5 A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA NA ATIVIDADE REGULATÓRIA E A RESPONSIVIDADE DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
5.6 As deficiências que comprometem a aproximação das agências reguladoras com os usuários
5.6.4 O fenômeno da captura
A captura é outro fator que contribui diretamente para a deficiência da atividade das agências reguladoras brasileiras
A Teoria da Captura, também conhecida como Escola de Chicago, idealizada e desenvolvida por George Stigler e Claire Friedland na década de 1960, numa exposição sintética, refere-se à demonstração de que a regulação estatal num “modelo institucional de agência independente”, mas subordinado ao Executivo ou ao Legislativo, está muito mais vulnerável a sofrer a influência da empresa regulada ou de grupos de pressão em favor dessas empresas reguladas. A captura possibilita que a regulação seja pró-indústria, especialmente por dois motivos: (i) pelo fato de haver, na arena regulatória, o que Monique Menezes chamou de “assimetria de informações” entre os envolvidos - ente regulador, políticos, empresas e consumidores - o que favoreceria a desigualdade e o desequilíbrio nas relações entre uma e outra parte;; (ii) pelo fato de os consumidores não contarem com uma estrutura organizacional que os entes reguladores tem, o que favoreceria indústria.
Augusto Martinez Perez Filho comenta que: a participação popular é insuficiente para resolver o problema da captura nas agências reguladoras. Faz essa afirmação baseado em um relatório elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), resultante de auditora realizada em seis agências reguladoras de serviços públicos, em que ficou constatado que
a contribuição durante as consultas e audiências públicas, é em sua vasta maioria realizada por empresas membros do setor regulado, ou seja, o instrumento que deveria ser utilizado para equilibrar o processo regulatório de modo a incluir nele a aferição dos anseios dos usuários, em realidade acaba, ao final, servindo como canal de percepção dos interesses das empresas concessionárias, ou seja, do próprio mercado. 273
Como se observa, o problema é difícil de ser solucionado, mas, ao contrário do que afirma o autor supracitado, acreditamos que a participação democrática, aliada às demais formas de controle da administração podem funcionar como fator minimizador das deficiências da atividade regulatória.
273 PEREZ FILHO, Augusto Martinez. Agências reguladoras e o fenômeno da captura: participação
cidadã no seu controle e gestão como forma de combate à captura. São Paulo: JH Mizuno, 2015, p. 116.
6 CONCLUSÃO
A adoção da regulação estatal por intermédio das agências reguladoras independentes, num primeiro momento, teve como mote garantir a credibilidade regulatória, para atrair os investidores internacionais, que duvidavam da capacidade de o governo brasileiro não interferir nas decisões técnicas que deveriam ser tomadas nos setores regulados. Havia a pretensão de evitar que as decisões políticas e eleitoreiras afetassem as políticas de Estado. Embora até hoje essa seja a justificativa para a existência das agências reguladoras independentes no Brasil, seus objetivos se alargaram na mesma proporção em que se tornou insípida sua atuação. Desde a sua implantação, certas agências como a ANATEL e a ANS, as duas que nos propusemos analisar neste trabalho, sob o aspecto da sua aproximação com os usuários, produziram poucos atos regulatórios significativos para a proteção efetiva do usuários e/ou consumidores. Podemos citar, no âmbito da Anatel, há mais de dois anos, a suspensão de venda de linha telefônica móvel, e recentemente a ANS, com a suspensão de alguns planos de saúde. Como se verifica, há longos períodos de inatividade protetiva aos usuários.
Embora ainda não seja eficiente a atividade regulatória, não é o caso de extinguir as agências reguladoras, mas de aperfeiçoar-lhe o modelo, para que sejam, efetivamente, um canal aberto à sociedade, e para que estejam a serviço dos objetivos preponderantes da regulação, do aperfeiçoamento da técnica em busca da melhoria do serviço, da universalização do serviço, da satisfação coletiva naquilo que hoje se traduz em suas necessidades básicas, do respeito aos direitos fundamentais mesmo num país capitalista ou de economia neoliberal, cumprindo as diretrizes constitucionais que, longe de serem ordens programáticas, são mandamentos para a concretização da igualdade, da liberdade, da dignidade humana. Nessa senda, é claro, haveriam os exercentes da função regulatória das agências reguladoras, simplesmente cumprir a Constituição ou, talvez, de incorporar uma boa dose de ideologia e de respeito aos princípios que regem o Regime Jurídico Administrativo. Bastaria esse último para garantir a boa Administração.
O serviço público é um dos meios de promover a dignidade humana, porque está voltado à satisfação das necessidades essenciais e fundamentais do ser humano, de modo que o vínculo entre os direitos fundamentais e o serviço público é o que confere existência e legitimidade a este. O Estado, antes titular exclusivo dos serviços públicos essenciais, na medida em que passa a delegar sua prestação à iniciativa privada, passa também a assumir a responsabilidade de que tais serviços sejam fornecidos adequadamente, além de deter para si o dever de garantir a proteção dos direitos dos usuários. Vale realçar que o Estado passa a ter o dever de tutelar a qualidade e a eficiência dos serviços públicos e também de certas atividades econômicas consideradas de relevância para sociedade, e de evitar que as condutas das empresas reguladas, nocivas aos interesses dos usuários e consumidores, possam irradiar seus efeitos na esfera individual ou coletiva.
Nesse contexto, é forçoso reconhecer e concluir que a proteção administrativa dos usuários e consumidores no âmbito das agências reguladoras, não é uma faculdade, é um dever do Estado, uma função pública irrenunciável.
A sociedade não precisa de mais serviços;; precisa dos essenciais bem prestados, universalizados, geridos e conduzidos por uma administração séria e comprometida com os ditames sociais. Os direitos fundamentais não são artifícios retóricos, são mandamentos e, como tais, espargem seus efeitos a toda as áreas que abrangem o ser humano como finalidade. A finalidade do serviço público não é outra senão atender a sociedade, e quem os presta, seja o próprio Estado, sejam as empresas concessionárias, deve estar manietado às regras de proteção aos cidadãos, usuários ou potenciais usuários, consumidores cativos ou não. Incumbe às agências esse papel transformador da sociedade, de aproximar-se dos cidadãos, não só para ser um mero repositório de denúncias e reclamações, mas de efetivo concretizador dos objetivos da regulação que são: a prestação de serviço adequado e a proteção dos usuários.
A atribuição de proteção dos usuários, como pontuamos, é das agências reguladoras, ainda que não exclusivamente delas, já que existem órgãos de defesa do usuário e do consumidor que também fazem o controle das empresas privadas prestadoras de bens ou serviços públicos ou das demais atividades econômicas reguladas.
Assim, se a defesa do usuário é uma função pública e se a defesa do consumidor é um direito fundamental (art. 5º, XXXII, da CF), então incumbe às agências reguladoras, como entes estatais com poder de normatização, controle e fiscalização dos serviços, o dever de exercer essa proteção. Ainda que existam órgãos de defesa do consumidor e de usuários criados para esse fim específico, não se pode afastar o papel de proteção e defesa dos usuários e consumidores que as agências reguladoras devem desempenhar justamente em razão dos deveres constitucionais e legais que lhe são conferidos.
Se é certo que a eficiência da atividade regulatória depende do modelo de ente regulador implantando ou adotado pelo Estado, esse modelo não pode ignorar as conclusões extraídas do estudo de Stigler, de modo que o contorno institucional a ser desenhado para as agências reguladoras não pode desconsiderar as falhas apontadas pela Teoria da Captura.
Por isso que a modelagem das agências reguladoras deve ser marcada pela transparência, pela participação democrática, para a promoção do equilíbrio entre os interesses em jogo: Poder Público, concessionárias ou empresas privadas e usuário e/ou consumidores. A regulação não pode ser discrepante do interesse público;; a transparência deve proporcionar a divulgação de informações relevantes e necessárias e o desenho das agências propiciar espaço para o controle social das empresas reguladas.
A equidistância deve ceder para que as agências reguladoras se aproximem dos usuários.
E essa aproximação pode ser reforçada com a implementação de formas de participação democrática, propiciando ao cidadão (usuário ou não, consumidor ou não) o exercício pleno da cidadania para que ele também possa ser o protagonista na gestão dos serviços públicos e das atividades econômicas consideradas sensíveis para a qualidade de vida ou para o bem-estar geral.
A democracia se desenvolve “mediante a realização dos direitos fundamentais”274 e a participação democrática do cidadão é o instrumento para a sua concretização, porque se baseia na realidade, nas necessidades e possibilidades da sociedade.
Nesse contexto, a vontade administrativa, no âmbito das agências reguladoras, deve cada vez mais se conciliar à expressão da vontade popular manifestada nos processos democráticos, garantindo-se, assim, a adoção de uma solução mais responsável e legítima para os problemas identificados, o aprimoramento da atividade regulatória e a concretização dos direitos fundamentais.
274 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional - a sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 36.
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