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A regulação dos serviços públicos e das atividades econômicas

3   O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO REGULATÓRIA E AS COMPETÊNCIAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

3.2   A regulação dos serviços públicos e das atividades econômicas

 

Quando  se  pretende  abordar  o  papel  das  agências  reguladoras  surge  ainda  a   discussão  acerca  da  abrangência  da  atividade  reguladora  com  relação  aos  serviços   públicos.   Questiona-­se   se   os   serviços   públicos   podem   ser   objeto   da   regulação   estatal.  

Alguns   autores   entendem   que   as   agências   reguladoras   não   regulam   os   serviços  públicos,  porque  regulação  estatal  só  é  possível  sobre  atividade  econômica.   Então   partem   da   concepção   de   que   serviço   público   não   é   atividade   econômica,   é   modalidade   de   atividade   estatal;;   a   atividade   econômica   é   própria   da   iniciativa   privada,   de   modo   que   o   particular   só   presta   serviço   público   se   Estado   o   autorizar,   mediante   delegação   (concessão   ou   permissão),   conforme   preceitua   o   art.   175,   da   CF   (“incumbe   ao   Poder   Público,   na   forma   da   lei,   diretamente   ou   sob   o   regime   de   concessão   ou   permissão,   sempre   através   de   licitação,   a   prestação   de   serviços   públicos”).   Por   outro   lado,   o   Estado   só   pode   desempenhar   diretamente   atividade   econômica   (Estado   empresário)   de   modo   excepcional,   nas   hipóteses   previstas   em   lei,  como  prescreve  o  art.  173  da  CF,  verbis:  “Ressalvados  os  casos  previstos  nesta   Constituição,   a   exploração   direta   de   atividade   econômica   pelo   Estado   só   será   permitida  quando  necessária  aos  imperativos  da  segurança  nacional  ou  a  relevante   interesse   coletivo,   conforme   definidos   em   lei”.   Segue   que,   na   concepção   desses   autores,   as   agências   reguladoras   foram   instituídas   para   regular   a   atividade   econômica,  conforme  a  dicção  do  art.  174  da  CF,  que  estabelece  que  “Como  agente   normativo  e  regulador  da  atividade  econômica,  o  Estado  exercerá,  na  forma  da  lei,   as   funções   de   fiscalização,   incentivo   e   planejamento   [...]”.   Logo,   reiteram,   as   agências  reguladoras  não  têm  competência  para  regular  os  serviços  públicos.  

76  Classificação  adotada  por  Alexandre  Santos  de  Aragão.    ARAGÃO,  Alexandre  Santos  de.  Agências  

reguladoras   e   a   evolução   do   Direito   Administrativo   Econômico.   3   ed.,   rev.   e   atual.   Rio   de   Janeiro:   Forense,  2013,  p.  416-­426.  

Apegado  a  esta  forte  distinção  entre  serviço  público  e  atividade  econômica,   Ricardo   Marcondes   Martins   chega   a   afirmar   que   serviços   públicos   não   admitem   regulação,  já  que  regulação  é  ato  externo,  próprio  da  atividade  econômica  (o  Estado   exercendo   intervenção   na   iniciativa   privada),   e,   portanto,   não   faria   sentido   o   órgão   (Estado)   exercer   regulação   sobre   ele   próprio   (autorregulação).   Regulação,   nessa   perspectiva,   estaria   adstrita   à   atividade   econômica.   Por   isso   mesmo,   entende   que   não   podem   ser   equiparados   à   regulação   administrativa   o   controle   dos   concessionários   e   permissionários   de   serviços   públicos   e   o   controle   do   monopólio   estatal.77  Afirma  que  a  denominação  de  agência  reguladora,  no  Brasil,  é  apenas  um   “rótulo”78  para   as   autarquias   e   que   “nada,   absolutamente   nada,   tem   a   ver   com   a   atividade  de  regulação”.79,80  

Outra,  corrente,  capitaneada  no  Brasil  por  Eros  Grau,  entende  que  o  serviço   público  seria  uma  modalidade  de  atividade  econômica,  ou  melhor,  seria  uma  espécie   do   gênero   atividade   econômica.   Seu   pensamento   é   reproduzido   por   Alexandre   Santos  de  Aragão:    

[...]   inexiste,   em   um   primeiro   momento,   oposição   entre   atividade   econômica   e   serviço   público;;   pelo   contrário,   na   segunda   expressão   está   subsumida   a   primeira.   Podemos   afirmar   que   a   prestação   de   serviço   público   está   voltada   à   satisfação   de   necessidades,   o   que   envolve   a   utilização   de   bens   e   serviços,   recursos   escassos.   Daí   porque  serviço  público  é  um  tipo  de  atividade  econômica  [...]  81  

 

77  MARTINS,  Ricardo  Marcondes.  Regulação  Administrativa  à  Luz  da  Constituição  Federal.  Coleção  

Temas  de  direito  administrativo.  São  Paulo:  Malheiros,  2011,  p.  360    

78  Ibidem,  p.  13    

79  Ibidem,   p.   283.     Segundo   Martins,   “é   uma   atividade   estatal   voltada   aos   particulares,   à   esfera   de  

liberdades  destes,  e  não  à  atuação  do  Estado.  É,  pois,  em  poucas  palavras,  uma  atividade  externa.”   Por   isso,   defende   que   as   agências   reguladoras   não   regulam   os   serviços   públicos   e   monopólios   estatais;;  ambos  são  atividades  do  Estado  e,  portanto,  “não  passíveis  de  regulação”.  O  autor  rejeita,   portanto,   a   teoria   europeia   do   Estado   Regulador,   segundo   a   qual,   por   suas   palavras,   propugnaram   seus   adeptos   “[...]   pela   transformação   dos   serviços   públicos   em   atividades   privadas   sob   regime   especial.   Sem   afirmar   expressamente   a   privatização   da   atividade,   passou-­se   a   defender   sua   submissão   ao   regime   das   atividades   privadas:   primeiro,   a   sujeição   ao   princípio   da   concorrência;;   segundo,  a  sujeição  à  fiscalização  do  CADE;;  terceiro,  a  equiparação  do  usuário  ao  consumidor.  As   três  orientações  foram  afastadas”.  Ibidem.    

80    Ibidem,  p.  359-­360.  

81  GRAU,   Eros   Roberto.   Constituição   e   Serviço   Público,   In   GRAU,   Eros   Roberto;;   GUERRA   FILHO,  

Willis   Santiago.   Direito   Constitucional:   estudo   em   homenagem   a   Paulo   Bonavides.   São   Paulo:   Malheiros,  2003,  p.  250-­251.        

Nesse  sentido  é  também  entendimento  esposado  por  Justen  Filho:  “o  serviço   público   apresenta   uma   manifestação   de   cunho   econômico”. 82  A   atividade   administrativa   de   prestação   de   serviço   público   é   também,   em   sentido   amplo,   uma   das  formas  de  intervenção  estatal  na  economia,  já  que  afasta  os  princípios  da  livre   iniciativa   (porque   a   daquela   atividade   passa   a   ser   de   titularidade   do   Estado)   e   da   livre   concorrência   (eis   que,   em   princípio,   o   serviço   público   é   um   monopólio   estatal).83    

Embora  a  Constituição  tenha  qualificado  certas  atividades  econômicas  como   serviços   públicos,   não   quer   dizer   que   tenha   delas   retirado   a   essência:   a   de   serem   atividades  econômicas.  

Alexandre   Santos   de   Aragão   sustenta   que   tanto   o   serviço   público   como   a   atividade   econômica   explorada   pelo   Estado   são   atividades   econômicas   lato   sensu,   tal  como  a  Constituição  de  1988  os  distingue.  E  explica:  

 

A   atividade   econômica   lato   sensu   destina-­se   à   circulação   de   bens   e/ou   de   serviços   do   produtor   ao   consumidor.   O   serviço   público   é   a   atividade   econômica   lato   sensu   que   o   Estado   toma   como   sua   em   razão   da   pertinência   que   possui   com   necessidades   ou   utilidades   coletivas.   Há   atividades   econômicas   exploradas   pelo   Estado,   em   regime   de   monopólio   ou   não,   que   possuem   naturalmente,   interesse   público,  mas  que  não  são  relacionadas  diretamente  com  o  bem-­estar   da   coletividade,   mas   sim   com   razões   fiscais,   estratégicas   ou   econômicas  (p.  ex.,  o  petróleo  e  o  gás,  a  energia  nuclear,  as  loterias,   em  alguns  países  o  tabaco,  os  cassinos,  etc.).  

O   objetivo   da   publicatio   há   de   ser   o   atendimento   direto   de   necessidades   ou   utilidades   públicas,   não   o   interesse   fiscal   ou   estratégico   do   Estado,   hipótese   em   que   estaríamos   diante   de   atividades  econômicas  stricto  sensu,  que  podem  ser  monopolizadas   pelo   Estado   apenas   nos   casos   taxativamente   estabelecidos   na   Constituição,   e   que,   ainda   que   em   regime   de   concorrência   com   a   iniciativa   privada,   só   podem   ser   explorados   pelo   Estado   se   verificados   os   requisitos   do   caput   do   art.   173   da   Constituição   Federal.84  

   

82  JUSTEN  FILHO,  Marçal.  Teoria  Geral  das  Concessões  de  Serviços  Públicos.  São  Paulo:  Dialética,  

2003,  p.  19.  

83  JUSTEN  FILHO,  Marçal.  Curso  de  Direito  Administrativo.  10  ed.,  rev.  atual.  e  ampl.  São  Paulo:  RT,  

2014,  p.  733.  

84  ARAGÃO,   Alexandre   Santos.   Agências   Reguladoras   e   a   evolução   do   Direito   Administrativo  

A  prestação  é  de  titularidade  do  poder  público  que,  no  entanto,  pode  delegá-­lo   ao   particular;;   mas   é   claro   que   não   são   aplicáveis   todos   os   princípios   da   ordem   econômica   na   relação   Estado-­iniciativa   privada   (poder   concedente   e   concessionária),  como  a  livre  iniciativa,  mas  nem  por  isso  deixa  de  ser  uma  atividade   econômica,   já   que   se   destina   a   colocar   um   serviço   no   mercado,   para   a   satisfação   das  necessidades  coletivas.  

Há  modalidades  de  serviços  que  são  prestados  no  duplo  regime:  o  público  e  o   privado,   como   é   o   caso   dos   serviços   de   telecomunicações.   A   ANATEL   é   exemplo   disso.  Foi  instituída  pela  Lei  no  9.472/97  (LGT  -­  Lei  Geral  de  Telecomunicações)  com   um  amplo  espectro  de  competências,  para  regular  as  duas  modalidades  de  serviços:   o  público  e  o  privado.  E  sua  competência  normativa  encontra-­se  perfeitamente  delineada   e  não  concorre  com  o  poder  regulamentar  do  Chefe  do  Poder  Executivo.  No  caso,  os  artigos   18   e   19   da   sua   lei   instituidora   tratam   das   competências   da   agência   reguladora   e   do   Presidente   da   República.     A   relação   entre   os   arts.   18,   I   a   IV   e   19,   III   da   LGT,   cria   uma   espécie   de   “regime   de   relações   institucionais”85  entre   o   Governo   e   a   agência   (Anatel)   no  

qual   a   competência   do   Presidente   da   República   para   instituir   ou   eliminar,   aprovar   o   plano   geral   de   outorgas,   aprovar   o   plano   geral   de   metas   ou   autorizar,   por   meio   de   decreto,   é   robusta,  dotada  de  “autonomia”,86  e  não  está  vinculada  à  vontade  ou  proposta  da  ANATEL.  

A   ANATEL,   por   sua   vez,   não   tem   competência   absoluta;;   sua   competência   para   expedir   normas   “subordina-­se   aos   preceitos   legais   e   regulamentares   que   regem   a   outorga,   prestação   e   fruição   dos   serviços   de   telecomunicações   no   regime   público   e   no   regime   privado”.,  como  já  decidiu  o  STF  na  ADIn  1.668/DF.    

Por   previsão   constitucional,   certas   atividades   foram   qualificadas   como   serviços  públicos,  como  é  o  caso  dos  serviços  de  telecomunicações,  a  navegação   aérea,   os   serviços   de   transporte   rodoviário   interestadual   e   internacional   de   passageiros,   os   serviços   de   abastecimento   de   água   e   energia,87  o   que   nos   leva   a  

85     BINENBOJM,   Gustavo   e   André   Cyrino.   Entre   política   e   expertise:   a   repartição   de   competências  

entre  o  governo  e  a  ANATEL  na  Lei  Geral  de  Telecomunicações.  In  BINENBOJM,  Gustavo.  Estudos   de  Direito  Administrativo:  artigos  e  pareceres.  Rio  de  Janeiro:  Renovar,  2015,  p.  15.  

86  BINENBOJM,   Gustavo   e   André   Cyrino.   Os   autores   defendem   que   “O   ato   do   Chefe   do   Poder  

Executivo   de   que   trata   o   art.   18,   LGT,   é   dotado   de   conteúdo   normativo   e   decisório,   praticado   no   exercício   de   seu   típico   poder   regulamentar,   por   meio   do   qual   edita   regulamentos   visando   à   plena   execução   da   Lei.”   in   Entre   política   e   expertise:   a   repartição   de   competências   entre   o   governo   e   a   ANATEL  na  Lei  Geral  de  Telecomunicações.  Estudos  de  Direito  Administrativo:  artigos  e  pareceres.   Gustavo  Binembojm.  Rio  de  Janeiro:  Renovar,  2015,  p.  32.  

87    ROCHA,  Silvio  Luís  Ferreira  da.  Manual  de  Direito  Administrativo.  São  Paulo:  Malheiros,  2013,  p.  

concluir   que   há   atividades   econômicas   e   atividades   econômicas   entendidas   como   serviços  públicos.    

As   privatizações   (ou   desestatizações,   conforme   a   denominação   da   Lei   no   8.031/1990),  mudaram  o  desenho  do  Estado  como  prestador  dos  serviços  públicos,   ocorrendo   “a   transformação   dos   serviços   descentralizados   por   delegação   legal   em   serviços  descentralizados  por  delegação  negocial”  (grifo  nosso).  88  E  justamente  em   razão   da   transferência   de   atividades   (econômicas   e   prestacionais)   à   iniciativa   privada    é  que  foram  criadas  as  agências  reguladoras,  cujo  objetivo  é  controlar  tais   empresas,   mantendo-­as   dentro   dos   ditames   do   interesse   público   “e   prevenindo   qualquer   tipo   de   comportamento   empresarial   que   reflita   abuso   de   poder   econômico”.89  

Nesse  sentido  assegura  José  dos  Santos  Carvalho  Filho  que  todos  os  entes   regulados   são   agentes   econômicos,   no   que   tem   razão,   se   for   levada   em   consideração  a  nova  forma  de  o  Estado  atender  as  necessidades  da  coletividade.90   O  dever  de  prestar  o  serviço  público  é  do  Estado,  mas  de  acordo  com  o  art.  175  da   CF,   ele   pode   ser   prestado   indiretamente,   através   de   empresas   concessionárias   e   ou   permissionárias.   O   Estado   passa   a   ser,   por   excelência,   o   agente   normativo   e   regulador  da  atividade  econômica,  como  estabelece  o  artigo  175  da  CF.    

Essa   regulação   envolve   as   atividades   de   fiscalização,   incentivo   e   planejamento  que,  no  entanto,  que  se  fará  sempre  na  forma  da  lei,  como  preconiza  o   art.  174  da  Constituição  Federal.  

Não   se   trata   de   confundir   o   público   e   o   privado.   A   distinção   entre   serviço   público  e  atividade  econômica  é  induvidosa.    

88  CARVALHO  FILHO,  José  dos  Santos.  Manual  de  Direito  Administrativo.  28  ed.  revis,  atual  e  ampl.  

E  atualizada  até  31.12.2014.  São  Paulo:  Atlas,  2015,  p.  363.  

89    Ibidem.  

90    Ibidem,  p.  359-­363:  “Mudou-­se  o  desenho  do  Estado  como  prestador  dos  serviços  públicos,  com  

as   privatizações   (ou   desestatizações,   conforme   a   denominação   da   Lei   8.031/1990),   indicando   “a   transformação   dos   serviços   descentralizados   por   delegação   legal   em   serviços   descentralizados   por   delegação   negocial”.   E   justamente   em   razão   da   transferência   de   atividades   (econômicas   e   prestacionais)   à   iniciativa   privada   é   que   foram   criadas   as   agências   reguladoras,   cujo   objetivo   é   controlar  tais  empresas,  mantendo-­as  dentro  dos  ditames  do  interesse  público  “e  prevenindo  qualquer   tipo  de  comportamento  empresarial  que  reflita  abuso  de  poder  econômico”.  Ibidem.  

André   Luiz   Freire   trata   da   possível   crise   da   dicotomia   entre   “atividades   públicas”   e   “atividades   privadas”,   citando   a   posição   de   vários   autores,   que   tratam   dos   modelos   de   Estado   atuais,   desde   o   Estado-­Providência   que   Juan   Carlos   Cassagne  diz  ter  sido  substituído  pelo  Estado  Subsidiário;;91  o  Estado  Regulador    por   Jacques   Chevallier92  e   por   Gaspar   Ariño   Ortiz;;93  a   crise   do   modelo   de   Bem-­Estar   que  levou  ao  Estado  Regulador  na  visão  de  Marçal  Justen  Filho;;94  a  concepção  do   Estado   Regulador   no   Brasil   que   segundo   Alexandre   Santos   de   Aragão,   Sérgio   Guerra,   Floriano   de   Azevedo   Marques   Neto,   Diogo   de   Figueiredo   Moreira   Neto   e   Phillip   Gil   França,   dentre   outros   adeptos,   ainda   está   em   construção;;95  o   Estado   Social   de   Vital   Moreira   que   defende   que   “entre     Estado   e   sociedade   foi   criado   um   espaço   intermediário,   uma   área   híbrida,   ao   mesmo   tempo   pública   e   privada:   uma   área  não  estatal”;;96  a  visão  de  Odete  Medauar  sobre  a  “publicização  do  privado”  e  a   “privatização   do   público”;;97  e,   enfim,   a   visão   do   próprio   autor,   André   Luiz   Freire,   acerca   da   necessidade   de   se   manter   a   dicotomia,     porque,   como   pensa   Pedro   Gonçalves,   apesar   de   “certa   interpenetração   entre   Estado   e   sociedade,   associada   ao   princípio   democrático   as   às   formas   de   participação   dos   sujeitos   privados   no   Estado   e   na   Administração   Pública,   ‘não   há   dúvidas   de   que   os   dois   termos   continuam   a   identificar   os   territórios   qualitativamente   diferentes   e   separados’”,98   importante   para   “preservar   um   espaço   privado,   livre   de   interferências   ilegítimas   do   Estado”  fixando    “um  campo  próprio  de  tarefas  estatais”  capaz  de  levar    “ao  dever   jurídico  do  Estado  de  buscar  sua  realização”.99  

Porém,   não   se   trata   de   negar   a   distinção   entre   serviço   público   e   atividade   econômica.  São  realmente  “figuras  antitéticas”,  como  bem  demonstrado  por  Augusto   Neves  Dal  Pozzo.100    

91  FREIRE,   André   Luiz.   O   regime   de   direito   público   na   prestação   de   serviços   públicos   por   pessoas  

privadas.  São  Paulo:  Malheiros,  2014,  p.  33.  

92  Ibidem,  p.  34   93  Ibidem.   94  Ibidem,  p.  35.   95  Ibidem,  p.  34   96  Ibidem,  p.  36.   97  Ibidem,  p.  36.   98  Ibidem,  p.  38.   99  Ibidem,  p.  40.    

100  DAL   POZZO,   Augusto   Neves.   Aspectos   Fundamentais   do   serviço   público   no   Direito   Brasileiro.  

Coleção  Temas  de  Deito  Administrativo.  São  Paulo:  Malheiros,  2012,  p.  120.  O  autor,  em  sua  obra,   sintetizando   o   pensamento   de   renomados   juristas,   como   Celso   Antônio   Bandeira   de   Mello   e   Weida  

O   que   se   deve   admitir,   no   entanto,   é   que   o   fato   de   serem   serviços   públicos   não  afastam  a  regulação  setorial  exercida  pelas  agências  reguladoras,  porque  para   os   serviços   de   telecomunicações   e   exploração   do   petróleo   há   previsão   constitucional  de  criação  de  agências  reguladoras  (ainda  que  o  texto  constitucional   tenha   utilizado   a   expressão   “órgãos   reguladores   para   se   referir   às   depois   criadas   agências   reguladoras),   e   as   demais   têm   previsão   legal,   de   indiscutível   validade   e   eficácia.  

Como   alerta   Silvio   Luís   Ferreira   da   Rocha,   a   Constituição   se   encarrega   de   expressamente   identificar   ou   determinar   o   que   seja   serviço   público,   distinguindo-­o   da  atividade  econômica.  E,  uma  vez  feita  a  distinção,  “não  cabe  atribuir  à  atividade   econômica   qualificada   de   serviço   público   em   regime   jurídico   próprio   da   iniciativa   privada”.101  Mas   nem   por   isso   os   serviços   públicos   ficam   isentos   à   atividade   regulatória   que   foi   incumbida   às   agências   reguladoras.   Por   isso   que   afirma   peremptoriamente  que  cabe  à  agência  reguladora  “a  tarefa  de  regular  determinado   setor  econômico,  relacionado  ou  não  com  a  prestação  de  serviço  público”.102  

Ainda  que  a  função  reguladora  das  agências  especiais  não  tenha  o  sentido   que  é  empregado  para  “regulação  administrativa”,  o  certo  é  que  elas  nasceram  com   o  propósito  de  fiscalizar,  controlar,  disciplinar  tanto  as  atividades  econômicas  quanto   a   prestação   dos   serviços   públicos.   O   motivo   de   sua   criação   não   foi   o   de   tentar   submeter  o  serviço  público  (que  é  de  titularidade  do  Estado  e,  portanto,  submetido   ao   regime   jurídico   de   direito   público)   ao   regime   de   direito   privado,   próprio   das   atividades   econômicas,   que   são   prestadas   exclusivamente   pela   iniciativa   privada,   mas   sim   o   de   transferir   o   papel   de   controle   e   fiscalização,   que   antes   era   exercido   pelo  Poder  Público,  a  um  ente  da  administração  descentralizada  (autarquia),  dotado   de  especial  autonomia  e  independência  para  bem  desempenhar  o  seu  mister.  

Zancaner,  sustenta  a  dicotomia  entre  o  serviço  público  e  a  atividade  econômica.  Afirma  que  “À  luz  da   Constituição  Federal,    serviço  público  e  atividade  econômica  não  se  confundem,  constituem  noções   antitéticas,  insuscetíveis,  portanto,  de  uma  categorização  conjunta,  como  se  fossem  espécies  de  um   mesmo   gênero.”   Cita,   ainda,   a   observação   de   Emerson   Gabardo:   “Fala-­se   em   atividade   econômica   em  ‘sentido  estrito’,  pois  o  serviço  público  também  possui  a  ontologia  de  uma  atividade  econômica,   apesar  de  o  sistema  constitucional  não  reconhecer,  do  ponto  de  vista  jurídico,  tal  nomenclatura.”  DAL   POZZO,   Augusto   Neves.   Aspectos   Fundamentais   do   Serviço   Público   no   Direito   Brasileiro.   Coleção   Temas  de  Deito  Administrativo.  São  Paulo:  Malheiros,  2012,  p.  117.    

101  ROCHA,  Silvio  Luís  Ferreira  da.  Manual  de  Direito  Administrativo.  São  Paulo:  Malheiros,  2013,  p.  

505.  

A   dicotomia   entre   serviço   público   e   atividade   econômica   não   pode   ser   empecilho  para  a  atuação  das  agências  reguladoras,  nem  pode  ser  resposta  para   todas   as   dúvidas.   Como   lembra   Aragão,   citando   Carlos   Ari   Sundfeld,   a   discussão   sobre  dicotomia  entre  serviço  público  e  atividade  econômica  se  encontra  superada   e  não  pode  ser  a  resposta  a  muitas  dúvidas  cruciais.  Segundo  ele,  a  aplicabilidade   do  regime  não  depende  mais  da  “operação  simplista  de  identificar  o  caráter  público   ou   privado   do   serviço   em   causa”,   mas   de   mudar   o   enfoque   da   discussão,   perquirindo  “como  ele  é  regulado  pelo  Estado  no  tocante  ao  aspecto  tal  ou  qual.”103  

O   próprio   Ricardo   Marcondes   Martins   chega   à   conclusão   de   que   as   agências  reguladoras,  ainda  que  não  façam  a  tecnicamente  denominada  regulação   administrativa,  não  deixam  de  controlar  também  os  serviços  públicos.  Enfim,  para  o   autor,  o  art.  21,  inciso  XI,  da  CF,  que  determinou  a  criação  de  um  órgão  regulador   para  os  serviços  públicos  de  telecomunicações,  é  um  caso  de  “falta  técnica  do  editor   normativo:   o   signo   ‘regulador’   foi   utilizado   nesse   dispositivo   de   modo   inadequado,   nada  tem  a  ver  com  o  significado  técnico”.104  Mas  emenda:  

A   única   exegese   constitucional   para   o   dispositivo   é   supor   uma   diretriz   pela   descentralização   administrativa.   O   poder   reformador   recomendou  que  esse  controle  não  seja  efetuado  pela  Administração   direta,  mas  por  meio  de  uma  autarquia,  impropriamente  denominada   de   ‘órgão   regulador’.   A   Emenda   8/1995   –   conclui-­se   –   não   teve   o   condão  de  alterar  o  conceito  de  regulação  administrativa.105