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A centralidade do direito de propriedade na discussão do uso agrícola da terra: convicções, interrogações e orientação da pesquisa

Problemática e enquadramento teórico

1. Problemática

1.4. A centralidade do direito de propriedade na discussão do uso agrícola da terra: convicções, interrogações e orientação da pesquisa

A revisão da literatura apresentada no ponto anterior permitiu evidenciar os principais aspectos da reflexão actual em torno da questão agrícola nas economias ocidentais.

Aquela reflexão traduz uma mudança de orientação quanto à função da agricultura e à identidade dos agricultores que resulta essencialmente de duas tendências: o cumprimento dos objectivos relacionados com o aumento da produção e da produtividade por parte da agricultura e a emergência e crescente afirmação de valores sociais associados ao ambiente, ao património, à qualidade e à saúde pública.

A referência aos estudos e propostas de formulação de medidas de política dirigidos à agricultura e ao espaço rural privilegiou a identificação dos principais conceitos envolvidos naquela reflexão, assim como as implicações que estes conceitos envolvem em termos dos modelos e instrumentos de análise a operacionalizar na observação daquelas realidades.

Neste contexto, os conceitos de sustentabilidade e de multifuncionalidade da agricultura e dos espaços rurais impõem-se de forma inequívoca. Deve referir-se que estamos perante conceitos formulados e discutidos em momentos e contextos institucionais diversos e que têm a particularidade de envolver uma dimensão económica, social e ambiental.

No caso da agricultura, a procura de modelos sustentáveis e multifuncionais coloca questões complexas à teoria económica que envolvem, nomeadamente, a discussão em torno das externalidades e da sua forma de resolução. A ausência de consenso nesta discussão decorre, como habitualmente, da adopção de quadros teóricos diversos bem como da diversidade e divergência dos interesses e sistemas de valores em presença.

Relativamente à multifuncionalidade, a par de uma visão convencional que privilegia a intervenção do Estado, encontramos uma posição neo-institucionalista, que admite

a diversidade de soluções institucionais (Estado, mercado, acção colectiva) numa lógica de maximização do resultado económico, e ainda posições mais “radicais”, que criticam o próprio conceito de “falhas de mercado” e a visão dominante na Economia Pública. Esta diversidade de posições teóricas tem implicações nas propostas em termos de formulação de políticas apresentadas por alguns dos trabalhos citados.

É, quanto a nós, possível retirar duas conclusões desta discussão em torno da procura de sustentabilidade e de multifuncionalidade na agricultura: i) a ausência de fórmulas únicas nessa procura - a diversidade do território e dos sistemas agrícolas irá exigir soluções também diversas; ii) a necessidade de uma reflexão crítica sobre alguns dos conceitos económicos mais solicitados naquela discussão, nomeadamente, o conceito de “falhas de mercado” e de “custos de transacção”, assim como sobre as técnicas de avaliação mercantil de bens e serviços ambientais.

A grande importância do controlo dos recursos naturais por parte dos agricultores é um facto que se impõe na observação de algumas variáveis e indicadores de uso agrícola do território. O desencontro entre aquela importância e o contributo da agricultura para o produto e o emprego da economia regista-se para o caso do Continente português, tal como em toda a União Europeia, embora com especificidades regionais.

No contexto das leituras económicas e sociológicas do processo de mudança em curso na agricultura e no território rural, aquele controlo remete para a centralidade dos agricultores naquele processo. É nesse sentido que têm sido desenvolvidos trabalhos que procuram saber quem são e o que pensam os agricultores sobre as (novas) solicitações dirigidas à sua actividade e ao património que controlam. É neste sentido também que a propriedade da terra, mais concretamente o direito de propriedade, se impõe como uma variável incontornável, quer no conhecimento do território, quer na implementação das políticas que têm como destinatários os agricultores e o território rural.

A adopção de uma perspectiva territorial, por oposição a uma perspectiva sectorial, tem permitido revelar a complexidade e a diversidade da realidade agrícola e rural e, nessa medida, evidencia a forma como são detidos os recursos assim como as

normas e os valores que a inspiram. Estes são aspectos que fazem parte das realidades territoriais e devem ser considerados por quem procura conhecer e transformar o território.

É neste contexto que sintetizamos aquelas que são as nossas grandes convicções de partida:

• a importância da agricultura no controlo dos recursos naturais;

• a emergência e afirmação de novos valores associados ao uso desses recursos;

• a importância do conhecimento sobre a forma como esse controlo é feito, ou seja, do direito de propriedade.

A teoria económica apresenta-nos duas alternativas relativamente à abordagem do direito de propriedade: a sua naturalização ou a sua explicitação e análise crítica.

No primeiro caso, o direito de propriedade é concebido como uma variável definida à partida, encontrando-se implícita nas transacções inerentes à actividade económica. No segundo caso, trata-se de uma variável susceptível de autonomização enquanto objecto de estudo no domínio científico da Economia e que permite esclarecer a natureza daquela actividade.

O nosso trabalho insere-se nesta última perspectiva. Consideramos que as decisões de afectação da terra incorporam uma dimensão normativa e, neste sentido, será importante perceber o que é o direito de propriedade e que configuração apresenta, quer do ponto de vista da sua arquitectura, quer do ponto de vista dos valores que o delimitam.

Tal como referimos na Introdução, foi a convicção da centralidade do direito de propriedade para a explicação da forma de afectação da terra no contexto da agricultura que presidiu à orientação da nossa pesquisa, contemplando as seguintes etapas:

• síntese da evolução do tratamento do tema da terra e da propriedade no âmbito da Economia;

• identificação das propostas conceptuais e analíticas que, naquele âmbito, nos parecem mais adequadas para o estudo do direito de propriedade;

• levantamento e análise crítica de informação relativa às normas de uso da terra no contexto da agricultura e para o caso português;

• proposta de novas pistas e perspectivas de investigação sobre o significado e a pertinência cognitiva e política do tema do direito de propriedade da terra.

As diferentes componentes do presente trabalho incorporam os resultados obtidos em cada uma destas etapas. A análise desenvolvida em cada uma delas pretende contribuir para a afirmação da importância do conhecimento das normas (direito de propriedade) relativas ao uso agrícola da terra para a Economia. O próximo capítulo informa-nos sobre a evolução e as principais características das actuais abordagens do tema da terra e da propriedade no âmbito disciplinar da Economia.