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3 PLURIATIVIDADE NO CAMPO: O NOVO RURAL E O IMPACTO DE

3.1 LINHAS DE TRANSMISSÃO

No Manual de Controle Patrimonial do Setor Elétrico (MCPSE)147, define-se

transmissão como o “transporte de energia elétrica do sistema produtor às subestações distribuidoras, ou na interligação de dois ou mais sistemas geradores”148-149.

A linha de transmissão é a “linha elétrica destinada à transmissão de energia elétrica”150.

A transmissora é a “pessoa jurídica titular de concessão ou permissão de transmissão para exploração e prestação dos serviços públicos de transmissão de energia elétrica exclusivamente de forma regulada”151.

146 Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods2/. Acesso em: 13 maio 2020. 147 Aprovado pela Resolução Normativa ANEEL Nº 674, de 11 de agosto de 2015.

148 ANEEL. Manual de Controle Patrimonial do Setor Elétrico. Brasília: ANEEL, 2015. p. 166.

149 “Compreende também o transporte pelas linhas de subtransmissão ou de transmissão secundária que existirem

entre as subestações de distribuição. Pode ainda compreender o fornecimento de energia a consumidores em alta tensão, mediante suprimentos diretos das linhas de transmissão e subtransmissão”. In: ANEEL. Manual de Controle Patrimonial do Setor Elétrico. Brasília: ANEEL, 2015. p. 166.

150 ANEEL. Manual de Controle Patrimonial do Setor Elétrico. Brasília: ANEEL, 2015. p. 159. 151 ANEEL. Manual de Controle Patrimonial do Setor Elétrico. Brasília: ANEEL, 2015. p. 167.

Há casos em que o traçado da linha de transmissão, por motivos técnicos, necessita atravessar a área ocupada por um projeto de assentamento da reforma agrária.

Juridicamente, o ordenamento jurídico traz uma solução para que se constitua a servidão administrativa de passagem da linha de transmissão. É que nos termos do Decreto nº 35.851, de 16 de julho de 1964152, as concessões para a transmissão e distribuição de energia

elétrica conferem ao titular o direito de instituir as servidões administrativas necessárias para o estabelecimento das respectivas linhas de transmissão e de distribuição.

Nas palavras de Carvalho Filho, a “servidão administrativa é o direito real público que autoriza o Poder Público a usar a propriedade imóvel para permitir a execução de obras e serviços de interesse coletivo”153. Há a imposição de um prédio (dominante) em favor do outro,

pertencente a dono diverso (serviente) que se obriga a tolerar o uso do favorecido para aquela finalidade. Ou seja, conserva-se a propriedade, mas se tolerarão as restrições ao seu uso.

A instituição da servidão depende de prévia expedição, pelo Poder Executivo, de decreto de utilidade pública das áreas destinadas à passagem da linha de transmissão, que funciona como instrumento de liberação fundiária. Expedido o decreto, a servidão será constituída mediante escritura pública.

O procedimento de constituição da servidão de passagem é o descrito no Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, o qual dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública. É que essa lei determina que o expropriante poderá constituir servidões, na forma dessa lei, mediante indenizações.

Nos termos da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, compete à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) declarar a utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica.

É de se observar que a servidão administrativa adquire especial feição quando o prédio serviente é pertencente à União (ainda que de titularidade do INCRA, no caso dos projetos de assentamento), e deve ceder frente a outro interesse da própria União (ainda que mediante delegação, mas de interesse público). A resolução desse aparente conflito deve ser estritamente técnica, por meio da constatação ou não da compatibilidade dos interesses, ou seja, a coexistência harmônica, sem que uma atividade inviabilize ou onere excessivamente a outra.

152 O qual regulamenta o art. 151 do Código de Águas (Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934).

153 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

No caso das linhas de transmissão, a servidão implica o direito de praticar todos os atos de construção, manutenção, conservação e inspeção dessas linhas, bem como o acesso à área de servidão, por meio do prédio serviente, desde que necessário.

O titular do prédio serviente deverá limitar o gozo da área afetada às atividades compatíveis com a existência da linha de transmissão, abstendo-se de praticar quaisquer atos que lhe embaracem o uso ou sejam suscetíveis de lhe causar danos. A legislação exclui expressamente a possibilidade de erguer construções ou fazer plantação de elevado porte, sendo comum que o decreto de utilidade pública para fins de servidão estabeleça limites para as construções ou plantações em faixas de terras paralelas à servidão. O transmissor poderá, por conta própria, podar quaisquer árvores que ameacem as linhas de transmissão.

Para casos como o presente (interesses públicos concorrentes), a Resolução Normativa ANEEL nº 740, de 11 de outubro de 2016, a qual estabelece os procedimentos gerais para requerimento de Declaração de Utilidade Pública de áreas necessárias à implantação de instalações de geração e transporte de energia elétrica, estabelece uma solução.

Quando a decretação de utilidade pública recai sobre bens privados, ela fundamenta a intervenção na propriedade, permitindo a instituição da servidão ou a desapropriação. Quando recai sobre bens públicos, ela denota afetação específica para fins de energia elétrica e possibilita ao interessado postular os instrumentos que permitam o pretendido uso.

Assim, definido o concessionário para a exploração e prestação do serviço público de transmissão de energia elétrica, e publicado o decreto de utilidade pública para fins de instalação das linhas de transmissão154, cabe à pessoa jurídica transmissora apresentar o projeto

do traçado da linha de transmissão que atravessará o assentamento, ao INCRA, para fins de instituição da servidão de passagem por escritura pública.

O INCRA analisará a sobreposição do traçado da linha de transmissão sobre o projeto de assentamento e constatará a área efetivamente atingida: agrovila, lotes individuais, lotes coletivos, área de reserva legal, dentre outras. Definida a área sobreposta, compete à autarquia fundiária estudar os impactos da linha de transmissão sobre a viabilidade do projeto de assentamento.

Acaso perpasse área sensível, a exemplo da agrovila (local de habitação), deve ser requerida à empresa transmissora a alteração do traçado.

Constatada que não impossibilitará a continuidade do projeto de assentamento, deve o INCRA requerer da transmissora as indenizações decorrentes dos danos e das restrições ao

direito de gozo. É que a legislação155 garante expressamente aos proprietários das áreas

impactadas pelas linhas de transmissão o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos e pelas restrições ao direito de gozo, tal qual uma norma de responsabilidade civil, ficando o autor do dano obrigado a repará-lo.

Em linhas de transmissão comumente se observa que o traçado perpassa por lotes individuais de diversos beneficiários do projeto de assentamento. Nesses casos, cumpre à transmissora apurar o valor dos danos e restrições de cunho individual (critério da justa indenização) e quitá-los diretamente aos assentados.

Lado outro, há a indenização devida ao proprietário, correspondente à perda do valor do imóvel decorrente das restrições a ele impostas156. Nesse caso, o proprietário do projeto de

assentamento é o INCRA.

Contudo, observa-se que na prática, o INCRA tem destinado esse valor aos próprios assentados para, por meio de suas respectivas associações, aplicarem em projetos para o desenvolvimento do assentamento. É que a existência do empreendimento causa externalidades negativas ao assentamento como um todo, onerando o cumprimento dos contratos de assentamento. Logo, entende-se razoável e justa a repartição desse valor em benefício da comunidade impactada.

Por fim, muito embora o empreendimento (linhas de transmissão) seja permanente, as indenizações deles decorrentes (no geral de baixo valor) não são devidas enquanto vingar a atividade, mas quitadas de uma única vez, antes da assinatura da escritura pública de servidão de passagem, não representado significativo investimento no desenvolvimento do projeto de assentamento.