destacar-se o trabalho de North (1981).

No artigo de 1967, sobre a Economia dos Direitos de Propriedade, Demsetz defende que a definição destes é explicada pela internalização das externalidades quando os ganhos são superiores aos custos. O autor fundamenta esta tese a partir da apresentação de um caso que dá conta do estabelecimento de direitos sobre a terra das tribos de índios americanos entre o final do séc. XVII e o início do séc. XVIII na sequência do desenvolvimento do comércio de peles. As externalidades associadas à propriedade comum (“the loss being suffered as a result of the overhunting that accompanies reliance on communal ownership of land”) foram resolvidas através do estabelecimento de direitos privados sobre a terra uma vez que “(…) land rights confer effective control of an area’s animal stock if this stock contains mainly forest animals, since forest animals stay close to ‘home’” (Demsetz, 2002: 656).

Barzel adapta a perspectiva de Demsetz ao estudo do “domínio público”. Para o primeiro autor:

“People choose to exercise rights when they believe the gains from such actions will exceed the costs. Conversely, people fail to exercise rights when the gains from owning properties are deemed insufficient, thus placing or leaving such properties in the public domain. What is found in the public domain, therefore, is what people have chosen not to claim. (…). By their own actions, individuals are able to control and to affect the delineation of their rights over ‘their’ property. Individuals will exercise such control as part of their maximizing process” (Barzel, 1997: 92, 103).

Em 2002, no artigo “Towards a theory of property rights II: the competition between private and collective ownership”, Demsetz completa a sua tese relativa à formação da propriedade privada alargando-lhe o âmbito de forma a adaptá-la ao contexto económico actual que apresenta como “Changing times”. Para além das

externalidades, o autor considera que existem outros factores que podem estar na base daquela formação: “These are the reduced relevance of compact settings, the time-based improvements in productivity, and the increased complexity of resource allocation problems” (Demsetz, 2002: 665).

O número e a proximidade das pessoas envolvidas no problema da afectação de recursos (“compacteness”), assim como os ganhos de produtividade (“productivity”) e de organização (“organizational complexity”), justificarão, de acordo com este autor, a formação da propriedade privada.

A tese de Umbeck sobre a formação e distribuição inicial dos direitos de propriedade é desenvolvida a partir de um modelo que operacionaliza o conceito de “competição” e de “violência” definida como o “tempo de trabalho dispendido pelos indivíduos com o objectivo de excluir os outros da sua terra”. Para ilustrar esta posição, o autor apresenta o caso da corrida ao ouro na Califórnia, com início em 1848.

A preocupação com a eficiência económica continua a marcar o trabalho de North que propõe uma leitura da história do mundo ocidental (primeira revolução industrial -1914) a partir da identificação das mudanças dos direitos de propriedade. Para este autor, a percepção clara da mudança institucional exige, para além de uma teoria dos direitos de propriedade, uma teoria do Estado:

“For the economic historian, the key problems are to explain the kind of property rights that come to be specified and enforced by the state and to explain the effectiveness of enforcement; the most interesting challenge is to account for changes in the structure and enforcement of property rights over time” (North, 1981: 21).

A importância do Estado na Economia dos Direitos de Propriedade é sublinhada também por Furubotn e Pejovich para quem “(…) a theory of property rights cannot be truly complete without a theory of the state” (Furubotn e Pejovich citados em Furubotn e Richter, 2001: 118).

Ainda a propósito do trabalho de North, deve referir-se que a ruptura deste autor com a visão neoclássica se deve ao facto de considerar que os mais importantes

factores de mudança económica correspondem a parâmetros tidos como constantes por parte daquela perspectiva: a tecnologia, a população, os direitos de propriedade e o controlo do Estado sobre os recursos (id: 57). Para além disso, a importância da ideologia nos processos de mudança e de funcionamento dos sistemas de económicos, segundo North, não se coaduna com aquela visão:

“Secular change has occurred not only because of the changing relative process stressed in neoclassical models but also because of evolving ideological perspectives that have led individuals and groups to have contrasting views of the fairness of their situation and to act upon those views” (North, 1981: 58).

A seguinte afirmação de De Alessi permite introduzir também outros factores de mudança institucional, para além da procura de eficiência:

“(…) efficiency considerations alone do not dictate the choice of property rights system. (…). That is, the establishment and enforcement of a specific system of property rights depends not only upon considerations of economic efficiency, but also upon individual preferences and political realities within a community” (De Alessi, 1980, 1995: 246).

Estas últimas referências introduzem uma visão alternativa à visão instrumental dos direitos de propriedade a partir do critério da eficiência, dominante na Escola dos Direitos de Propriedade que tem o contributo fundador de Coase.

É ainda possível encontrar outras perspectivas alternativas relativamente ao tema da propriedade. Entre estas, encontram-se as que procedem a uma revisitação e recuperação do velho institucionalismo, como é o caso do trabalho de Hodgson, que citámos a propósito de temas institucionalistas centrais, e de Bromley. É à obra deste último autor que dedicaremos o próximo e último ponto deste capítulo.

No documento Economia, direito de propriedade e agricultura (páginas 157-163)