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Exploração de energia eólica em projetos de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO

LÍVIO COÊLHO CAVALCANTI

EXPLORAÇÃO DE ENERGIA EÓLICA EM PROJETOS DE ASSENTAMENTO DO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA

NATAL/RN 2020

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EXPLORAÇÃO DE ENERGIA EÓLICA EM PROJETOS DE ASSENTAMENTO DO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Yanko Marcius de Alencar Xavier e coorientação do Prof. Dr. Fabrício Germano Alves.

NATAL/RN 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas – CCSA

Cavalcanti, Lívio Coêlho.

Exploração de energia eólica em projetos de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária / Lívio Coêlho Cavalcanti. - 2020.

131f.: il.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2020.

Orientador: Prof. Dr. Yanko Marcius de Alencar Xavier. Coorientador: Prof. Dr. Fabrício Germano Alves.

1. Função Social da Propriedade - Dissertação. 2. Reforma Agrária - Dissertação. 3. Aproveitamento Eólico - Dissertação. 4. Projetos de Assentamento - Dissertação. I. Xavier, Yanko Marcius de Alencar. II. Alves, Fabrício Germano. III. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título.

RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 347.233

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EXPLORAÇÃO DE ENERGIA EÓLICA EM PROJETOS DE ASSENTAMENTO DO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Yanko Marcius de Alencar Xavier e coorientação do Prof. Dr. Fabrício Germano Alves.

Aprovado em 03/09/2020.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Dr. Yanko Marcius de Alencar Xavier - UFRN

Presidente

__________________________________________ Prof. Dr. Fabrício Germano Alves - UFRN

___________________________________________ Prof. Dra. Patrícia Borba Vilar Guimarães - UFRN

___________________________________________ Prof. Dr. Victor Rafael Fernandes Chaves – TCE-RN

___________________________________________ Prof. Dr. Luiz Felipe Monteiro Seixas – UFERSA

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Aos meus pais, Majela e Regina. Aos meus filhos, Theo e Martin. Aos meus irmãos Igor, Bruno e Diego. À minha esposa, Bella.

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A Deus, sobre todos os homens e sobre todas as coisas, responsável pelo dom da vida e realização das coisas impossíveis.

A meus pais, que sempre valorizaram a educação como meio para alcançar os meus sonhos, e que investiram todo o tempo que lhes era disponível na criação e educação de qualidade de seus quatro filhos, com compromissos éticos, de respeito, amor e vivência.

A meus filhos Theo e Martin, que representam (simbolicamente e temporalmente) o início e o fim deste Mestrado. Juntos com minha Bella, são as razões para perseverar nos momentos de dificuldades.

Ao meu orientador, Dr. Yanko Marcius de Alencar Xavier e coorientador Dr. Fabrício Germano Alves pelo apoio, amizade e preciosas orientações.

Aos amigos da Procuradoria Federal, Bráulio Gomes Mendes Diniz e Thiago Murilo Nóbrega Galvão, incentivadores deste projeto.

Aos professores Maria dos Remédios, Artur Cortez Bonifácio, Erick Pereira, Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave e Patrícia Borba Vilar Guimarães, Ivan Lira de Carvalho, pelas disciplinas ministradas durante o mestrado e que certamente contribuíram para o embasamento teórico desta dissertação.

Aos amigos que fiz no mestrado e que proporcionaram inúmeras discussões que me auxiliaram na construção desta tese.

À Advocacia-Geral da União e à Escola da Advocacia-Geral da União, pela preocupação constante na formação técnica dos membros da AGU.

À Superintendência do INCRA no Estado do Rio Grande do Norte, onde atualmente exerço meu mister, pelas experiências proporcionadas e pelas amizades conquistadas.

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“Ontem, os Códigos; hoje, as Constituições. A revanche da Grécia sobre Roma, tal como se deu, em outro plano, na evolução do direito de propriedade, antes justificado pela origem, agora legitimado pelos fins: a propriedade que não cumpre sua função social não merece proteção jurídica qualquer”. (GRAU, Eros Roberto. Discurso de agradecimento pronunciado no IAB, na solenidade de entrega da Medalha Teixeira de Freitas, em 26 de março de 2003).

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mecanismo hábil a emancipar as classes menos favorecidas, mediante o estabelecimento de moradia em meio ambiente sadio e equilibrado, de meios para a geração de renda e de oportunidades de trabalho, e de aumentar a quantidade de liberdades de que essas pessoas desfrutam, objetivou-se, na presente dissertação, analisar a possibilidade jurídica de coexistência entre o Projeto de Assentamento e o aproveitamento de recurso eólico em seu interior e, em caso positivo, verificar se essa exploração econômica pode impulsionar o desenvolvimento e a autonomia do projeto de assentamento. Entretanto, a ausência de competência institucional do INCRA para fomentar ou explorar empreendimento eólico, bem como a inexistência regulamentação legal específica para a exploração eólica em projetos de assentamento aparecem como empecilhos a essa atividade nos assentamentos. Nesse contexto, hoje algumas comunidades de assentados estão envoltas por usinas eólicas, e veem a paisagem ao redor se transformar, sem que aufiram qualquer benefício dessa situação. Assim, relevantes novas abordagens e interpretações do Direito em busca de soluções para os desafios decorrentes das inovações tecnológicas, que nem sempre são acompanhadas da adequada e suficiente regulação. Para tanto, expõe-se o conceito de Reforma Agrária, o seu histórico, seus princípios, público-alvo e a função emancipatória que pode assumir, com foco no princípio da função social da propriedade, igualdade e dignidade da pessoa humana. Para melhor desenvolvimento, a metodologia adotada foi a teórico-jurídica, com pesquisa bibliográfica, documental e estudo de caso. Ao fim, afirma-se a viabilidade jurídica de incentivar a Reforma Agrária por meio do instrumento da concessão onerosa de uso de áreas de projetos de assentamento para fins de implantação de Parque Eólico e se apresenta um modelo viável de exploração.

Palavras-chave: Função Social da Propriedade. Reforma Agrária. Aproveitamento Eólico. Projetos de Assentamento.

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Based on the consideration of public policy on Agrarian Reform and Rural Development as a skillful mechanism to emancipate the less favored classes, through the establishment of housing in a healthy and balanced environment, means for generating income and job opportunities, and increase the amount of freedoms that these people enjoy, the objective of this dissertation was to analyze the legal possibility of coexistence between the Settlement Project and the use of wind resources within it and, if so, to verify whether this economic exploration can boost the development and autonomy of the settlement project. However, INCRA's lack of institutional competence to pomote or exploit wind farms, as well as the lack of specific legal regulations for wind farms in settlement projects, appear as obstacles to this activity in settlements. In this context, today some communities are surrounded by wind farms, and they see the landscape around them transform, without benefiting from this situation. Thus, relevant new approaches and interpretations of Law in search of solutions to the challenges arising from technological innovations, which are not always accompanied by adequate and sufficient regulation. For that, the concept of Agrarian Reform is exposed, its history, its principles, target audience and the emancipatory function it can assume, focusing on the principle of the social function of property, equality and dignity of the human person. For better development, the methodology adopted was theoretical-legal, with bibliographic, documentary research and case study. In the end, the legal feasibility of encouraging Agrarian Reform through the instrument of the onerous concession of use of settlement project areas for the purposes of implementing the Wind Farm is affirmed and a viable exploration model is presented.

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ANP Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica

ATER Assistência Técnica e Extensão Rural

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária CGE

CadÚnico

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal CELPE Companhia Energética de Pernambuco

CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais

COSERN Companhia Energética do Rio Grande do Norte EPE Empresa de Pesquisa Energética

LER Leilão de Energia de Reserva

PDA Plano de Desenvolvimento de Assentamento

PNATER Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária

PNRA Programa Nacional de Reforma Agrária PROEÓLICA Programa Emergencial de Energia Eólica

PROCERA Programa Especial de Crédito para Reforma Agrária

Proinfa Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar SIN Sistema Interligado Nacional

SIPRA Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária TCU Tribunal de Contas da União

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2 REFORMA AGRÁRIA E ESTRUTURA FUNDIÁRIA NO BRASIL: HISTÓRICO,

CONCEITO, OBJETIVOS E NÚMEROS...17

2.1 HISTÓRICO DA REFORMA AGRÁRIA E ESTRUTURA AGRÁRIA BRASILEIRA...18

2.2 A ESTRUTURA AGRÁRIA BRASILEIRA EM NÚMEROS ... 26

2.3 CONSTITUIÇÃO, DEMOCRACIA E REFORMA AGRÁRIA ... 30

2.4 CONCEITO, PRINCÍPIOS E OBJETIVOS DA REFORMA AGRÁRIA ... 33

2.5 A REFORMA AGRÁRIA ENQUANTO DIREITO EMANCIPADOR DAS CLASSES POPULARES ... 39

2.6 A REFORMA AGRÁRIA E OS PROJETOS DE ASSENTAMENTO ... 44

3 PLURIATIVIDADE NO CAMPO: O NOVO RURAL E O IMPACTO DE EMPREENDIMENTOS MINERAIS E ENERGÉTICOS ... 51

3.1 LINHAS DE TRANSMISSÃO ... 57

3.2 EXPLORAÇÃO MINERÁRIA ... 60

3.3 EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL: O CASO CASQUEIRA ... 65

3.4 ENERGIA EÓLICA: UMA ALTERNATIVA DE SUSTENTABILIDADE ... 72

4 APROVEITAMENTO EÓLICO EM PROJETOS DE ASSENTAMENTO DO INCRA: OPORTUNIDADE DE DESENVOLVIMENTO...81

4.1 VIABILIDADE JURÍDICA DO APROVEITAMENTO DE POTENCIAL EÓLICO EM PROJETOS DE ASSENTAMENTOS DA REFORMA AGRÁRIA ... 86

4.2 O CASO DO PROJETO DE ASSENTAMENTO ZUMBI/RIO DO FOGO ... 93

4.3 PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 384, DE 2016 ... 101

4.4 MODELO ADEQUADO À EXPLORAÇÃO EÓLICA EM PROJETO DE ASSENTAMENTO ... 111

5 CONCLUSÃO ... 119

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, em seu título “Da Ordem Econômica e Financeira”, dedica um capítulo inteiro à temática da “Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária” reforçando o histórico papel dessa política já prevista em constituições anteriores e a dimensão de direito econômico público, a qual valoriza o trabalho humano e a livre iniciativa, e tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Contudo, a Constituição lhe conferiu contornos diferenciados ao alargar o conceito de função social da propriedade, relacionando-o ao cumprimento simultâneo dos requisitos de aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreçam o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (dimensões econômica, ambiental, social e de bem-estar da propriedade).

No mais, a Carta de 1988, por representar ruptura1 com o ordenamento jurídico

anterior2, consagrou expressamente os fundamentos e objetivos da República Federativa do

Brasil, bem como elencou extenso rol de direitos e garantias fundamentais, os quais são norte hermenêutico e condicionam a Reforma Agrária e a Política Fundiária.

Assim, a consecução dos objetivos da República, notadamente a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e a marginalização, e a redução das desigualdades sociais, pode dar-se por meio da Reforma Agrária e Política Fundiária, ou seja, o efetivo acesso a um direito social constitucionalmente reconhecido com o fim de desconcentrar e democratizar a estrutura fundiária, fomentar produção de alimentos, a geração de ocupação e de renda, o combate à fome e à miséria, a interiorização de serviços básicos, a fixação do homem no campo, a promoção da cidadania e da justiça social, a diversificação do comércio e dos serviços no meio rural e democratização das estruturas de poder3.

Uma Reforma Agrária que atinja seus objetivos contribui para o desenvolvimento e crescimento do país e de seus cidadãos, uma vez que é possível conceituar o desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam4, de modo que a

1 Ainda que pacífica. 2 O regime militar.

3 Objetivos da Reforma Agrária segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Disponível em:

http://www.incra.gov.br/reformaagraria. Acesso em: 30 jul. 2019.

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análise do progresso pode ser feita mediante a verificação de aumento das liberdades das pessoas e de sua livre condição de agente.

Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA5,

desde o início do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), foram assentadas, no Brasil, 1.348.484 famílias. Hoje, essa política beneficia 973.451 famílias em 9.437 projetos de assentamento, os quais somam 87.953.588 hectares de área reformada6.

Contudo, em que pese a efetivação de milhares de desapropriações, a criação dos projetos de assentamento e o assentamento de beneficiários da Política Nacional de Reforma Agrária, é cediço que entraves burocráticos, precariedade de dados sobre a situação econômica e social dos assentamentos, falta ou carência legislativa, dificuldades na obtenção de créditos, eventos climáticos (estiagem prolongada), ausência de infraestrutura e de projetos de assistência técnica e extensão rural, fraudes no processo seletivo, ou mesmo a ausência de aptidão para o trabalho no campo, têm dificultado a consecução dos objetivos da Reforma Agrária, principalmente a geração de renda mediante o desenvolvimento de atividades no campo e a redução da migração campo-cidade.

Resultado dessas situações é o abandono e a venda (ilícita) do lote ou parcela produtiva, a falta de interesse (e de incentivo) em trabalhar a terra, o reparcelamento do solo com o ingresso de estranhos à Reforma Agrária e a criação de verdadeiras favelas rurais (nas quais a capacidade ocupacional suplanta a tecnicamente admitida, ocasionando problemas estruturais nesses assentamentos7), descaracterizando a política pública e criando uma zona de

vulnerabilidade social, indo de encontro ao conceito de desenvolvimento mencionado.

O meio rural continua a ser um grande centro de violações de direitos humanos, com baixo nível de qualidade de vida, alto índice de analfabetismo, trabalho escravo, trabalho infantil, fome, desemprego, mortalidade infantil, ausência de saneamento básico, de infraestrutura viária, sem prejuízo de ser palco de conflitos fundiários e da perpetração de danos ao meio ambiente (exploração madeireira, tráfico de animais silvestres, desmatamento indiscriminado, destruição florestal, contaminação da água e solo por agentes químicos, dentre outros).

5 Autarquia federal, criada pelo Decreto-Lei nº 1.110, de 9 de julho de 1970, para realizar a Política Agrária. 6 Disponível em: http://www.incra.gov.br/reforma_agraria. Acesso em: 25 de abr. 2019.

7 Durante os trabalhos de vistoria do INCRA é analisada a capacidade ocupacional da área a ser desapropriada, ou

seja, o número máximo de famílias a serem beneficiadas com a desapropriação daquele imóvel, a fim de que ele atenda às possibilidades, sobretudo, de moradia e geração de renda.

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A despeito de o Brasil ter criado um modelo jurídico redistributivo para a Reforma Agrária, por meio do instituto da desapropriação de imóveis rurais que não cumpram sua função social8, esse modelo não se sustenta se estiver alijado de uma política de desenvolvimento rural.

O acesso à terra é o primeiro passo. A sequência necessária é dotar os beneficiários de efetivo acesso aos instrumentos das políticas de desenvolvimento (crédito, infraestrutura, implemento tecnológico e assistência técnica, principalmente) para que os assentamentos possam obter autonomia e ser emancipados.

Lado outro, não se deve mais observar o campo como um espaço atrasado e vazio. Assim como não mais se deve fazer estrita diferenciação entre atividades urbanas e rurais, como se as primeiras não pudessem ser realizadas no campo. O desenvolvimento rural não é um processo de superação do rural, mas de dotação de qualidade de vida a esse espaço.

A mecanização e introdução de tecnologias às áreas rurais afetou o modo de produção, cada vez mais especializado, e que não mais necessita da dedicação em tempo integral, ou mesmo o emprego de todos os membros do grupo familiar. Assim, alguns membros passaram a desenvolver outras atividades não necessariamente agrárias, a fim de complementar a renda. Do mesmo modo, a atividade industrial, considerada tipicamente urbana, passou a se instalar em espaços rurais, alterando a paisagem e o modo de vida das comunidades próximas, ao mesmo tempo em que levam infraestrutura e empregos não agrícolas a essas áreas.

Os projetos de assentamento não estão isentos a essa realidade. Muitos dos municípios onde estão inseridos já convivem com esse acentuado grau de urbanização.

Ainda, já existem assentamentos que são diretamente impactados por atividades econômicas como a mineração, exploração de petróleo e gás natural, e linhas de transmissão. Nesses casos, além das condicionantes impostas pelo licenciamento ambiental, em razão das externalidades negativas, são pagas as indenizações previstas em lei, decorrentes do dano direto ou restrições de uso, e em alguns desses casos, auferir participação nos resultados da produção ao proprietário do solo.

Nesse contexto, hoje algumas comunidades de assentados se veem envoltas por um novo empreendimento, as usinas eólicas, e veem a paisagem ao redor se transformar, sem que aufiram qualquer benefício dessa situação.

De fato, a geração de energia eólica cresce ano após ano no território nacional, incentivada por políticas públicas para o setor de energias renováveis. Já responde por cerca

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de 9,0% da matriz elétrica brasileira9, contribuindo para suprir a necessidade de expansão da

política energética do país e contribuindo para o desenvolvimento sustentável, objetivo de nossa Carta Política, e meta prevista em acordos internacionais do qual o Estado brasileiro é signatário.

Soma-se a isso a potencialidade de cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável10 pelo Estado brasileiro em razão da implantação de matriz de energia renovável

dentro de projetos de assentamento, cujo modelo exploratório passe a contribuir para a erradicação da pobreza e da fome, a agricultura sustentável, a promoção de vida saudável e bem-estar, a energia limpa e acessível.

Para a exploração econômica dos ventos, são necessários basicamente dois fatores: bons ventos e grandes extensões de terra em propriedade regularizada. Essas duas características são encontradas em inúmeros imóveis destinados à reforma agrária, notadamente no Nordeste brasileiro.

Surge então o questionamento sobre a possibilidade de aproveitar esse potencial dentro do projeto de assentamento, uma vez que o modelo de negócios atualmente existente, entre empreendedor eólico e proprietário de terras, mostra-se lucrativo para ambos. No mais, trata-se de fonte de energia renovável e de baixo impacto ambiental e compatível com atividades agrícolas.

A partir da consideração da política pública de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural como mecanismo hábil a emancipar as classes menos favorecidas, objetivou-se, na presente dissertação, analisar a possibilidade jurídica de coexistência entre Projeto de Assentamento e o aproveitamento de recurso eólico em seu interior e, em caso positivo, verificar se essa exploração econômica, pode impulsionar o desenvolvimento e a autonomia do projeto de assentamento, com a pretensão de apresentar um modelo exploratório que permita a fixação digna do homem no campo.

A justificativa e importância acadêmica da pesquisa é a necessidade de mover o Direito em busca de soluções para os desafios decorrentes das inovações tecnológicas, que nem sempre são acompanhadas da adequada e suficiente regulação. Há o receio de que a demora no aproveitamento eólico dessas localidades, ou mesmo o excesso de burocracia estatal, possa diminuir o interesse dos agentes econômicos, ocasionando a perda dessa chance aos assentados e à Reforma Agrária. Portanto, contribui-se para um problema real e atual.

9 ABEEÓLICA. Energia eólica: os bons ventos do Brasil. INFOVENTO, n. 15, 26 mar. 2020. Disponível em:

http://abeeolica.org.br/wp-content/uploads/2020/04/Infovento-15_PT.pdf. Acesso em: 15 maio 2020.

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O método de abordagem desta pesquisa é o dedutivo, partindo-se de conhecimentos gerais para os específicos, e o método de procedimento predominante é o monográfico, já que este trabalho serve de referencial para outros da mesma temática. Esta pesquisa pode ser classificada como qualiquantitativa, aplicada, exploratória, bibliográfica e documental, contando também com um estudo de caso. Ela é baseada em fontes secundárias, tais quais: doutrina jurídica, a Constituição de 1988 e legislação pertinente ao tema, documentos de órgãos oficiais, sítios eletrônicos e trabalhos acadêmicos.

Ao longo da dissertação, tomou-se o Estado do Rio Grande do Norte como referência, para fins comparativos em relação ao território nacional, por ter a maior capacidade instalada para a produção de energia eólica no país, por existir um projeto pioneiro de exploração eólica em assentamento (embora irregular e de parcos resultados), e por ser a área de atuação do pesquisador.

Na primeira parte do trabalho, será explorado o tema da Reforma Agrária e estrutura fundiária no Brasil. Fez-se histórico para a compreensão da atual ocupação do território brasileiro e descreveram-se os princípios, objetivos e principais institutos que pautam a Reforma Agrária no país. Apresentaram-se os dados do Brasil rural, uma grande potência agropecuária, mas com estrutura fundiária concentrada e disfuncional. Teorizou-se sobre Constituição, Democracia e Reforma Agrária, essa com potencial emancipador das classes sociais menos favorecidas. Por fim, explanou-se a prática da Reforma Agrária, desde o acesso à terra às políticas de desenvolvimento rural e os números dessa política na atualidade.

Na segunda parte, será tratado do novo rural e da pluriatividade, fenômenos que já duram décadas, mas não são compreendidos pelas atuais políticas públicas que insistem em dividir o território em rural e urbano, desconsiderando as dinâmicas sociais e a própria realidade. Aqui se analisa o impacto de empreendimentos de interesse público sobre projetos de assentamento. São as linhas de transmissão, a mineração e a exploração de petróleo e gás natural, que hoje já incidem sobre os assentamentos da reforma agrária e obrigam os assentados a com eles conviverem, em face da rigidez locacional que os caracteriza. Ainda, a partir dos empreendimentos anteriores, analisa-se a questão eólica no Brasil.

Na terceira parte, a partir dos conceitos e observações dos capítulos anteriores, será analisado o potencial eólico que incide sobre os projetos de assentamento e a viabilidade jurídica do efetivo aproveitamento desse potencial nas áreas destinadas à Reforma Agrária. Para construir o modelo exploratório que se considera adequado, analisar-se-á o caso de Zumbi/Rio do Fogo e o Projeto de Lei do Senado nº 384, de 2016. Ao final, será apresentada uma proposta de modelo que viabilize o aproveitamento econômico do projeto eólico em projeto de

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assentamento como forma de impulsionar a consecução dos objetivos da Reforma Agrária, garantindo qualidade digna de vida aos seus beneficiários.

Espera-se que o presente trabalho possa trazer efetiva contribuição para a academia e para os profissionais que atualmente se debruçam sobre o complexo tema.

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2 REFORMA AGRÁRIA E ESTRUTURA FUNDIÁRIA NO BRASIL: HISTÓRICO, CONCEITO, OBJETIVOS E NÚMEROS

Ao relatar a origem histórica da sociedade e do estado moderno, a evolução da propriedade privada e do sistema econômico do capitalismo, Avelãs Nunes11 destaca que a

propriedade capitalista continua a ser um elemento caracterizador essencial do sistema econômico-social capitalista.

No início, nas sociedades primitivas, não havia sentido falar em propriedade privada, uma vez que seu uso era coletivo: havia uma forma comunitária de vida, sem diferenciação social, nem distinção de classes, sendo desnecessário o Estado.

A revolução neolítica trouxe ao homem a possibilidade de controlar a produção dos seus meios de subsistência, com o desenvolvimento do artesanato profissional e consequente aperfeiçoamento dos instrumentos de produção, acarretando profundas modificações no modo de vida e nas relações entre os homens. Passou-se a acumular excedentes e o nomadismo foi progressivamente abandonado. A propriedade de terras passa a ser relevante e fator real de poder.

Na sociedade feudal, o poder político, descentralizado e fragmentado, tinha a origem e o fundamento na propriedade da terra. Com o declínio do sistema feudal e o desenvolvimento do capitalismo mercantil e a ascensão da classe burguesa, abraçou-se o conceito de Estado Moderno enquanto sociedade política dotada de características específicas (soberania, povo e território).

A partir dos ideais da Revolução Francesa de 1789, e das Revoluções Industriais, surge o Estado contemporâneo, que mantém consagrados os direitos individuais, insere os Direitos sociais, e disciplina a intervenção do Estado nos domínios econômico e social12, e consagra a

expressão função social da propriedade.

A Reforma Agrária é uma forma de intervenção do Estado na propriedade, para alterar a estrutura agrária, com o fim de atingir os objetivos estatais estampados em sua própria carta política.

A alteração dessa estrutura pode ter diversos objetivos como a remoção de obstáculos estruturais à modernização econômica e tecnológica da produção, as mudanças necessárias nas estruturas de produção e de exportações agrícolas, a necessidade de se povoar e garantir a

11 NUNES, Antonio Jose Avelãs. Propriedade, direito e Estado. Revista Nomos, Fortaleza, v. 29, n. 1, p.

157-206, jan./jun. 2009.

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soberania nacional (vide a importância dada às faixas de fronteiras), a criação de empregos, combate à pobreza13, e a obtenção da soberania alimentar.

Por tais motivos, a Reforma Agrária é peculiar a cada país, notadamente em face do processo histórico de sua formação territorial, o que leva à necessidade de analisar a história da ocupação do território brasileiro, cujos efeitos perduram até hoje, assim como compreender os princípios, objetivos e principais institutos que pautam a Reforma Agrária no país.

2.1 HISTÓRICO DA REFORMA AGRÁRIA E ESTRUTURA AGRÁRIA BRASILEIRA

No Brasil, o início da reforma agrária se confunde com o processo de colonização promovido por Portugal, e atravessa o período colonial, imperial e republicano.

Assim, o processo de ocupação territorial no Brasil rege-se por normas instituídas no passado, devendo-se compreendê-las para se entender a atual conformação socioespacial e planejar a melhor forma de intervenção para melhorá-la.

Preliminarmente, releva apontar o papel do chamado direito de conquista (aquisição originária) baseado no Tratado de Alcaçovas (1479) e no Tratado de Tordesilhas (1494), por meio dos quais boa parte das terras descobertas no Brasil se incorporaram ao patrimônio de Portugal. Assim, somente a Coroa Portuguesa poderia permitir o acesso legal à terra e a sua exploração, razão pela qual as terras particulares no Brasil necessitam ter origem ou destaque do patrimônio público.

Ao tratar da Reforma Agrária no tempo, costuma-se dividir esse histórico em quatro períodos: Regime Sesmarial (1500 a 17/07/1822), Regime de Posse (17/07/1822 a 18/09/1850), Regime da Lei de Terras (18/09/1850 a 24/02/1891) e Período Republicano (a partir da Constituição de 1891).

Quanto ao regime legal, a Lei de Sesmaria, de 1375, promulgada por Dom Fernando I, insere-se em contexto de crise econômica que se manifestava na Europa em decorrência, sobretudo, da peste negra, a qual despovoou o campo (em face do êxodo rural para ocupar as atividades dos falecidos nos centros urbanos) e paralisou a produção agrícola, levando fome ao país. Intencionava fixar os trabalhadores no campo e diminuir o despovoamento, obrigando os proprietários14 a cultivar suas terras, sob pena de confisco da propriedade restituindo-a à Coroa.

13 SAMPAIO, Plínio de Arruda. A Reforma Agrária. Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária,

Campinas, ano 18, n. 2, p. 5-20, ago./nov. 1988.

14 Na prática, foram concedidas extensas faixas de terras a nobres, que era quem detinham condições de

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O instituto das sesmarias foi previsto nas Ordenações Afonsinas (de 1446), Ordenações Manuelinas (de 1514) e Filipinas (de 1603)15.

Em face da expansão marítima portuguesa que levou a descobertas de novas terras, bem como as dificuldades e desafios em ocupar, explorar e defender essas áreas, a Coroa Portuguesa optou por utilizar o sistema das sesmarias ao Novo Mundo. Inicia-se o processo de colonização brasileira, com a introdução do instituto das sesmarias para a apropriação do território brasileiro, ou seja, o primeiro sistema legal de acesso a terras no Brasil.

Inicialmente, o território brasileiro foi dividido em Capitanias Hereditárias, doadas pela Coroa Portuguesa a nobres denominados capitães donatários, a quem incumbia a colonização, ou seja, a ocupação, exploração e defesa dessas terras, e que pelo regime de sesmarias, poderiam conceder áreas a pessoas que detivessem a capacidade de explorá-las. Era um projeto de descentralização administrativa, em que os custos e riscos da exploração eram do particular.

Contudo, a transposição do sistema português para o Brasil Colônia acabou por não se concretizar, ao menos nos moldes constantes das Ordenações. Muitas das sesmarias foram concedidas em caráter perpétuo (e não vitalício como previa a norma), a insubmissão indígena dificultava a efetiva ocupação e exploração da área no prazo estabelecido, a regra de limitação do tamanho das áreas concedidas não foi respeitada, surgindo propriedades de tamanhos impensáveis no sistema agrário português16. Havia imprecisões nas cartas de sesmaria, fazendo

que algumas áreas se inserissem em outras, gerando conflitos. Os posseiros surgiram desde o início, já que na ausência de terras gratuitas próximas dos núcleos de povoamento, optaram por ocupar áreas não aproveitadas de sesmarias concedidas17.

A própria Coroa, interessada na cultura da cana-de-açúcar (monocultura, latifundiária e escravista) fechou os olhos aos desvios normativos e incentivou a concentração fundiária18,

situação que perdurou após a atribuição de dirigir a colônia e de distribuir sesmarias passar aos Governadores-Gerais, os quais foram ordenados a distribuir terras a quem tivesse posse suficiente para a exploração de engenhos de açúcar, alijando boa parte dos colonos do acesso à terra.

15 ROCHA, Ibrahim; TRECCANI, Girolamo Domenico; BENATTI, José Heder; HABER, Lilian Mendes;

CHAVES, Rogério Arthur Friza. Manual de Direito Agrário Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte, Fórum, 2015.

16 ABREU, Maurício de Almeida. A Apropriação do Território no Brasil Colonial: A reforma agrária e o sistema

de justiça. Brasília: MPF, 2019. p. 18.

17 ABREU, Maurício de Almeida. A Apropriação do Território no Brasil Colonial: A reforma agrária e o sistema

de justiça. Brasília: MPF, 2019. p. 27.

18 ABREU, Maurício de Almeida. A Apropriação do Território no Brasil Colonial: A reforma agrária e o sistema

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As normas referentes às sesmarias foram consolidadas no Alvará de 5 de outubro de 1795, o Diploma Final das Sesmarias, com o objetivo de conter abusos e desordens nos sistemas das sesmarias, notadamente a proibição de doação a quem já detinha uma sesmaria, o estabelecimento de áreas máximas e medição obrigatória da área, e obrigação de registro dos títulos das sesmarias nas juntas da Fazenda. Não adimplidas as obrigações, o sesmeiro cairia em comisso, com o retorno da terra à Coroa.

Contudo, tais regras não foram suficientes para moldar a realidade. Devido ao excesso de burocracia e a falta de pessoal, esse sistema continuou objeto de fraudes, culminando na acumulação de terras, a qual denotava prestígio social e poder. Muitas das áreas sequer foram ocupadas ou trabalhadas. Formaram-se latifúndios improdutivos e minifúndios decorrentes do parcelamento dessas áreas com meeiros e arrendatários.

Esse sistema vigorou até 17 de julho de 1822, quando o Príncipe Regente determinou a proibição de conceder novas sesmarias, até que houvesse novo regulamento sobre a matéria.

Após a declaração da independência, em 7 de setembro de 1822, a outorgada Constituição Política do Império do Brazil de 1824 foi silente quanto ao tema, prevendo apenas que o direito de propriedade deveria ser garantido em sua plenitude (art. 179, XXII).

O período que sucedeu ao fim da concessão das sesmarias até o advento da Lei de Terras, em 1850, é denominado Regime Extralegal ou de Posses, e foi marcado pela ocupação desordenada do território nacional, cujas posses eram garantidas pelo poder e pela força.

Com o advento da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, a Lei de Terras, houve uma tentativa de regularizar a propriedade rural a fim de atender os interesses existentes à época. Dentre os principais pontos, proibiu-se a aquisição de terras públicas a qualquer título que não a compra e venda e novas posses em terras devolutas ou alheias; declarou-se a revalidação das sesmarias ou outras concessões públicas, que se achassem cultivadas e com morada habitual; determinou-se a medição obrigatória de todas as terras, sob pena de cair em comisso; previu a naturalização de estrangeiros que comprassem terras e nelas se estabelecessem; determinou que o governo promovesse um modo prático de extremar o domínio público do particular, bem como o registro das terras possuídas, e o autorizou a estabelecer a Repartição Geral de Terras Públicas que se encarregaria da medição, divisão e descrição das terras devolutas e promoção da colonização nacional e estrangeira.

O Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854, regulamentou a Lei de Terras e instituiu o chamado Registro Paroquial ou Registro do Vigário, determinou que os vigários de cada Freguesia do Império seriam encarregados de receber as declarações para o registro de terras.

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A Lei de Terras e seu regulamento tentaram converter as situações fáticas existentes em situações jurídicas, promovendo a legitimação de posses e revalidação de sesmarias que não haviam caído em comisso. Entretanto, ao exigir a obrigatoriedade de novas aquisições por compra e venda, impediu que negros e pobres se tornassem proprietários19 e fomentou caminho

para a exploração de mão de obra livre nas propriedades rurais.

Com o fim do Império, proclamado em 15 de novembro de 1889, surge o período Republicano, cuja primeira constituição, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, transfere a propriedade das terras devolutas da União aos Estados20, e mantém

o caráter absoluto da propriedade em toda a sua plenitude (art. 72, §17).

No período da Primeira República (1889 a 1930), houve o predomínio das oligarquias cuja força política era baseada nas posses de terra. Tem por características o mandonismo, clientelismo, coronelismo, a política dos governadores, o voto do cabresto e a Política do Café com Leite. A economia brasileira era dependente do café, cujo maior produtor era o Estado de São Paulo e que levou a um pequeno desenvolvimento industrial na região.

A estrutura oligárquica incentivada enquanto política de governo levou ao desgaste e tensões sociais, gerando muitos conflitos, como a Guerra de Canudos, Revolta da Armada, Guerra do Contestado, Revolta da Vacina e Revolta da Chibata.

A derrocada da República Velha ocorreu após a Revolução de 1930, assumindo Getúlio Vargas provisoriamente a Presidência do país. Após a Revolução Constitucionalista de 1932 é eleita uma Assembleia Nacional Constituinte, cujo resultado é a Constituição de 1934.

Com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, surge um conjunto de normas destinadas a reger o fato econômico (constituição econômica), inspirado na Constituição alemã de Weimar, tendo sido inserido o título “Da Ordem Econômica e Social”, com discurso intervencionista e introdutório dos princípios da justiça social e das necessidades da vida nacional, de modo a possibilitar uma existência digna, além de garantir um certo grau de liberdade econômica21.

Essa carta política garantiu o direito de propriedade, o qual não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo (art. 113, §17), ou seja, mitigou o caráter absoluto com que vinha sendo tratada a propriedade, e permitiu a desapropriação por necessidade ou utilidade

19 CARVALHO, Josué Tomazi; FIDELIS, Junior Divino; MACIEL, Marcela Albuquerque. Direito agrário. 2. ed.

Salvador: Jus Podium, 2018.

20 À exceção da porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções

militares e estradas de ferro federais.

21 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

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pública. Instituiu a usucapião pro labore22 e determinou que nenhuma concessão de terras de

superfície, superior a dez mil hectares poderá ser feita sem que, para cada caso, precedesse autorização do Senado Federal (art. 130) e que o Poder Executivo, tendo em vista as necessidades de ordem sanitária, aduaneira e da defesa nacional, regulamentaria a utilização das terras públicas, em região de fronteira pela União e pelos Estados ficando subordinada à aprovação do Poder Legislativo a sua alienação (art. 166, §3º).

Após um golpe de Estado para manter-se no poder, Getúlio Vargas outorga a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, a qual não trouxe significativas mudanças em relação ao regime agrário anterior, embora não mais determinasse que o direito de propriedade não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo. É o único silêncio constitucional acerca da função social da propriedade desde 1934.

O modelo político-econômico instituído foi o nacional desenvolvimentismo, com forte investimento na indústria nacional. Outra política, a “Marcha para Oeste”, estimulava a formação de centros urbanos, abertura de estradas e a produção agropecuária. Foram criados os Estados do Amapá, Rio Branco (atual Roraima), Guaporé (atual Rondônia), e Ponta Porã (a partir do Mato Grosso) e Iguaçu (a partir do Paraná), esses já extintos.

A verdade é que as terras brasileiras sempre estiveram voltadas para as atividades agrícolas de monocultura voltadas à exportação, com pouco ou nenhum valor agregado, reproduzindo relações sociais conservadoras e atrasadas. Lembra Fidelis23 que o país, a fim de

continuar a produção de café com finalidade de exportação à Europa, foi um dos últimos países a findar com o sistema oficial de escravidão. Mesmo com a passagem para o período republicano e mudança no sistema de governo, a base econômica continuou alicerçada no modelo agroexportador.

O fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) acelerou o fim do Estado Novo. O país passa por um processo de redemocratização e promulga a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, a qual instituiu a desapropriação por interesse social (art. 141, §16), condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social, e determinou que a lei promova a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos (art. 147), e que facilite a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das

22 Art 125 - Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anos contínuos, sem

oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra até dez hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua morada, adquirirá o domínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente transcrita.

23 FIDELIS, Junior Divino. A Justa Indenização da Desapropriação Agrária: como se formam as

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terras pública (art. 156), devendo os Estados assegurar aos posseiros de terras devolutas, que nelas tenham morada habitual, preferência para aquisição até vinte e cinco hectares (art. 156, §1º).

Com o advento do Regime Militar, em março de 1964, inicia-se um sistema de repressão que desarticula o movimento rural e persegue seus líderes sindicais. A despeito disso, a atuação do governo militar parece ser contraditória, ante os marcos normativos editados pelo governo acerca do Direito Agrário.

Assim, a Constituição de 1946 é substancialmente alterada pela Emenda Constitucional nº 10, de 9 de novembro de 1964, a qual institucionalizou o Direito Agrário, e estabeleceu a competência privativa da União para legislar sobre esse ramo do Direito (art. 5º), assim como para decretar impostos sobre a propriedade territorial rural (art. 15). Previu a desapropriação da propriedade territorial rural mediante o pagamento da prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública resgatáveis em até vinte anos (art. 147, §1º), assegurou aos posseiros de terras devolutas que tenham morada habitual, preferência para aquisição até cem hectares (art. 156, §1º), e diminuiu para três mil hectares o limite para que a alienação ou concessão de terras públicas possa ocorrer sem prévia autorização do Senado Federal (art. 156, 2º).

Ainda, nesse período, foi editada a Lei n 4.504, de 30 de novembro de 1964, o Estatuto da Terra, vigente até hoje24. O Estatuto da Terra previu expressamente o princípio da função

social da propriedade e traçou a disciplina das relações jurídico-agrárias.

Tais normativos representavam uma resposta aos movimentos sociais que haviam se organizado e a reivindicavam mudanças na estrutura fundiária do país. Conferia ao Estado os instrumentos para administrar os conflitos no campo.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 manteve a competência da União para legislar sobre Direito Agrário (art. 8º, XVII, b), manteve as modalidades de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social (art. 150, §22), e ergueu ao plano constitucional expressamente o princípio da função social da propriedade (art. 157, III).

Apesar do bloco normativo acerca da reforma agrária e desenvolvimento rural, verdadeira inovação para a época, a atuação do Estado foi pontual, restrita a conflitos agrários e a ações de colonização, essas voltadas a grandes propriedades e empresas rurais com o desiderato de ampliar as fronteiras ao oeste e aumentar a área para produção agrícola.

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Exemplo disso foi o Programa de Integração Nacional, criado pelo Decreto-Lei nº 1.106, de 16 de junho de 1970, que determinou a construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém, e a reserva de área ao longo da rodovia para se executar a ocupação da terra e exploração econômica.

Essas políticas eram instrumentos para alcançar a estabilidade diante da inquietação social no campo, ao mesmo tempo em que estimulava a modernização no campo e incentivava o progresso nacional por meio da atividade agroindustrial, alijando o pequeno proprietário e os agricultores familiares desse processo, já que o foco era a produtividade, e não o cumprimento da função social da propriedade, norma que continuou sem eficácia.

No Regime Militar, o meio rural viveu o processo da modernização conservadora. De um lado, introduziu-se a mecanização e novos insumos no processo de cultivo com foco na produtividade. Por outro, manteve inalterada a estrutura fundiária (tamanho dos imóveis e concentração fundiária)25.

No decorrer de 21 anos de Governo Militar, ocorreram 170 desapropriações de terras para fins de reforma agrária. Ao fim do governo de João Figueiredo (1979 a 1985), constatam-se as conconstatam-sequências das políticas até então efetivadas: concentração fundiária, êxodo rural, inchaço na periferia das cidades, pobreza no campo e nas cidades. O número de conflitos no campo explodiu. Em 1981 foram registrados 1.300 conflitos envolvendo cerca de 1.200.000 pessoas26. Trata-se de época do crescimento e fortalecimento dos movimentos sociais

campesinos, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras (MST), que reivindicavam a terra mediante a ocupação de propriedades rurais improdutivas. A crise no campo foi um dos fatores que levaram à derrocada do Regime Militar e levou o país à redemocratização.

Assim, a Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988 representa o marco legal da redemocratização nacional, após o período do Regime Militar. Trata-se de uma Constituição do tipo compromissório27, por ser o resultado possível do

25 FIDELIS, Junior Divino. A Justa Indenização da Desapropriação Agrária: como se formam as

superindenizações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 57-59.

26 CERQUEIRA, Maria Cândida Teixeira de. Reconstituindo o Desenho do Habitat de Reforma Agrária: legado

e possibilidades para o Estado. 2019. 508 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Centro de Tecnologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.

27 Em oposição à constituição doutrinária, que é aquela que se filia a um único postulado doutrinário, ideológico e

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conflito emergente na sociedade à época de sua promulgação, e nisso reside a sua legitimidade28.

A atual Constituição consolida a propriedade enquanto direito fundamental (art. 5º, XXII), mas aponta que ela deverá atender a sua função social (art. 5º, XXIII); prevê a possibilidade de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro; protege a pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família, contra penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva; e mantém a competência privativa da União para legislar sobre Direito Agrário (art. 22, I).

A Constituição Federal de 1988, em seu título “Da Ordem Econômica e Financeira”, dedica um capítulo inteiro à temática da “Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária”, reforça e amplia o histórico papel dessa política pública já prevista em constituições anteriores. Do mesmo modo, aponta a propriedade privada e a sua função social como princípios gerais da atividade econômica (art. 170, II e III), a qual tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

A Constituição Federal conferiu contornos diferenciados ao alargar o conceito de função social da propriedade, relacionando-o ao cumprimento simultâneo dos requisitos de aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

A partir da nova carta política e de pressão de movimentos sociais, o Estado passou a regulamentar os instrumentos da reforma agrária: o Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992, dispõe sobre a aquisição de imóveis rurais, para fins de reforma agrária, por meio de compra e venda; a Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, regulamenta os dispositivos constitucionais referentes à reforma agrária; a Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, dispôs sobre o procedimento contraditório, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.

Apenas após a redemocratização, o projeto de colonização dava lugar à política de reforma agrária. No período pós-Constituição de 1988, o número de desapropriações, por interesse social, para fins de reforma agrária cresceu, sendo 500 no Governo Sarney (1985-1989), 259 no Governo Collor (1990-1992), 106 no Governo Itamar (1992-1995), 4.274 no

28 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A teoria constitucional e o direito alternativo (para uma dogmática constitucional

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Governo Fernando Henrique (1995-2003), 3.522 no Governo Lula (2003-2011), e 366 no Governo Dilma (2011-2016)29.

Contudo, a despeito dos mandamentos constitucionais (e das próprias diretrizes já existentes no Estatuto da Terra) de uma sociedade mais justa e igual, a estrutura agrária brasileira persiste extremamente concentrada, configurando-se uma das principais assimetrias que caracterizam o país.

De fato, como se apontou, a política de reforma agrária ocorreu tardiamente no país. Até o início da década de 1960, as políticas visavam somente à colonização, aliadas a incentivos apenas para aqueles que já detinham as condições de produção. No mais, a reforma agrária, onde ocorreu, reduziu-se à política de criação de assentamentos rurais, notadamente para resolver conflitos de terras ou desprovidos de qualquer política de desenvolvimento rural.

O advento da tecnologia no campo alterou as relações sociais e trabalhistas existentes, surgindo o proletariado agrícola, ou seja, aquele sujeito que não é proprietário, não vive na terra, mas vende sua força de trabalho em troca de salário. As consequências foram a expulsão dos trabalhadores rurais residentes em seus locais de trabalho, a falta de ocupação e moradia no campo, contribuindo para o aumento da pobreza nas cidades e no campo30.

A modernização agrária desprezou a Reforma Agrária com foco na função social da propriedade em prol da cultura de produtividade do agronegócio, caracterizado por monocultura em grandes extensões de terras e baixo número de emprego de trabalhadores, e contribuiu para a estrutura fundiária anômala atualmente existente, que será adiante detalhada.

2.2 A ESTRUTURA AGRÁRIA BRASILEIRA EM NÚMEROS

O Censo Demográfico realizado decenalmente pelo IBGE é uma pesquisa que visita todos os domicílios brasileiros (cerca de 58 milhões espalhados por 8.514.876,599 km²), em 5.565 municípios31. As informações estatísticas produzidas são fontes fundamentais para o

conhecimento da realidade do país, sobretudo para a formulação das políticas públicas nas três

29 CERQUEIRA, Maria Cândida Teixeira de. Reconstituindo o Desenho do Habitat de Reforma Agrária: legado

e possibilidades para o Estado. 2019. 508 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Centro de Tecnologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.

30 CERQUEIRA, Maria Cândida Teixeira de. Reconstituindo o Desenho do Habitat de Reforma Agrária: legado

e possibilidades para o Estado. 2019. 508 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Centro de Tecnologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.

31 Disponível em:

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esferas de governo e decisões sobre investimentos, já que retrata as características da sociedade brasileira, sua população, economia e condições de vida.

Ao lado do Censo Demográfico, outro instrumento que lhe é correlato é o Censo Agropecuário, realizado quinquenalmente32 e que “investiga informações sobre os

estabelecimentos agropecuários e as atividades agropecuárias neles desenvolvidas, abrangendo características do produtor e do estabelecimento, economia e emprego no meio rural, pecuária, lavoura e agroindústria”33.

Por meio do Censo Agropecuário coletam-se informações em toda unidade de produção dedicada a atividades agropecuárias, florestais ou aquícolas, independentemente de seu tamanho, de sua forma jurídica ou de sua localização, com o objetivo de produção para subsistência ou para venda, subordinada a uma única administração. A pesquisa fornece informações sobre o total de estabelecimentos agropecuários, área total desses estabelecimentos, características do produtor, características do estabelecimento, pessoal ocupado, movimentação financeira, pecuária, aquicultura e produção vegetal34.

O último Censo Agropecuário realizado traz dados relevantes para a compreensão da estrutura agrária brasileira, as quais foram sistematizadas na publicação Censo Agropecuário 201735.

O Estado brasileiro possui área de 851.487.659 hectares, sendo 351.289.816 hectares de estabelecimentos agropecuários, 117.639.837 hectares de terras indígenas e 151.895.335 hectares de unidades de conservação. Um total de 5.073.324 endereços foram identificados como estabelecimentos agropecuários.

O Estado do Rio Grande do Norte36 possui área territorial de 5.279.679 hectares, sendo

2.723.148 hectares ocupados por estabelecimentos agropecuários e 1.001.505 hectares por unidades de conservação. Cerca de 63,4 mil endereços foram identificados como estabelecimentos agropecuários.

No Brasil, observam-se 2.543.681 estabelecimentos com menos de 10 hectares (os quais ocupam 7.993.969 hectares de terras), 1.980.684 estabelecimentos entre 10 e 100 hectares

32 Embora essa periodicidade não ocorra, por vários motivos, na prática. O Censo Agropecuário anterior ao 2017

foi o de 2006.

33 Disponível em:

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017-censo-agropecuario.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 14 fev. 2020.

34 Disponível em:

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017-censo-agropecuario.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 14 fev. 2020.

35 IBGE. Censo Agropecuário 2017: resultados definitivos. Brasília: IBGE, 2019.

36 Como já explicado na introdução da dissertação, tomou-se o Estado do Rio Grande do Norte como paradigma,

por ter a maior capacidade instalada para a produção de energia eólica no país, por existir um projeto pioneiro de exploração eólica em assentamento, e por ser a área de atuação do pesquisador.

(29)

(os quais ocupam 63.810.646 hectares de terras), e 51.203 estabelecimentos com mais de 1.000 hectares (os quais ocupam 167.227.511 hectares de terras).

Esses dados que relacionam os estabelecimentos estratificados por área e a quantidade de produtores denuncia a concentração de terras no Brasil, ou seja, que um pequeno número de produtores37, que correspondem a 1% do total, possuem quase 50% das terras onde se localizam

os estabelecimentos agropecuários.

Do total de estabelecimentos, 4.107.762 exploram terras próprias (e ocupam 298.323.489 hectares), 266.910 não possuem titulação definitiva (e ocupam 6.165.766 hectares), 320.263 terras são arrendadas (e ocupam 30.171.451 hectares), 177.803 parcerias (que ocupam 7.830.479 hectares) e 464.253 ocupadas (8.798.642 hectares). Esse dado que revela significativa parcela de produtores (cerca de 25%) com acesso precário à terra, ou seja, desprovido de título de domínio.

Sobre a classe de idade do produtor, 2% são menores de 25 anos (eram 3,3% em 2006); 9,3% com idade entre 25 a menos de 35 anos (eram 13,6% em 2006); 17,9% com idade de 35 a menos de 45 anos (eram 21,9% em 2006); 24,2% com idade entre 45 a menos de 55 anos (eram 23,3% em 2006); 23,5% com idade entre 55 a menos de 65 anos (eram 20,4% em 2006); e 23,2% com mais de 65 anos (eram 17,5% e 2006). O dado revela um envelhecimento da população de produtores rurais e parece apontar para necessidade de incentivos para a fixação do jovem no campo.

Acerca de gênero, 4.110.450 são homens (81%) e 946.075 são mulheres (19%). Quanto à cor, 2.297.013 são brancos (45%), 423.408 pretos (8%), 31.108 amarelos (1%), 2.248.549 pardos (44%) e 56.447 indígenas (1%).

Os estabelecimentos agropecuários visitados empregam 15.105.125 pessoas, ou seja, uma média de 3 pessoas ocupadas por estabelecimento. Chama atenção dentre esses trabalhadores o grau de parentesco com o produtor, o que equivale a 74% ou 11.101.533 de indivíduos. O estudo realizado aponta que a média de pessoas ocupadas por estabelecimento vem decrescendo ao longo dos anos38. No Rio Grande do Norte, eram 214 mil pessoas ocupadas

em atividades agropecuárias.

Quanto à mecanização, apenas 14% dos estabelecimentos tinham tratores, 7% semeadeiras ou plantadeiras, 3% colheitadeiras e 5% adubadeiras ou distribuidora de calcário. Apenas 10% dos estabelecimentos utilizaram técnicas de irrigação.

37 Considerados os estabelecimentos com mais de 1.000 hectares. Se considerar os estabelecimentos entre 100 e

menos de 1000 hectares, a fração chega a 80% do total das terras.

(30)

Declararam que utilizaram agrotóxicos 1.681.565 estabelecimentos, ou 33,1% do total. Do total de declarantes, 80% ocupam imóveis com menos de 5 hectares de lavoura39. Do total

de estabelecimentos, apenas 64.690 fazem agricultura ou pecuária orgânica certificada.

Há 3,1 milhões de estabelecimentos com acesso a telefone e 1.430.156 com acesso à internet (659 mil via banda larga e 909 mil via internet móvel).

A receita gerada por atividades agropecuárias no período pesquisado, soma 394 bilhões de reais, e equivale a 95% das receitas recebidas por esses estabelecimentos. Essa renda é complementada por outras receitas obtidas como “agroindústria (3%); desinvestimentos (1%); serviço de turismo rural (0,03%); exploração mineral; atividade de artesanato, tecelagem, etc (0,01%) e outras receitas (1%)”40.

Em termos de valor de produção, a vegetal contabiliza 66% do valor total da produção com atividades agropecuárias, ou 308 bilhões de reais, de um total de 465 bilhões de reais. A produção animal é responsável por 34% do total, ou 157 bilhões de reais, sendo que 70% venda vêm de animais de grande porte.

Quanto às lavouras, destacam-se a soja (produção de 103 milhões de toneladas em 31 milhões de hectares), o milho (88 milhões de toneladas em 15,8 milhões de hectares), o arroz (11 milhões de toneladas em 1,7 milhão de hectares), a cana-de-açúcar (638 milhões de toneladas em 9,1 milhão de hectares), o feijão (2,1 milhão de toneladas em 2 milhões de hectares), o café (2 milhões de toneladas em 1,6 milhão de hectares) e a laranja (12,7 milhões de toneladas em 519 mil hectares).

Quanto à pecuária, o rebanho de bovinos era de 172,7 milhões de cabeças (a produção de leite ultrapassou 30 bilhões de litros), 39 milhões de cabeças de suínos e 8 bilhões de aves galináceas (1,9 bilhões de dúzias de ovos).

Dado relevante é o atinente a outras receitas do produtor (não agropecuárias). No Censo Agropecuário 2006, havia 898.792 estabelecimentos com receita decorrente de aposentadoria ou pensão. No Censo Agropecuário 2017, são 1.874.944, o que corrobora o dado referente ao envelhecimento dessa população.

Do total de 5.073.324 de estabelecimentos, 3.897.408 (77%) foram classificados como agricultura familiar. Ocupam uma área de 81 milhões de hectares (23%) do total de 351.289.816 ocupadas pelos estabelecimentos agropecuários pesquisados. Desses, 3,2 milhões de produtores

39 Apenas 37% dos declarantes afirmaram ter recebido orientação técnica. Esse percentual é de 23% quando

considerados somente os imóveis com menos de 5 hectares. Ainda, do total de declarantes, 16% não sabiam ler e escrever, e desses, 89% não recebeu orientação técnica. Dos que sabiam ler e escrever, 70% tinham até o ensino fundamental, e desses, apenas 31% receberam orientação técnica.

(31)

eram proprietários (81% do total) e ocupam cerca de 88% da área de agricultura familiar. Do total pesquisado, 219 mil produtores declararam acessar as terras na condição de assentado sem titulação definitiva e 466 mil produtores tinham acesso temporário (arrendatário, parceiro, comodatário) ou precário à terra (ocupantes).

Os 3.897.408 estabelecimentos classificados como de agricultura familiar ocupam 10,1 milhão de pessoas41 (ou 67% do total de pessoal ocupadas em atividade agropecuária no

país). Cerca de 26% desses produtores têm mais de 65 anos.

Nos estabelecimentos de agricultura familiar, 48% da terra é destinada a pastagens, 31% do imóvel é ocupado com matas, florestas ou sistemas agroflorestais, e as lavouras ocupam 15,5% da área. Essa atividade foi responsável por 23% (107 bilhões de reais) do valor total da produção dos estabelecimentos. No Estado do Rio Grande do Norte, esse valor corresponde a 29,6% do total da produção do estado.

O resultado desses dados, notadamente os de concentração fundiária familiar revelam que, a despeito dos marcos históricos do Estatuto da Terra e da Constituição Federal de 1988, ainda impera a concentração de terras, alijando o trabalhador rural do acesso a elas a fim de que busque sua própria autonomia e torne-se agente de sua vida.

Essa concentração inibe um processo de desenvolvimento que combine geração de riquezas e crescimento econômico com justiça social e redução das desigualdades.

2.3 CONSTITUIÇÃO, DEMOCRACIA E REFORMA AGRÁRIA

As constituições são documentos normativos do Estado e da Sociedade e representam um momento de redefinição das relações políticas e sociais desenvolvidas no seio de determinada formação social. A Constituição não apenas regula o exercício do poder, mas também impõe coordenadas específicas para o Estado, apontando o vetor de sua ação, e vincula positivamente ou negativamente, os poderes públicos, pois opera força normativa42. A

Constituição confere ao sistema político a legitimidade operacional43.

O Estado Constitucional moderno possui uma Constituição material e, ao mesmo tempo,

41 Desse total, 46,6% estão na Região Nordeste.

42 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A teoria constitucional e o direito alternativo (para uma dogmática constitucional

emancipatória): Homenagem a Carlos Henrique de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 39.

43 CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado Democrático

(32)

formal44. Nela são inscritos os valores políticos e ideológicos de uma determinada sociedade e

o “conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”45.

A Constituição apresenta tarefas fundamentais: a formação e manutenção da unidade política e a criação e manutenção do ordenamento jurídico, por meio das funções de integração, organização e direção jurídica. É a ordem jurídica fundamental da comunidade, e por isso, tem primazia sobre todo o Direito interno46.

Hodiernamente, a Constituição passou à posição de centro do sistema jurídico e desfruta não só da supremacia formal, mas também da supremacia material e axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e normatividade de seus princípios. Toda a ordem jurídica deve ser lida sob a ótica constitucional (filtragem constitucional), de modo a realizar os valores nela consagrados47.

Com a consagração dos princípios no seio constitucional, “o ato de interpretar não é mais uma operação lógico dedutiva, mas sim o que se abre para a realidade, para a vida humana histórica e concreta”48.

O primeiro artigo da Constituição Federal deixa clara a opção pelo Estado Democrático de Direito. No dizer de Silva49, a reunião dos princípios de Estado Democrático com os do

Estado de Direito não se trata de simples reunião formal de seus requisitos, mas traduz-se em conceito novo, na medida em que incorpora componente revolucionário de transformação do status quo.

A Democracia se funda na ideia central da soberania popular, ou seja, a efetiva participação do povo na vontade política do Estado, diretamente ou indiretamente, notadamente no processo decisório e na formação dos atos de governo. Deve ser um processo de convivência social em uma sociedade livre, justa e solidária, na qual o poder que emana do povo deve ser exercido em proveito desse. Deve observar o pluralismo político enquanto pluralidade de ideias, culturas, etnias, permitindo o diálogo de opiniões e pensamentos divergentes, permitindo a

44 “A rigidez constitucional revela-se um corolário natural, histórica (embora não logicamente) decorrente da

adopção de uma Constituição em sentido formal”. In: MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. t. 2. p. 155.

45 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 80. 46 HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

47 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 48 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. É possível a construção de uma hermenêutica constitucional

emancipadora na pós-modernidade? Revista de Direito Constitucional e Internacional: RDCI, São Paulo, v. 13, n. 53, p. 7-19, out./dez. 2005. p. 15.

Referências

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