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3 PLURIATIVIDADE NO CAMPO: O NOVO RURAL E O IMPACTO DE

3.2 EXPLORAÇÃO MINERÁRIA

Até o advento da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934, os recursos minerais pertenciam ao proprietário do solo157, numa compreensão unitária da

propriedade dos recursos minerais.

Com a referida Constituição, assegurou-se que as minas e demais riquezas do subsolo constituem propriedade distinta do solo para efeitos de exploração e aproveitamento industrial.

155 Decreto nº 35.851, de 1964, em seu art. 5º.

156 Em geral, calculada pela diferença entre as avaliações do imóvel original e do imóvel serviente, na mesma data

de referência, com consideração de circunstâncias especiais, tais como alterações de uso, ocupação, acessibilidade e aproveitamento, dentre outras.

A Carta Política expressamente nomina bens da União os recursos minerais, inclusive os do subsolo (art. 20, IX) e reforça o entendimento acima apontado no sentido de que as jazidas e demais recursos minerais constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra, e ao proprietário do solo uma participação nos resultados da lavra.

A mineração é a atividade de extração de minerais existentes em rochas ou no solo para aproveitamento econômico. É considerada atividade primária, cujo produto comumente torna-se matéria-prima para a indústria secundária. O ciclo de vida do setor mineral compreende as atividades de pesquisa, mineração e transformação mineral158.

A localização dos recursos minerais costuma ser de difícil acesso e com distribuição geográfica irregular. Cada jazida159 apresenta suas especificidades em termos de quantidade e

qualidade, cujo projeto de exploração exige longo prazo de maturação e escala de produção pouco flexível, com alta dependência de esquemas logísticos em operação complexa160.

A exploração mineral ainda é regulada, em boa parte (e naquilo que não conflita com a Constituição Federal e normas mais recentes) pelo Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Minas). Esse diploma regula os direitos sobre as massas individualizadas de substâncias minerais ou fósseis, encontradas na superfície ou no interior da terra, e disciplina o seu regime de aproveitamento.

Com a separação entre a propriedade do solo e do subsolo estabelecida constitucionalmente, o Código de Minas criou o que se denomina direito de prioridade, o qual estabelece em favor do primeiro a requerer a área, a prioridade de pesquisa em área livre (e eventualmente o direito de exploração)161.

Por meio da atividade de pesquisa, define-se a jazida, sua avaliação e a exequibilidade de seu aproveitamento econômico. Uma vez pesquisada a área e, sendo tecnicamente e financeiramente viável a exploração, será requerida a autorização de lavra ao órgão competente. Nesse sentido, determina o Código de Minas que a área de lavra deve ser a adequada à condução técnico-econômica dos trabalhos de extração e beneficiamento, respeitados os limites da área de pesquisa. Assim, deve o interessado apontar denominação e descrição da

158 DIAS, C. F. de S.; MANCIN, R. C.; PIOLI, M. S. M. de B. (Orgs). Gestão para a sustentabilidade na

mineração: 20 anos de história. 1. ed. Brasília: IBRAM, 2013. p. 31.

159 Nos termos do art. 4º do Código de Minas, “considera-se jazida toda massa individualizada de substância

mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no interior da terra, e que tenha valor econômico; e mina, a jazida em lavra, ainda que suspensa”.

160 DIAS, C. F. de S.; MANCIN, R. C.; PIOLI, M. S. M. de B. (Orgs). Gestão para a sustentabilidade na

mineração: 20 anos de história. 1. ed. Brasília: IBRAM, 2013. p. 32.

localização do campo pretendido para a lavra, a definição gráfica da área pretendida, as servidões de que deverá gozar a mina, o plano de aproveitamento econômico da jazida, com descrição das instalações de beneficiamento e o método de mineração a ser adotado.

O dimensionamento das instalações e equipamentos devem ser condizentes com o plano de aproveitamento da jazida e apresentar previsão de ampliações futuras.

Em relação ao proprietário do solo, a legislação determina que ele não poderá se opor à exploração, ao contrário, deve tolerá-la. Isso se deve à constituição da servidão minerária, espécie de servidão administrativa, a qual pode ser constituída tanto na área de jazida como em áreas limítrofes ou vizinhas, desde que necessárias ao adequado aproveitamento da mina, ou seja, para as áreas de cava e para as estruturas acessórias162. Ela se institui em favor do

aproveitamento da jazida, e não ao seu titular163.

Em face da sujeição do proprietário, a legislação lhe garante compensações. Fará jus à percepção de indenização prévia do valor da área ocupada e em face dos prejuízos da ocupação, bem como renda pela ocupação do terreno em face das servidões constituídas.

Sobre o produto da mineração, o titular do domínio tem direito constitucionalmente previsto à participação nos resultados da lavra164, definida pela legislação no importe de

cinquenta por cento do valor total devido aos Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da administração direta da União, a título de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM)165. O pagamento deve ser feito mensalmente166.

Contudo, quando a pesquisa e exploração ocorrer em imóvel público, a legislação dispensa o pagamento da renda, ficando o titular da pesquisa sujeito ao pagamento dos danos e prejuízos ocasionados. O pagamento da participação nos resultados da exploração continua devido, acaso a extração ocorra na área pública.

O Código de Minas prevê expressamente (art. 42) que a autorização poderá ser recusada quando a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração pretendida, a critério do Estado.

162 Nos termos do art. 59 do Código de Minas, em rol exemplificativo, instituem-se servidões para a construção de

oficinas, instalações, obras acessórias e moradias; abertura de vias de transporte e linhas de comunicações; captação e adução de água necessária aos serviços de mineração e ao pessoal; transmissão de energia elétrica; escoamento das águas da mina e do engenho de beneficiamento; abertura de passagem de pessoal e material, de conduto de ventilação e de energia elétrica; utilização das aguadas sem prejuízo das atividades pré-existentes; e bota-fora do material desmontado e dos refugos do engenho.

163 FEIGELSON, Bruno. Curso de Direito Minerário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 264.

164 Historicamente se interpreta essa participação como uma compensação pela perda do direito de preferência na

exploração do recurso mineral, ante a mácula ao princípio da propriedade

165 Nos termos da Lei nº 13.575, de 26 de dezembro de 2017, a CFEM é regulada, fiscalizada e arrecadada pela

Agência Nacional de Mineração (ANM).

Trata-se do bloqueio minerário, o qual serve de instrumento para compatibilizar a mineração com outras atividades de interesse público. Contudo, só haverá conflito se a coexistência entre as atividades for inviável, com a superação da utilidade do aproveitamento mineral e em face do outro interesse público existente. Caso contrário, deve-se buscar o desenvolvimento sustentável de ambas atividades167. Em todo caso, devem ser ouvidos todos

os envolvidos nesse processo.

Com efeito, e como já comentado, ante a irregularidade geográfica da distribuição mineral, é possível que a riqueza mineral incida sobre um projeto de assentamento da reforma agrária, o que leva à análise da compatibilidade entre essas duas atividades, ambas de sede constitucional, e que correspondem a algum interesse público, e as consequências dela, decorrente da natural e permanente convivência entre a comunidade assentada e o projeto de exploração mineral.

Com efeito, a Constituição Federal não cria hierarquia da exploração minerária sobre a reforma agrária. Ambos estão em um mesmo patamar normativo168. Logo, não compete aqui

determinar qual interesse público deve ser atendido, em face da rigidez locacional, mas averiguar a possibilidade de atendimento dos interesses públicos, uma vez que a atividade de mineração, em que pesem os inegáveis impactos ambientais169, é atividade hábil à geração de

emprego e renda, e de tributos para a localidade, promoção da inclusão social, qualificação da mão de obra local, promoção das capacidades de fornecedores locais, suprir as necessidades da sociedade por produtos de base mineral, levar infraestrutura à localidade minerária e entorno, de estímulo à inovação e, enfim, pode contribuir para a melhoria de qualidade de vida da população, desde que se paute por uma lógica de desenvolvimento sustentável e se confira um maior rigor aos processos de licenciamento ambiental.

Acerca da convivência entre agricultura sustentável e mineração, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) elaborou um atlas, no qual mapeia os

167 FEIGELSON, Bruno. Curso de Direito Minerário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 140.

168 ROCHA, Olímpio de Morais. Projetos de reforma agrária via desapropriação social e exploração mineral:

diálogos jurídicos possíveis. In: BRUZACA, Ruan Didier.; CUNHA, Belinda Pereira da; MELO, Melissa Ely (orgs.). Direito, ambiente e complexidade: estudos em homenagem ao Ministro Herman Benjamin. Jundiaí: Paco Editorial, 2018. E-book versão Kindle.

169 “Antes da instalação de grandes empreendimentos e mineração, são frequentes as promessas de criação de

empregos, melhorias nas condições de vida, dinamização da economia e crescimento. Contrastando com esse discurso, depois chegam os impactos negativos: poluição, adoecimento da população, alteração de paisagens, biomas e modos de vida das comunidades atingidas, remoções, contaminações de cursos d’água, assoreamento, inchaço populacional durante o período de obras, especulação imobiliária e até trabalho escravo, dentre outros”. In: VARÃO, Lorena Lima Moura. O avanço da mineração em territórios quilombolas e a reapropriação social da natureza. In: BRUZACA, Ruan Didier.; CUNHA, Belinda Pereira da; MELO, Melissa Ely (orgs.). Direito, ambiente e complexidade: estudos em homenagem ao Ministro Herman Benjamin. Jundiaí: Paco Editorial, 2018. E-book versão Kindle.

objetivos do desenvolvimento sustentável na mineração e expõe exemplos de convivência harmônica e proveitosa entre os empreendimentos: gestão e compartilhamento da água, projetar a infraestrutura com benefícios compartilhados para a agricultura, manter terras agrícolas e gado livres de contaminação e poeira, colaborar com a comunidade para abordar desafios comuns à fome, desnutrição, gestão de recursos agrícolas e naturais, compartilhar os estudos de base geoquímica (qualidade do solo) para melhorar a produtividade e eficiência da lavoura, financiamento de programas de extensão agrícola ou de aquisição de melhores equipamentos e fertilizantes, dentre outros170.

Em outras palavras, a questão da coexistência entre esses empreendimentos resume-se a uma questão de precedência e de técnica.

Pré-existente à exploração mineral na localidade, recomenda-se a não desapropriação dessa área específica, ante o fato de que a Lei nº 8.629, de 1993, define como não aproveitáveis as áreas sob efetiva exploração mineral (art. 10).

Contudo, se o interesse pela exploração mineral incidir sobre projeto de assentamento criado, deve o órgão agrário responsável pelo programa ser munido de todas as informações atinentes ao projeto de exploração minerária a fim de averiguar o impacto da atividade em face dos objetivos do projeto de assentamento.

Acaso verifique impedimento, compete-lhe solicitar o bloqueio minerário da área. Caso contrário, deve buscar garantir, notadamente junto ao processo de licenciamento ambiental que todos os impactos socioeconômicos e ambientais da exploração mineral sobre o assentamento sejam reparados. Na prática, essa convivência só tem sido possível em explorações minerais de pequeno porte.

A mitigação desses impactos deve ocorrer sem prejuízo das obrigações impostas ao titular do direito de pesquisa ou exploração, consistente no dever de indenizar todos os prejuízos sofridos pelos assentados, bem como pelo pagamento ao proprietário dos resultados da exploração mineral.

Contudo, o proprietário do solo é o INCRA e, a exemplo do que ocorre para as linhas de transmissão, tem-se entendido que essa exploração de riquezas do solo deve vir em benefício da comunidade de assentados. Assim, tem-se destinado esse valor do resultado da participação do proprietário nos resultados da exploração à associação do assentamento impactado, a fim de que seja aplicado em projetos estruturantes na comunidade (projetos de desenvolvimento e projetos produtivos).

170 PNUD. Atlas: mapeando os objetivos de desenvolvimento sustentável na mineração. [S. l.]: PNUD, 2016. p.

Diferentemente do que ocorre com as linhas de transmissão, o fluxo de recursos é contínuo enquanto durar a exploração, e pode significar razoável investimento na comunidade ao longo do tempo.