3 O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO REGULATÓRIA E AS COMPETÊNCIAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
3.1 A função regulatória
AGÊNCIAS REGULADORAS
3.1 A função regulatória
A função reguladora das agências reguladoras, a autonomia normativa do ente, bem como o limite de seu poder de editar normas são temas que até hoje acendem intenso debate doutrinário.
Para alguns autores, a função reguladora parece estar imbricada ao poder normativo (ou competência normativa) das agências reguladoras. Para outros, como veremos, não só a ele.61
Para entendê-la é necessário, de antemão, tecer algumas considerações acerca da distinção entre regulação e regulamentação.
A doutrina brasileira ainda não concebeu um sentido preciso para o termo regulação, porquanto muitas vezes é confundido com a regulamentação, sendo ambos utilizados algumas vezes como sinônimos. Entretanto, regulação não pode ser confundida com regulamentação.
Regulação é termo antigo, já conhecido do Direito Administrativo, mas vem sendo empregado atualmente com mais frequência pelo Direito Econômico.62
Ricardo Marcondes Martins enfatiza que o objeto próprio da regulação é a atividade econômica e que o conceito de regulação administrativa tem como ponto
61 GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, regulação e reflexividade. 2 ed. rev. e ampl. Belo Horizonte:
Fórum, 2013, p. 169-170. Segundo o autor, “regulação é mais do que simplesmente baixar atos normativos. Pela regulação se permite o exercício da capacidade técnica das entidades descentralizadas – tecnicismo – para dispor com maior densidade sobre as matérias que lhe competem para equilibrar o subsistema regulado, diversamente das leis que, editadas pelo Poder Legislativo, assumem caráter genérico e sem concretude.” Ibidem.
62 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Teoria da regulação In CARDOZO, José Eduardo Martins,
QUEIROZ, João Eduardo Lopes, SANTOS, Márcia Walquíria Batista dos. (orgs.). Curso de Direito Administrativo Econômico. Vol. III. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 121.
de partida o direito positivo vigente.63 Nesse passo, esclarece que o caput do art. 174, da CF dispõe que o Estado é agente normativo e regulador da atividade econômica e que o constituinte teria utilizado o “signo ‘regulador’”, a partir do qual se perscruta o que seja a regulação administrativa. Após fazer a análise etimológica da palavra regulação, infere que ela indica dois sentidos análogos: o de “estabelecer regras” e o de “dirigir, governar”. Em sentido técnico, desenvolvido pela Cibernética (que é a ciência do governo ou do controle)64, regulação seria “o bloqueio dos fatores que, ao atuarem num sistema, o levariam ao desequilíbrio”.65 Trata-se de um significado técnico ou científico atribuído pela referida ciência ao “signo” regulação, que teria, enfim, na linguagem comum, o significado de “estabelecer regras” e “manter ou restabelecer o funcionamento equilibrado de um sistema”.66 Assim, identificado o signo e o significado, passa à análise da regulação na economia partindo da premissa de que o significado técnico adotado na Cibernética aproxima- se muito do sentido empregado na Economia, no qual a regulação tem a função de “suprir as falhas da ‘mão invisível’ do mercado”,67 garantindo a eficiência e a equidade econômica.68
De outra parte, Marçal Justen Filho, exorta que a regulação não alude apenas à regulação econômica;; a regulação é sempre econômica e social, uma vez que a intervenção do Estado na economia “corresponde sempre à promoção de valores sociais”.69 Essa regulação econômica e social é, portanto, uma atividade estatal que envolve as funções administrativa, legislativa, jurisdicional e de controle, nos três níveis federativos e que tem por escopo “a intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático, para implementar as políticas de governo e de realização dos direitos fundamentais”.70
Floriano de Azevedo Marques Neto acrescenta que a atividade regulatória envolve funções muito mais amplas que a atividade regulamentar. Ela abrange
63 MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação Administrativa à Luz da Constituição Federal. Coleção
Temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 82.
64 Ibidem, p. 84 65 Ibidem, p. 85. 66 Ibidem, p. 86. 67 Ibidem, p. 87. 68 Ibidem, p. 87.
69 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT,
2014, p. 670.
“atividades coercitivas, adjudicatórias, de coordenação e organização, funções de fiscalização, sancionatórias, de conciliação (composição e arbitragem de interesses),” além de compreender o exercício de “poderes coercitivos e funções de subsidiar e recomendar a adoção de medidas de ordem geral pelo poder central”.71
Já a regulamentação, Marçal comenta, com espeque no entendimento esposado por Eros Grau, que ela “corresponde ao desempenho de função normativa infraordenada, pela qual se detalham as condições de aplicação de uma norma de cunho abstrato e geral, tal como dispõe o artigo 84, IV da Constituição”.72
Feitas as distinções e apontada a dissensão doutrinária sobre o tema, adotaremos aqui o termo regulação ou função regulatória para indicar o exercício, pelas agências reguladoras, da atividade de disciplina, controle e fiscalização do setor regulado.
Ademais, podemos afirmar que a função regulatória é uma das formas de intervenção do Estado na economia e sobre a economia, 73 e pressupõe, necessariamente, para o seu exercício, a existência de competências, quais sejam, competência normativa, para expedir atos normativos tendentes a regular a atividade econômica, competência fiscalizadora, para garantir a aplicação dos
71 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências Reguladoras independentes. Fundamentos e
seu regime jurídico. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 37-38.
72 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT,
2014, p. 669.
73 Alexandre Santos de Aragão destaca que o conceito de regulação comporta pelo menos duas
distinções: a que a classifica em regulações diretas e indiretas, e regulações imediatas e mediatas. As regulações diretas consistem “em ordens juridicamente vinculantes aos particulares para deles se obter uma ação, omissão ou prestação”, e indiretas “pelas quais a finalidade pública é atingida não pela coação, mas por outros meios, alguns deles não jurídicos no sentido tradicional, e sim mercadológicos, mas às vezes dotados de maior efetividade prática”. Exemplos das segundas são: “informes, divulgação de índice de qualidade das empresas reguladas, das que recebem mais reclamações dos consumidores, estoques reguladores, fixação de preços menores para estatais para forçar a diminuição de preços pelos agentes privados” e outros. Já a regulação imediata na economia, “se dá quando o Estado visa a objetivos econômicos propriamente ditos, atuando deliberadamente sobre a produção, a circulação ou o consumo de mercadorias (por exemplo, ao coibir a concentração do poder econômico ou ao fixar o valor das tarifas)”, ao passo que a regulação mediata, tem-se uma “regulação social lato sensu, ou seja, a busca da realização das finalidades sociais do Estado, com reflexos na economia (por exemplo quando a Agência de Vigilância Sanitária veda a presença de certas substâncias nocivas em alimentos, está atendendo à obrigação estatal de velar pela saúde da população). Nela ‘o Estado não intervém na economia, mas sim sobre a economia’, citando neste trecho a afirmação de Luís S. Cabral de Moncada, Direito Econômico. 2 ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1988, p. 33, In ARAGÃO, Alexandre Santos. Agências reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico. 3 ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 39-40 (grifo nosso).
referidos atos normativos, e a competência sancionadora, para coibir as infrações e, estendendo mais um pouco o espectro de suas funções, podemos incluir uma quarta competência que é a julgadora, cujo objetivo é “precipuamente a composição de latentes conflitos inter subsetoriais (ex.: entre determinadas categorias de consumidores, entre consumidores e concessionárias, entre estas e o Estado, etc.)”.74
Acrescentem-se, também, como próprias da atividade regulatória das agências reguladoras, além das competências que possuem, algumas funções administrativas, como as que Floriano Azevedo Marques Neto denomina de “poderes”, tais como: a) poder de outorga, consistente na expedição de licenças, autorizações e injunções;; e) poder de conciliação, que se revela na capacidade de conciliação ou mediação dos interesses das partes envolvidas no processo regulatório;; f) poderes de recomendação, que, segundo o autor, é verdadeira prerrogativa que a lei instituidora concede ao ente regulador, de recomendar “medidas ou decisões a serem editadas no âmbito das políticas públicas”. 75
A função regulatória varia de acordo com o tipo de atividade regulada, de modo que temos no Direito positivo brasileiro a regulação das seguintes atividades: (i) Regulação dos serviços públicos, a cargo da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), da Antt (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários);; (ii) Regulação do monopólio estatal (agências reguladoras de exploração direta de bens públicos e agências reguladoras da exploração privada de bens e/ou atividades monopolizadas pelo Estado), exercidas pela ANA (Agência Nacional de Águas) e pela ANP (Agência Nacional de Petróleo);; (iii) Regulação do fomento, como é o caso do incentivo ao cinema, que fica a cargo da Ancine (Agência Nacional do Cinema);; (iv) Regulação das atividades privadas de
74 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo
econômico. 3 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 339.
75 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências Reguladoras independentes. Fundamentos e
seu regime jurídico. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 61.
interesse público, que é desempenhada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).76