4 OS OBJETIVOS PREPONDERANTES DA ATIVIDADE REGULATÓRIA E O DEVER DE APROXIMAÇÃO COM OS USUÁRIOS
4.1 O dever de proteção aos usuários e consumidores como função pública
Todo o sistema de Direito Administrativo – o regime jurídico administrativo – se constrói sobre os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade dos interesses públicos pela Administração. Isto é, o binômio “prerrogativas da Administração – direitos dos administrados”. Esses são os dois axiomas a partir dos quais defluem os demais princípios que regem todo o sistema, ou seja, que pressupõem o regime jurídico administrativo e que orientam e vinculam toda a atividade administrativa.
A atividade administrativa, por sua vez, pode ser entendida como “a sequência conjugada de ações e omissões” por meio das quais se exercita a função administrativa “e se persegue a realização dos fins que norteiam e justificam sua existência”.143 Vale dizer, função administrativa é “um conjunto de competências estatais”144 que concretiza a atividade administrativa pública estatal.
Para o Direito, como sintetiza Sundfeld, “é o poder de agir, cujo exercício traduz verdadeiro dever jurídico, e que só se legitima quando dirigido ao
143 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10 ed., ver., atual., e ampl. São Paulo:
RT, 2014, p. 126.
atendimento da específica finalidade que gerou sua atribuição ao agente”.145 Ou seja, é dever e não faculdade, e é válido somente se alcançar a sua finalidade.
Por serem deveres, essas funções públicas, como bem explica Aguillar, são atribuições irrenunciáveis: “Estão previstas na Constituição e o Estado não pode desvencilhar-se delas”. O autor explica que “a imensa maioria das atividades estatais inscritas na CF/88 constitui funções públicas: as responsabilidades estatais na defesa dos direitos e garantias fundamentais do art. 5º (proteção ao consumidor, propriedade privada, à dignidade humana);;”146 os direitos sociais e outras.
Segundo Roberto Dromi, lecionando sobre a ampliação operativa da função administrativa, comenta que a Administração se apresenta como numa ação encaminhada a um fim. E mais:
Quando a gestão e o serviço (atividade administrativa) estão em função do bem comum e da justiça distributiva, nos encontramos na presença da Administração Pública. A função administrativa constitui o objeto próprio do Direito Administrativo.147
Essa função administrativa, portanto, é um conjunto de atividades dirigido ao bem comum, que se traduz em uma execução concreta e prática. Compreende, dessa forma, uma ação positiva de realização desses fins – cabe mencionar – o bem comum, a seguridade, o progresso e bem estar da comunidade e, ainda, a integração da atividade individual com vistas ao interesse geral.148 E como tal, é desempenhada pelos três órgãos fundamentais do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), por órgãos públicos não estatais que atuam por delegação (e como tal encarregados da execução concreta e prática das tarefas estatais), bem como entes públicos da administração descentralizada, como é o caso das agências reguladoras.
145 SUNDEFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 5 ed., 4. Tir., São Paulo: Malheiros,
2013, p. 163.
146 AGUILLAR, Fernando Herren (Coord.). Serviços públicos: doutrina, jurisprudência e legislação.
Coleção direito econômico. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 27.
147 DROMI, Roberto. El Derecho Públicio em La hipermodernidad. Madri: Hispania Libros, 2005, p.
279.
Essa atividade administrativa estatal se manifesta principalmente através do Poder Executivo, “pelas vias da intervenção, restrição, fomento, prestação, fiscalização”.149
A Constituição Brasileira acentua essa função do Executivo na medida em que prevê, no art. 170 os objetivos e os princípios que informadores da ordem econômica, dando relevo ao princípio da dignidade humana e, ao lado de outros, o da defesa do consumidor.
A proteção do usuário e do consumidor passa a se qualificar também como uma função administrativa e, portanto, uma função pública.
Mais adiante, no art. 175, inciso II, da Constituição, encontra-se disposição que impõe ao Poder Público a proteção aos direitos dos usuários.
Diante disso, as missões clássicas do Estado se renovaram e se ampliaram, para incluir, e.g., a competição no mercado e os direitos do consumidor. Tais objetivos, já são reconhecidos há muito tempo, mas seus conteúdos são constantemente reformulados e, nas palavras de Dromi, “exigem uma nova atuação administrativa como resposta”.150
Com essa necessidade de reformulação da atividade administrativa, surge “um novo direito fundamental: o do consumidor”.151
Segundo José Afonso da Silva o princípio da defesa do consumidor é um dos denominados princípios de integração, porque está dirigido “a resolver os problemas da marginalização regional ou social”,152 previstos no inciso III, do art. 3º, da Constituição Federal, e que é tratado também como um dos direitos coletivos consignados no art. 5º da CF.
149 DROMI, Roberto. El Derecho Públicio em La hipermodernidad. Madri: Hispania Libros, 2005, p.
284.
150 Ibidem, P. 296. Enfatiza o autor que precisam ser “reformulados” especialmente os direitos
relacionados com “la prestación del servicios públicos”. Ibidem.
151 Ibidem, 304.
152 SILVA, José Afonso. Curso de feito constitucional positivo. 36 ed., rev. e atual. (até a emenda
A Administração Pública vincula-se a esse direito fundamental de modo que passa a ter o dever de concretizá-lo.
4.2 A exigência da prestação adequada do serviço
O art. 175 da Constituição Federal, inciso IV, do parágrafo único, prescreve que é obrigação do Estado “manter serviço adequado”.
Modo adequado de prestação de serviço público, segundo a definição extraída do artigo 6º, § 1º, da Lei no 8.987/95 é “o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.
Portanto, todos os demais princípios inerentes aos serviços públicos têm como base o princípio da obrigatoriedade da prestação de um serviço adequado, extraído do art. 175, inciso IV, do parágrafo único, da CF/88 e do art. 6º, § 1º, da Lei no 8.987/95, que disciplina as concessões.
Trata-se de “princípio matriz do serviço público”,153 que “realça a figura do usuário e não a do prestador” porque é em função do usuário que o serviço público é prestado.
4.2.1 A noção de serviço público
Historicamente, ao conceber o conceito de serviço público, os autores inclinavam-se a ampliar a sua noção, inspirados que eram na doutrina clássica francesa, de Duguit e Gaston Jèze.
153 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.