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A responsabilidade contratual do contraente público

CAPÍTULO II – AS MÁQUINAS DE VENDA AUTOMÁTICA EM EDIFÍCIOS DO ESTADO

3.2. A responsabilidade contratual do contraente público

Como vimos atrás, o Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro (alterado pela Lei n.º 47/2014, de 28 de julho), no artigo 24.º, especifica que a responsabilidade “Nos casos em que os equipamentos destinados à venda automática se encontrem instalados num local pertencente a uma entidade pública ou privada, é solidária, entre o proprietário do equipamento e o titular do espaço onde se encontra instalado [...]”.

Convém ainda referir que, nos termos do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.

Jorge Miranda e Rui Medeiros afirmam que «o artigo 22.º, a propósito dos princípios gerais em matéria de direitos fundamentais, consagra fundamentalmente um princípio da responsabilidade directa dos Estado e demais entidades públicas […]. O princípio consagrado no artigo 22.º é assumido constitucionalmente como instrumento fundamental de protecção dos particulares num Estado de Direito. A sua principal função é reparadora, garantindo aos lesados “o ressarcimento dos danos causados pelos actos praticados pelos titulares dos órgãos, funcionários e agentes do Estado e de entidades públicas” (Ac. n.º 236/04)»257.

Ainda segundo os autores acima referidos, “nesta primeira dimensão, o direito de indemnização impõe-se como um postulado intrínseco da efectividade da tutela jurídica condensada no direito do respectivo titular naqueles casos, pelo menos, em que se verifica a sua violação (Ac. n.º 385/05)”258.

257 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 472. 258 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui, Constituição..., cit., p. 472.

De acordo com Jorge Miranda e Rui Medeiros, «mais controverso, […], é a questão de saber se o artigo 22.º se projecta também ou não no âmbito da responsabilidade contratual. No Acórdão n.º 153/90, o Tribunal Constitucional concluiu, a partir da letra do preceito (que se refere à violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem) e dos trabalhos preparatórios, que o artigo 22.º tem unicamente em vista a chamada responsabilidade extracontratual, não se situando “no domínio da responsabilidade emergente do não cumprimento, cumprimento defeituoso ou retardamento no cumprimento dos contratos”. Mais recentemente, porém, se bem que não repudiando esse entendimento, o Ac. n.º 385/05 sublinhou, em qualquer caso, que o direito de indemnização no âmbito de uma relação contratual pode ser visto, “mais adequadamente como uma refracção da tutela constitucional, dispensada aos princípios da autonomia, da liberdade contratual e da iniciativa privada cujos “fundamentos mais explícitos se encontram nos artigos 26.º, n.º 1, e 61.º da Constituição”259».

Jaime Augusto Cardoso de Gouveia salienta, relativamente à matéria em título, que “a única fonte da responsabilidade contratual é o contrato”260. Assim, “só da inexecução das obrigações

contratuais, criadas pelo contrato, procede responsabilidade contratual. […] Consequentemente, são condições sine quibus non, para que do contrato emane responsabilidade contratual, as seguintes:

Que exista um contrato de conteúdo definido; Que êsse contrato seja válido e eficiente;

Que esse contrato vincule juridicamente o lesado e o autor da lesão; e Que o prejuízo resulte da inexecução das obrigações contratuais”261.

Relativamente à noção de responsabilidade contratual, pode dizer-se que é “a obrigação de reparação de um dano advindo a uma das partes contratantes por causa do não cumprimento de uma obrigação contratual pelo outro contraente ou devido a um facto seu […]”262.

259 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui, Constituição..., cit., p. 475.

260 GOUVEIA, Jaime Augusto Cardoso de, Da responsabilidade contratual, cit., p. 243. 261 GOUVEIA, Jaime Augusto Cardoso de, Da responsabilidade…, cit., p. 307. 262 SILVA, Jorge Andrade da, Dicionário…, cit., p. 420.

3.2.1. Regime e caracterização da responsabilidade contratual

Como afirma Jorge Andrade da Silva, “a fonte deste tipo de responsabilidade consiste na infracção de uma relação obrigacional existente entre o ofendido e o ofensor, entre o lesado e o lesante, decorrente de um contrato”263.

No mesmo sentido, Pedro Gonçalves afirma que “o contrato administrativo é fonte de obrigações jurídicas, pelo que, naturalmente, o não cumprimento das obrigações contratuais comporta consequências jurídicas” 264.

Segundo Pedro Gonçalves, “entende-se por responsabilidade contratual o dever jurídico que recai sobre alguém que outorgou um contrato e que consiste em ter de responder pelo incumprimento definitivo, pelo cumprimento defeituoso ou tardio das obrigações contratuais. O quid specificum da responsabilidade contratual reside no facto de pressupor uma infracção ou uma violação de obrigações contratuais”265.

Ainda de acordo com Pedro Gonçalves, “para que um tal dever de responder seja efectivado, não se considera necessário que o incumprimento do contrato seja fonte de prejuízos ou de danos para o contraente público: eis o que resulta de, no direito administrativo, a responsabilidade contratual não se confundir com a responsabilidade civil, a qual, essa sim, depende de um dano, vindo, por isso, o dever de responder a consistir numa obrigação de reparar ou de indemnizar. […] Distinguimos, por isso, dois tipos de responsabilidade contratual: a responsabilidade civil, que implica um dever de indemnizar (de reparar um prejuízo), e a responsabilidade administrativa, a qual, pressupondo também um incumprimento contratual, se consubstancia na aplicação das designadas sanções contratuais”266.

Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos sustentam que “o incumprimento do contrato pode dar origem à aplicação de sanções pela administração ao seu co-contratante faltoso267

263 SILVA, Jorge Andrade da, Dicionário…, cit., p. 420. 264 GONÇALVES, Pedro, Cumprimento…, cit., p. 596. 265 GONÇALVES, Pedro, Cumprimento…, cit., p. 597. 266 GONÇALVES, Pedro, Cumprimento…, cit., p. 597. 267 Cfr. artigo 329.º do CCP.

[…]; e à responsabilidade civil contratual de qualquer dos contraentes perante o outro […]”268.

Assim, ainda de acordo com Jorge Andrade da Silva, “para que haja responsabilidade, não é necessário um incumprimento definitivo da obrigação, bastando a simples mora no cumprimento. […] Por outro lado, para afastar a responsabilidade, não basta um qualquer cumprimento da obrigação, um cumprimento defeituoso e imperfeito, sendo necessário o seu cumprimento pontual ainda no sentido de perfeito, isto é, nos termos contratados”269.

A responsabilidade contratual pressupõe como requisitos: i) um contrato válido; ii) uma obrigação contratual; iii) um facto do obrigado violador dessa obrigação; iv) culpa do devedor na ocorrência desse facto; v) um dano sofrido pelo credor; vi) um nexo causal entre aquele facto e o dano270.

Jorge Andrade da Silva afirma que “a lei presume a culpa do devedor, pelo que este é que tem o ónus de provar que a não teve”271.

Nos termos do estipulado no artigo 798.º do Código Civil, “a responsabilidade traduz-se na obrigação de reparação do dano sofrido pelo credor, isto é, na obrigação de indemnizar o lesado […]. O que significa que a existência dessa responsabilidade não tem, necessariamente, que conduzir à extinção da relação contratual. […] A responsabilidade só existe se não houver causas legítimas de não cumprimento […], o que tem a ver com a questão da culpa do devedor. […] Tem ainda a ver com a falta de culpa do devedor o incumprimento devido a causa de força maior […] ou à impossibilidade temporária ou definitiva superveniente da prestação por causa que lhe não é imputável”272.

Jorge Andrade da Silva salienta que “a obrigação de indemnizar pode assumir várias formas:  Restauração natural ou específica que se traduz em colocar o lesado na situação que

estaria se não tivesse ocorrido lesão273 […] – como, alíás, já foi mencionado atrás;

 Indemnização por equivalente, que consiste na substituição do montante dos danos

268 SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de, Contratos públicos: direito administrativo geral, cit., p. 146. 269 SILVA, Jorge Andrade da, Dicionário…, cit., p. 420.

270 SILVA, Jorge Andrade da, Dicionário…, cit., p. 420.

271 Cfr. artigo 799.º do CC. SILVA, Jorge Andrade da, Dicionário…, cit., p. 421. 272 SILVA, Jorge Andrade da, Dicionário…, cit., p. 421.

por equivalente quantia em dinheiro” 274.

De acordo com o estipulado no artigo 334.º, n.º 2, do CCP, no caso da entidade adjudicante e contraente público “a obrigação de indemnizar pode abranger a reparação do dano emergente e do lucro cessante. […] Ao lucro cessante deve ser deduzido o benefício resultante para o co- contratante da antecipação dos ganhos previstos”275.

Para além disso, de harmonia com o artigo 424.º do CCP: “ 1 - O concedente responde por

danos causados pelo concessionário a terceiros no desenvolvimento das actividades concedidas por facto que ao primeiro seja imputável. 2 - O concedente responde ainda por facto que não lhe seja imputável, mas neste caso só depois de exercidos quaisquer direitos resultantes de contrato de seguro que no caso caibam e de excutidos os bens do património do concessionário”.

Segundo Jorge Andrade da Silva, “este preceito responsabiliza o concedente, para além das consequências dos atos próprios (n.º 1), pelos danos causados a terceiros em consequência de quaisquer atos praticados pelo concessionário no desenvolvimento das actividades da concessão, ainda que, portanto, imputáveis a este último (n.º 2), isto é, mesmo que não sejam imputáveis ao concedente, embora, neste caso, este goze do benefício da prévia excussão do seguro e dos bens do concessionário”276.

Para além disso, Jorge Andrade da Silva afirma, ainda, que “não distinguindo os atos praticados no exercício dos poderes públicos dos que o não são, é um regime que se baseia numa conceção orgânica da concessão, em que o concessionário age como se fosse um órgão ou agente do concedente, integrando a responsabilidade da concessão perante terceiros como uma

responsabilidade extracontratual da Administração Pública. O concedente assume um papel de comitente e o concessionário de comitido. Perante terceiros, o titular do objecto da concessão é o concedente, sem prejuízo do seu direito de regresso contra concessionário”277.

Já Pedro Gonçalves tende “a defender o princípio da responsabilidade própria do concessionário, mas nos termos da responsabilidade por actos de gestão privada”278.

274 SILVA, Jorge Andrade da, Dicionário…, cit., p. 421. 275 SILVA, Jorge Andrade da, Dicionário…, cit., p. 421. 276 SILVA, Jorge Andrade da, Código…, cit., p. 857. 277 SILVA, Jorge Andrade da, Código…, cit., p. 858. 278 GONÇALVES, Pedro, A concessão…, cit., p. 322-323.

Logo, e ainda de acordo com Pedro Gonçalves, «em regra, o concessionário, e só ele, deve responder pelos prejuízos decorrentes da sua actividade (responsabilidade própria exclusiva); além disso, deve responder nos termos gerais da responsabilidade civil por actos de gestão privada, uma vez que existe neste caso uma “gestão privada do serviço público”: é nesses termos que deve entender-se o sentido de uma formulação habitual nos regimes das concessões: o concessionário é responsável, nos termos gerais de direito, por quaisquer prejuízos ocasionados a terceiros no exercício da actividade concessionada»279280.

Assim, e «[…] uma vez que a Administração concedente nunca deixa de assumir aquilo que Giannini designa por “responsabilidade política e político-administrativa”281, que podemos considerar

neste contexto, a responsabilidade inerente à escolha da concessão como modelo de gestão do serviço, […] que entende existir, no caso da concessão, uma responsabilidade subsidiária da Administração concedente282, efectivável em caso de insolvência do concessionário – a

Administração não pode deixar de ser o “garante final da indemnização patrimonial do lesado” pela actuação do concessionário»283.

3.3. A regulação dos contratos de concessão efetuados no contexto das máquinas de