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A formação do contrato no âmbito do CCP

CAPÍTULO II – AS MÁQUINAS DE VENDA AUTOMÁTICA EM EDIFÍCIOS DO ESTADO

2.1. As Máquinas de venda automática: que tipo de contrato?

2.1.1. A formação do contrato no âmbito do CCP

Através da conjugação do artigo 1.º, n.º 2, e do artigo 16.º, n.º 1, com o artigo 4.º, do CCP, parece não existirem dúvidas de que “para a formação de contratos, cujo objecto abranja prestações que estão ou sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado”, o Estado deve adotar “um dos seguintes tipos de procedimento: a) ajuste direto; b) concurso público; c) concurso limitado por prévia qualificação; d) procedimento de negociação; e) diálogo concorrencial”. Aliás, de acordo com Pedro Melo “por força do designado princípio da tipicidade procedimental, consagrado por aquele preceito legal139, as entidades adjudicantes só podem adoptar,

em sede de contratação pública, um dos procedimentos pré-contratuais aí consignados, devendo ainda respeitar o iter próprio de cada um deles140, sob pena de invalidade do acto final de

adjudicação e sem prejuízo do contrato celebrado poder vir a ser contaminado por tal invalidade141”142.

138 CAETANO, Marcello, Manual…, I, cit., p.595. 139 Cfr. artigo 16.º, n.º 1, do CCP.

140 Cfr. artigo 51.º do CCP. Convém salientar que o rigoroso cumprimento dos procedimentos adjudicatórios é há muito reconhecido “como uma forma

de assegurar a correcta aplicação dos dinheiros públicos e, outrossim, de salvaguardar e fomentar o princípio da concorrência”. MELO, Pedro, “Concessão de obras e serviços públicos – em especial, a alocação do respectivo risco contratual”. Apud FERREIRA, Eduardo Paz; RODRIGUES, Nuno Cunha, Novas fronteiras da contratação pública, cit., p. 280.

Na mesma linha, Pedro Melo refere que “no caso concreto dos contratos de concessão de obras e serviços públicos, deve ser adoptado, como regra geral e em alternativa, o procedimento de concurso público, o procedimento de concurso limitado por prévia qualificação ou o procedimento de negociação, independentemente do valor do contrato”. Na verdade, “trata-se, […], de um campo onde avulta a discricionariedade decisória ou a liberdade conformadora das entidades adjudicantes, visto que estas podem optar por seguir qualquer um daqueles procedimentos pré-contratuais, em função do que se lhes afigure melhor atento o contexto do caso concreto”143.

Em consonância com o artigo 16.º, n.º 2, do CCP, consideram-se submetidas à concorrência de mercado, as prestações típicas abrangidas pelo objeto dos seguintes contratos, independentemente da sua designação ou natureza: empreitada de obras públicas, concessão de obras públicas, concessão de serviços públicos, locação ou aquisição de bens móveis, aquisição de serviços e sociedade.

Para além disso, o valor do contrato constitui um aspeto fundamental para a escolha do procedimento. Conforme dispõe o artigo 17.º, n.º 1, do CCP, “[…] o valor do contrato a celebrar é o valor máximo do benefício económico que, em função do procedimento adoptado, pode ser obtido pelo adjudicatário com a execução de todas as prestações que constituem o seu objecto”. O n.º 2, do mesmo artigo, esclarece que “O benefício económico referido no número anterior inclui, além do preço a pagar pela entidade adjudicante ou por terceiros, o valor de quaisquer contraprestações a efectuar em favor do adjudicatário e ainda o valor das vantagens que decorram directamente para este da execução do contrato e que possam ser configuradas como contrapartidas das prestações que lhe incumbem”. Não será pacífico enquadrar um contrato com o objeto de máquinas de venda automática no n.º 1 deste artigo, a não ser que consideremos os utentes os terceiros enunciados no n.º 2.

O artigo 17.º, n.º 4, do referido diploma, “[…] regula a hipótese de o contrato não implicar o pagamento de qualquer preço nem a atribuição directa de vantagens ao adjudicatário, caso em que considera não existir valor do contrato, o que tem consequências várias, como por exemplo a

142 MELO, Pedro, Concessão…, cit., pp. 279-280. 143 MELO, Pedro, Concessão…, cit., p. 280.

referida no n.º 2 do artigo 31.º (escolha do procedimento em função do tipo de contrato)”144.

A escolha do procedimento pré-contratual “[…] condiciona o valor do contrato a celebrar

[…]”145, conforme refere o artigo 18.º do CCP, dado que “[…] o contrato não pode ter um valor

superior ao que o procedimento escolhido permite […]”146.

O artigo 20.º do CCP define limites máximos para os procedimentos pré-contratuais relativos à formação de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços.

Mas, no caso de não existir uma despesa pública, onde se enquadra o contrato?

O artigo 21.º, n.º 1, do CCP, refere que “No caso de contratos não referidos nos artigos anteriores, excepto se se tratar de contratos de concessão de obras públicas, de contratos de concessão de serviços públicos e de contratos de sociedade […]” e o n.º 2 “Para a formação de contratos sem valor, excepto se se tratar de um dos contratos mencionados no número anterior, pode ser adoptado qualquer um dos procedimentos nele referidos”. Se considerarmos o contrato de máquinas de venda automática como uma concessão de serviços públicos, não podemos enquadrá- lo naquele artigo.

Relativamente ao artigo 21.º, n.º 2, do diploma mencionado, Jorge Andrade da Silva afirma que “[…] tidas em conta as excepções ali referidas em virtude da natureza e objecto desses contratos, quando não está em causa a realização de uma despesa, o tipo de procedimento é irrelevante sob o ponto de vista da melhor aplicação dos dinheiros públicos, deixando de haver fundamento para a imposição específica de um deles”147.

Todavia, apesar de no contrato de máquinas de venda automática não existir despesa pública direta, existe despesa pública indirecta, através da ligação das máquinas à eletricidade e à água, bem como através da ocupação daquele espaço. Existe um segundo aspeto que parece fundamental, e que está relacionado com o artigo 16.º, n.º 1, do CCP, designadamente quando este artigo refere que os procedimentos pré-contratuais elencados devem ser adotados “Para a formação de contratos cujo objecto abranja prestações que estão ou sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado […]”. Pensa-se que, pelos motivos apontados e tendo em conta os

144 SILVA, Jorge Andrade da, Código…, cit., p. 92. 145 SILVA, Jorge Andrade da, Código..., cit., p. 92.

146 RIBOT, Catherine, La passation des marchés publics…, cit., p. 117. Apud SILVA, Jorge Andrade da, Código..., cit., p. 92. 147 SILVA, Jorge Andrade da, Código…, cit., p. 97.

princípios subjacentes à contratação pública, não pode ser aplicado o artigo 21.º, n.º 2, do CCP, ao contrato em estudo, pois se fosse adotado qualquer um dos procedimentos referidos no Código, poder-se-ia, no limite, adotar sistematicamente o ajuste direto a uma entidade, ferindo todos os princípios a que deve respeitar a contratação pública.

O contrato de máquinas de venda automática não é uma aquisição de um serviço ou de um bem porque a aquisição de serviços é “o contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço”148. Como afirma

Jorge Andrade da Silva “[…] no contrato de aquisição de serviços a existência de um preço é essencial […]”149.

Assim, salvo douta opinião, o objeto deste contrato abrange prestações típicas do contrato de concessão de serviços públicos, porque este “é um contrato administrativo pelo qual uma entidade se obriga à montagem e/ou exploração de uma actividade de serviço público, durante um determinado período de tempo, em nome próprio, por sua exclusiva conta e no interesse geral, adquirindo, em contrapartida, o direito aos resultados dessa exploração ou o pagamento de um preço (artigo 407.º, n.º 2)”150.

Na concessão de serviços públicos, como decorre da definição constante do artigo 407.º, n.º 2, do CCP, é a gestão de um serviço público que é transferida para o concessionário (é o direito de gerir essa atividade no seu próprio nome).

A noção dada pelo CCP está de acordo com a resultante das diretivas comunitárias (de 2004, entretanto revogadas), incluindo a Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão, exceto na parte em que se refere ao direito ao pagamento de um preço, quando devia dizer direito ao recebimento de um preço.

O artigo 409.º, n.º 2, do CCP, elenca os poderes ou prerrogativas de autoridade que, por estipulação no contrato de concessão, o concedente de um serviço público pode transferir para o concessionário, a saber: “[…] a) Expropriação por utilidade pública; b) Utilização, protecção e gestão

148 Cfr. artigo 450.º do CCP.

149 SILVA, Jorge Andrade da, Código…, cit., p. 881. 150 SILVA, Jorge Andrade da, Dicionário…, cit., p. 118.

das infra-estruturas afectas ao serviço público; c) Licenciamento e concessão, nos termos da legislação aplicável à utilização do domínio público, da ocupação ou do exercício de qualquer actividade nos terrenos, edificações e outras infra-estruturas que lhe estejam afectas”.Desta forma, a ocupação do espaço pelas máquinas de venda automática nos edifícios públicos, parece poder enquadrar-se no n.º 2, alínea c), deste artigo.

Os bens afetos à concessão, conforme o prevê o artigo 419.º, do mesmo diploma legal, poderão considerar-se as máquinas de venda automática, pois poderão ser enquadradas no n.º 2 deste artigo. As máquinas encontram-se afetas à concessão e, no fim do contrato são bens da propriedade do concessionário não abrangidas por cláusula de transferência, pois as máquinas foram adquiridas pelo concessionário e não revertem para o concedente.

Assim, quando se estuda o conceito de concessão de serviços públicos, verifica-se que existe uma similitude entre aquele e o contrato de máquinas de venda automática. Conforme dispõe o artigo 31.º, n.º 1, do CCP, “[…] para a formação de contratos de concessão de obras públicas e de concessão de serviços públicos, bem como de contratos de sociedade, qualquer que seja o valor do contrato a celebrar, deve ser adoptado, em alternativa, o concurso público, o concurso limitado por prévia qualificação ou o procedimento de negociação”.

Além disso, Pedro Melo afirma que examinando “o artigo 31.º, n.º 1, do CCP, constata-se que as entidades adjudicantes dispõem igualmente da faculdade de recorrer ao procedimento de ajuste directo para a atribuição daqueles contratos, conquanto tal procedimento esteja limitado às específicas situações consagradas no artigo 24.º daquele Código”151. Consideramos que as

máquinas de venda automática se excluem do âmbito das situações consagradas no artigo 24.º. Relativamente ao não pagamento de um preço pela entidade adjudicante, dispõe o artigo 31.º, n.º 2, do preceito legal mencionado acima: “O disposto no número anterior é também aplicável quando os contratos nele referidos não impliquem o pagamento de um preço pela entidade adjudicante ou sejam contratos sem valor”. Cumpre-nos salientar que a instalação e exploração das máquinas de venda automática em estudo não implicam o pagamento de qualquer preço e o contrato a elas adstrito não tem qualquer valor, tem sim uma contrapartida financeira paga pelo adjudicatário/concessionário.

De sublinhar, ainda, “a possibilidade, de cariz excepcional, constante do art. 31.º, n.º 3, do CCP, no que concerne à utilização do procedimento de ajuste direto para a contratação de concessões de serviço público. […] Observe-se, […], que não se exclui, antes se admite, […], que um contrato de concessão de serviços públicos seja adjudicado por ajuste directo. […] isto em três circunstâncias distintas:

i. quando as prestações que integram o seu objecto se destinem, […] a permitir à entidade adjudicante a prestação ao público de serviços de telecomunicações152;

ii. quando o contrato seja declarado secreto, nos termos da lei, ou a sua execução deva ser acompanhada de especiais medidas de segurança, ou ainda, quando estejam em causa a defesa de interesses essenciais do Estado153;

iii. por razões de interesse público relevante, o que, […], pressupõe a existência de uma situação verdadeiramente singular e como tal especificamente fundamentada154”155.

Desta forma, parece-nos que um contrato de concessão de serviços públicos adjudicado por ajuste directo não se coaduna com as máquinas de venda automática.

2.2. As máquinas de venda automática e os princípios da transparência, da igualdade