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A Lei nº 8.629, de 1993, a qual regulamenta os dispositivos constitucionais relativos à Reforma Agrária, afirma competir à União a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, a qual será executada pelo órgão federal competente.

A entidade competente, no caso, é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), uma autarquia federal criada pelo Decreto-Lei nº 1.110, de 9 de julho de 1970, a quem compete, dentre outras atribuições, promover e executar a reforma agrária e gerenciar a estrutura fundiária do país.

Nos termos do Regimento Interno do INCRA112, destacam-se as atividades de

definição de critérios para fixação da fração mínima de parcelamento e do módulo fiscal;

109 ROCHA, Ibrahim; TRECCANI, Girolamo Domenico; BENATTI, José Heder; HABER, Lilian Mendes;

CHAVES, Rogério Arthur Friza. Manual de Direito Agrário Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 59.

110 CARVALHO, Josué Tomazi; FIDELIS, Junior Divino; MACIEL, Marcela Albuquerque. Direito Agrário. 2.

ed. Salvador: Jus Podium, 2018. p. 38.

111 Objetivos da Reforma Agrária segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Disponível em:

http://www.incra.gov.br/reformaagraria. Acesso em: 30 jul. 2019.

organização e manutenção do cadastro de imóveis rurais, de proprietários e detentores de imóveis rurais, de terras públicas, de arrendatários e parceiros rurais; identificação e classificação dos imóveis que não cumprem a função social da propriedade; promoção das desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária e realização de outras formas de aquisição de terras; criação e implantação de projetos de assentamento de reforma agrária; promoção do acesso à propriedade rural, mediante a distribuição e redistribuição de terras; promoção do aproveitamento sustentável do meio ambiente e dos recursos naturais nos projetos de assentamento da reforma agrária; garantir às famílias assentadas o acesso aos créditos, serviços e infraestrutura básica; e promoção de integração de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável dos projetos de assentamento, objetivando a consolidação do Programa de Reforma Agrária113.

Assim, há uma complexidade na atuação do INCRA, haja vista que as expressões reforma agrária e gestão fundiária englobam uma miríade de atribuições igualmente complexas e que precisam ser concatenadas para a consecução de seus objetivos.

Nessa toada, importante conhecer o processo de criação de um projeto de assentamento e dos mecanismos estatais que lhe garantam a futura autonomia e emancipação, bem como o alcance dessa política pública no Brasil.

O processo de criação de projetos de assentamento pode se iniciar de ofício, por iniciativa do INCRA114, ou por meio de provocações, denúncias ou mesmo ocupações de terras

por movimentos sociais, que a entendem como instrumento legítimo de luta e reivindicação, capaz de acelerar o procedimento.

Na hipótese de ocupação, as famílias de trabalhadores rurais sem terra se instalam de forma precária, ora no interior da propriedade, ora na faixa de domínio da rodovia que a margeia, em barracos e cabanas improvisadas, e passam por toda sorte de privação enquanto aguardam uma decisão administrativa que pode ser favorável ou não, a depender do resultado da atividade de fiscalização agronômica.

Por intermédio da atividade de fiscalização dos imóveis rurais, o INCRA identifica os imóveis não cumpridores de sua função social e promove, em ato conjunto com a União, a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.

Imitido na posse do imóvel, o INCRA cria o Projeto de Assentamento, que é um conjunto de unidades agrícolas independentes entre si, onde antes havia um imóvel pertencente

113 Conforme art. 2º do Regimento Interno.

114 Há a possibilidade de aquisição direta, por compra e venda, segundo os termos do Decreto nº 433, de 24 de

a um único proprietário. Essas unidades são chamadas de parcelas ou lotes, e são distribuídas entre as famílias previamente selecionadas para ingresso no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA)115.

A quantidade de lotes, o tamanho e sua localização, dependem da geografia do terreno e suas condições produtivas, devendo ser capazes de comportar e sustentar uma família de assentados116. Ou seja, o tamanho e a qualidade da parcela devem viabilizar o estabelecimento

e o sustento socioeconômico da família. Em todo caso, a legislação proíbe que os lotes distribuídos tenham área superior a dois módulos fiscais ou sejam inferiores à fração mínima de parcelamento.

As famílias selecionadas pelo INCRA recebem o lote e assinam um contrato de concessão de uso, no qual se comprometem a explorar o imóvel direta e pessoalmente, por meio de sua unidade familiar; não ceder, a qualquer título, a posse ou a propriedade da parcela recebida, ainda que provisória e parcialmente, para uso ou exploração por terceiros; observar a legislação ambiental; observar as diretrizes técnicas, econômicas e sociais definidas pelo INCRA para projeto de assentamento; e firmar o instrumento de titulação definitiva, além de outras cláusulas que possam constar do instrumento contratual.

As cláusulas constantes do contrato de concessão de uso, assim como dos instrumentos de titulação definitiva (concessão de direito real de uso e título de domínio117) são resolutivas,

ou seja, inadimplido o contrato de assentamento, ele se resolve de pleno direito, revertendo o imóvel ao INCRA para nova redistribuição.

Criado o assentamento e escolhidos os beneficiários, é desenvolvido o Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), que é um instrumento de planejamento espacial, social e econômico, realizado com participação das famílias assentadas. Nele, define-se a organização socioespacial do assentamento, com indicação de área de moradia (agrovila), de produção (lotes individuais e/ou coletivos), reserva legal, área comunitária (onde serão erguidos os equipamentos comunitários como a sede da associação, igreja, escola, posto de saúde, campo de futebol, dentre outras estruturas). Esse plano também sugere as atividades produtivas a serem desenvolvidas no assentamento, as ações necessárias ao equilíbrio ambiental e a infraestrutura básica necessária.

115 Extraído de http://www.incra.gov.br/pt/assentamentos.html. Acesso em: 17 fev. 2020. 116 Extraído de http://www.incra.gov.br/pt/assentamentos.html. Acesso em: 17 fev. 2020.

117 Adimplidas as cláusulas do contrato de concessão de uso, e cumpridos certos requisitos, o INCRA titula

definitivamente os assentados. Ainda que definitivos, esses títulos ainda carregam cláusulas resolutivas, as quais necessitam ser declaradas extintas pelo INCRA, para que se possa, por exemplo, negociar livremente a propriedade.

Ante o perfil dos beneficiários, já explanado neste trabalho, notadamente a situação de vulnerabilidade social, é necessária a política de concessão de créditos tanto para a instalação do assentado quanto para o desenvolvimento de atividades produtivas, com foco na geração de renda, bem como o acompanhamento dos assentados por meio de programas de assistência técnica e extensão rural.

Os créditos para a instalação de projetos de assentamento destinados aos beneficiários do PNRA são operacionalizados pelo INCRA.

Há o apoio inicial (ajuda na instalação no projeto e aquisição de itens de primeira necessidade, de bens duráveis de uso doméstico e de equipamentos produtivos); fomento (viabiliza a implementação de projetos produtivos de promoção da segurança alimentar e nutricional e de estímulo à geração de trabalho e renda); fomento mulher (viabiliza a implementação de projeto produtivo sob responsabilidade da mulher titular do lote); semiárido (atende a necessidade de segurança hídrica das famílias assentadas nos projetos de assentamento localizados nas áreas circunscritas ao semiárido); florestal (viabiliza a implementação e a manutenção sustentável de sistemas agroflorestais ou o manejo florestal de lotes e de área de reserva legal); habitacional (viabiliza a construção de habitação rural nos projetos de reforma agrária); e reforma habitacional (viabiliza a aquisição de materiais de construção a serem utilizados na reforma e na ampliação de habitações rurais)118.

Ao lado dos créditos concedidos, compete ao INCRA diretamente, ou em articulação com outros órgãos e entidades, promover a estruturação do projeto de assentamento, fomentando a construção das casas, a construção e complementação das estradas, a eletrificação rural, o saneamento básico (abastecimento de água e esgotamento sanitário) e assistência técnica, propiciando um mínimo de condições para o desenvolvimento dos assentamentos.

Sobre a assistência técnica, a Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, instituiu a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER), por meio da qual definiu a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) como “serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários”119, englobando também atividades

agroextrativistas, florestais e artesanais.

118 Esses créditos e outros são regulamentados pelo Decreto nº 9.424, de 26 de junho de 2018. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Decreto/D9424.htm#art17. Acesso em: 17 fev. 2020.

119 Art. 2º, I, da Lei nº 12.188, de 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-

Por meio da assistência técnica busca-se a promoção do desenvolvimento sustentável, compatível com a exploração racional e adequada dos recursos naturais; a adoção de princípios de agricultura de base ecológica, com enfoque no desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis; o apoio a iniciativas que promovam as potencialidades e vocações locais; o aumento da produção, em termos de qualidade e quantidade, aumentando a renda dos beneficiários e agregando valor a sua produção; a promoção da melhoria da qualidade de vida dos beneficiários; o auxílio na gestão dos negócios; e contribuir para a soberania e segurança alimentar.

O ciclo de vida do assentamento termina quando esse se dota de autonomia e é emancipado, ocasião na qual o beneficiário torna-se proprietário da terra.

Vistos esses aspectos introdutórios do funcionamento e operacionalização da reforma agrária e política de desenvolvimento agrário, é mister perceber o alcance dessa política pública no território nacional e no Estado do Rio Grande do Norte.

Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), desde o início do Programa Nacional de Reforma Agrária foram assentadas, no Brasil, 1.348.484 famílias. Hoje, essa política beneficia 973.451 famílias em 9.437 assentamentos criados, os quais somam 87.953.588 hectares de área reformada120.

No Brasil, 618.242 famílias assentadas eram cadastradas no CadÚnico, sendo 382.899 famílias beneficiadas pelo programa Bolsa Família121 e 344.367 famílias com renda per capita

inferior a R$77,00122, o que caracteriza pobreza extrema123.

Os contratos de ATER beneficiaram 2.865 projetos de assentamento (184.114 famílias).

Dados apontam que 2.246 projetos de assentamento se encontram na região do semiárido, englobando 116.976 famílias em 4.665.101,25 hectares124.

120 Disponível em: http://www.incra.gov.br/pt/reforma-agraria.html. Acesso em: 17 fev. 2020.

121 Trata-se de programa destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades, criado pela Lei nº

10.836, de 9 de janeiro de 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004- 2006/2004/Lei/L10.836.htm. Acesso em: 17 fev. 2020.

122 Disponível em: http://painel.incra.gov.br/sistemas/index.php. Acesso em: 17 fev. 2020.

123 Nos termos do Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, atualizado pelo Decreto nº 8.232, de 30 de abril

de 2014, considerava-se famílias extremamente pobres as que possuem renda familiar por pessoa de até R$ 77,00, e pobres as com renda familiar por pessoa de até R$ 157,00. Atualmente esses valores são R$89,00 e 178,00, conforme Decreto nº 9.396, de 30 de maio de 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5209.htm. Acesso em: 17 fev. 2020.

No Estado do Rio Grande do Norte, existem 19.884 famílias assentadas em 298 projetos de assentamento em área que soma 529.525,09 hectares de área reformada125.

Em relação ao número de famílias inscritas no CadÚnico, essas somam 16.112, sendo 9.827 famílias beneficiadas pelo Bolsa Família e 8.779 em situação de extrema pobreza.

Os contratos de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) beneficiaram 12 projetos de assentamento (945 famílias).

Dados apontam que 275 projetos de assentamento se encontram na região do semiárido, englobando 18.496 famílias em 511.498,28 hectares126.

Sobre os aspectos qualitativos, o INCRA publicou resultado de pesquisa elaborada no ano de 2010, intitulada “Pesquisa sobre a Qualidade de Vida”127, na qual buscou retratar a

qualidade de vida das 804.867 famílias assentadas entre 1985 e 2008 em todo o Brasil. As entrevistas com as 16.153 famílias de assentados ocorreram em 1.164 projetos de assentamento em todas as unidades da federação128.

Dentre as características gerais da população assentada, cerca de 53% são do sexo masculino e 47% do sexo feminino. O tamanho médio das famílias é de 4 indivíduos. Mais de 57% possuem menos de 30 anos de idade.

Quanto à escolaridade, cerca de 16% não é alfabetizada, e 43% possuem da primeira à quarta série. Ensino médio completo possuem 5,23% dos entrevistados. Nível superior completo apenas 0,5% do total.

Cerca de 78% possuem acesso à água. Quanto ao saneamento, cerca de 1% é atendido por rede de esgoto e 75% possuem algum tipo de fossa (séptica, negra ou simples).

Possuem energia elétrica o ano todo 43,86%. Não a possuem 23,52% dos entrevistados. A energia é intermitente para 32,62%.

A avaliação das estradas é tida por péssima para 42,17% e ruim para 15,72% dos assentados.

O acesso a hospital ou posto de saúde é tido por péssimo para 27,65% dos entrevistados e ruim para 28,09%.

125 Dados atualizados em 31 de dezembro de 2017. Disponível em: http://painel.incra.gov.br/sistemas/index.php.

Acesso em: 17 fev. 2020.

126 Dados atualizados em 31 de dezembro de 2017. Disponível em: http://painel.incra.gov.br/sistemas/index.php.

Acesso em: 17 fev. 2020.

127 Disponível em: http://pqra.incra.gov.br/. Acesso em: 17 fev. 2020.

Contudo, questionados sobre uma melhora de vida, ao comparar a situação anterior ao ingresso no PNRA, com a situação posterior ao ingresso, as respostas dos entrevistados apontam para uma significativa melhora de qualidade de vida.

Conclusão semelhante consta do II Plano Nacional de Reforma Agrária129, de 2005,

que ao comparar a situação presente com a pretérita das famílias assentadas, constata uma melhoria nas condições de vida.

Esse Plano Nacional critica as políticas anteriores, responsáveis pela criação de assentamentos isolados, sem que tivessem sido criadas as condições apropriadas para o seu desenvolvimento (produção, comercialização, ações de educação), o que explicaria a pouca efetividade e a geração de um passivo ambiental, produtivo e social.

Entretanto, a despeito das críticas, constata-se que a criação dos projetos de assentamento promoveu transformações econômicas, políticas e sociais tanto aos assentados quanto à região e instituições locais: dinamização econômica dos municípios, processo produtivo mais diversificado, aumento na oferta de produtos. Os assentados ganharam renda, tornaram-se consumidores, e passaram a ser valorizados pela população urbana local.

129 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. II Plano Nacional de Reforma Agrária: Paz, Produção e

Qualidade de Vida no Meio Rural. 2005. Disponível em:

3 PLURIATIVIDADE NO CAMPO: O NOVO RURAL E O IMPACTO DE