• Nenhum resultado encontrado

As constituições são documentos normativos do Estado e da Sociedade e representam um momento de redefinição das relações políticas e sociais desenvolvidas no seio de determinada formação social. A Constituição não apenas regula o exercício do poder, mas também impõe coordenadas específicas para o Estado, apontando o vetor de sua ação, e vincula positivamente ou negativamente, os poderes públicos, pois opera força normativa42. A

Constituição confere ao sistema político a legitimidade operacional43.

O Estado Constitucional moderno possui uma Constituição material e, ao mesmo tempo,

41 Desse total, 46,6% estão na Região Nordeste.

42 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A teoria constitucional e o direito alternativo (para uma dogmática constitucional

emancipatória): Homenagem a Carlos Henrique de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 39.

43 CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado Democrático

formal44. Nela são inscritos os valores políticos e ideológicos de uma determinada sociedade e

o “conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”45.

A Constituição apresenta tarefas fundamentais: a formação e manutenção da unidade política e a criação e manutenção do ordenamento jurídico, por meio das funções de integração, organização e direção jurídica. É a ordem jurídica fundamental da comunidade, e por isso, tem primazia sobre todo o Direito interno46.

Hodiernamente, a Constituição passou à posição de centro do sistema jurídico e desfruta não só da supremacia formal, mas também da supremacia material e axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e normatividade de seus princípios. Toda a ordem jurídica deve ser lida sob a ótica constitucional (filtragem constitucional), de modo a realizar os valores nela consagrados47.

Com a consagração dos princípios no seio constitucional, “o ato de interpretar não é mais uma operação lógico dedutiva, mas sim o que se abre para a realidade, para a vida humana histórica e concreta”48.

O primeiro artigo da Constituição Federal deixa clara a opção pelo Estado Democrático de Direito. No dizer de Silva49, a reunião dos princípios de Estado Democrático com os do

Estado de Direito não se trata de simples reunião formal de seus requisitos, mas traduz-se em conceito novo, na medida em que incorpora componente revolucionário de transformação do status quo.

A Democracia se funda na ideia central da soberania popular, ou seja, a efetiva participação do povo na vontade política do Estado, diretamente ou indiretamente, notadamente no processo decisório e na formação dos atos de governo. Deve ser um processo de convivência social em uma sociedade livre, justa e solidária, na qual o poder que emana do povo deve ser exercido em proveito desse. Deve observar o pluralismo político enquanto pluralidade de ideias, culturas, etnias, permitindo o diálogo de opiniões e pensamentos divergentes, permitindo a

44 “A rigidez constitucional revela-se um corolário natural, histórica (embora não logicamente) decorrente da

adopção de uma Constituição em sentido formal”. In: MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. t. 2. p. 155.

45 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 80. 46 HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

47 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 48 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. É possível a construção de uma hermenêutica constitucional

emancipadora na pós-modernidade? Revista de Direito Constitucional e Internacional: RDCI, São Paulo, v. 13, n. 53, p. 7-19, out./dez. 2005. p. 15.

convivência de diferentes interesses e formas de organização na sociedade50.

O Estado de Direito para ser democrático deve se empenhar em assegurar o exercício não somente dos direitos civis e políticos, mas também dos direitos econômicos, sociais e culturais, ou seja, é aquele modelo de Estado que incorpora e supera os modelos social e liberal que o antecederam e que propiciaram o seu surgimento na história51. Uma democracia, por sua

natureza, é inclusiva, pois a população em sua essência é heterogênea, plural, notadamente em um Estado de dimensões continentais e de historicidade diferenciada52 como o Estado

brasileiro.

É essa a verdadeira noção de Estado Democrático de Direito, fundado no pluralismo político e na dignidade da pessoa humana, esse alçado a princípio e valor supremo em que se assenta toda a ordem jurídica, e por isso deve ser respeitado, protegido e promovido, reconhecendo-se a todas as pessoas uma igual dignidade, já que a pessoa humana é o fim último justificador da própria existência do Estado53-54.

Nesse contexto do Estado Constitucional55 de Direito fundado na cidadania, dignidade

da pessoa humana, pluralismo político e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa56 se

inserem a Reforma Agrária e a Política Fundiária, as quais são apontadas como políticas públicas de Estado pelo próprio legislador constituinte, que lhes conferiu especial destaque no corpo constitucional, e apontou os instrumentos para sua ação jurídico-administrativa, sem prejuízo de outros mecanismos a serem instituídos ou regulamentados em lei para a sua realização.

Há uma dimensão de direito econômico público à Reforma Agrária na medida em que a própria Constituição Federal traz normas especiais sobre a propriedade rural que caracterizam

50 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 12. 51 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

52 O Brasil foi colônia, império, república, ditadura getulista, ditadura militar, e redemocratizado com a

Constituição Federal de 1988, a “Constituição Cidadã”.

53 NOVAIS, Jorge Reis. A Dignidade da Pessoa Humana: Dignidade e direitos fundamentais. Coimbra: Almedina,

2015. v. 1. p. 18

54 “É porque se reconhece a todas as pessoas uma igual dignidade e porque, no relacionamento com os poderes

públicos, a pessoa humana é levada à condição de fim último justificador da própria existência do Estado, que as Constituições consagram um elenco de direitos fundamentais destinados a assegurar juridicamente a autonomia, a liberdade e uma vida condigna a todos os cidadãos (incluindo potencialmente, para prosseguir adequadamente esses fins, os direitos fundamentais de liberdade e de igualdade e os direitos fundamentais sociais)”. NOVAIS, Jorge Reis. A Dignidade da Pessoa Humana: Dignidade e direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2015. v. 1. p. 69.

55 Para Hesse, a Constituição apresenta tarefas fundamentais: a formação e manutenção da unidade política e a

criação e manutenção do ordenamento jurídico, através das funções de integração, organização e direção jurídica. É a ordem jurídica fundamental da comunidade, e por isso, tem primazia sobre todo o Direito interno. In: HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

seu regime jurídico especial, inserindo a problemática da propriedade agrária no título da ordem econômica57, a qual valoriza o trabalho humano e a livre iniciativa, e tem por fim assegurar a

todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social58.

Para Grau, a existência de um conjunto de normas referentes à ordem econômica na Constituição Federal marca o Direito, o qual deixa de prestar-se meramente à solução de conflitos e legitimação de poder, funcionando como “instrumento de implementação de políticas públicas”59-60.

A propriedade privada e sua função social são princípios da ordem econômica e, ao mesmo tempo, direitos fundamentais. A própria constituição trata de relativizar ao direito de propriedade outrora visto como direito absoluto e a vinculá-lo à consecução de seu fim (a função social), sob pena de sanção pela não observância. Portanto, à lei é possível regular o exercício, definir o conteúdo e os limites da propriedade61, observados os preceitos

constitucionais, a fim de traçar a política pública necessária à consecução de seus objetivos.