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A responsabilização dos municípios e das escolas no Brasil

CAPÍTULO II – ESTADO, POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO E O TRABALHO

2.2 Testes estandardizados, prestação de contas e responsabilização

2.2.1 A responsabilização dos municípios e das escolas no Brasil

Diferentemente dos países europeus e, inclusive, da América Latina (Chile, Argentina e Uruguai), os quais tiveram a instalação dos sistemas nacionais de ensino já na segunda metade do século XIX com a emergência dos Estados nacionais (SAVIANI,

47 A indicação de recursos do PDDE às escolas que atingem as metas a título de incentivo exemplifica

esse mecanismo, uma vez que a instituição que não contempla esse objetivo não tem acesso a esse recurso. Tal orientação, que aparecia de forma paliativa na Resolução do PDDE n. 9, de 24 de abril de 2007, é explicitada como indicação política em longo prazo no PNE (Lei n. 13.005).

2008), no Brasil ocorreu um déficit histórico devido à tentativa tardia de garantir o Sistema Nacional de Educação. Para Saviani (2008), o:

[...] uso difuso do conceito de sistema na educação está a noção de que o termo ‘sistema’ denota conjunto de elementos, isto é, a reunião de várias unidades formando um todo. Daí a assimilação do conceito de sistema educacional a conjunto de unidades escolares ou de rede de instituições de ensino [...] Para além dessa acepção, o termo sistema denota um conjunto de atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade. E isso implica que as referidas atividades são organizadas segundo normas decorrentes dos valores que estão na base da finalidade preconizada. Assim, sistema implica organização sob normas próprias (o que lhe confere um elevado grau de autonomia) e comuns (isto é, que obrigam a todos os seus integrantes) (SAVIANI, 2008, p.215).

De acordo com o autor, há quatro espécies de obstáculos na constituição do sistema: econômicos, marcados pela resistência à manutenção do ensino público; políticos, que ocorrem devido à descontinuidade das iniciativas de reforma da educação; filosófico-ideológicos, concebidos por ideias e interesses contrários ao sistema nacional de educação; e legais, fruto da aversão à aprovação de uma legislação que permita a organização do ensino na forma de um sistema nacional em nosso país.

Com efeito, a organização educacional vigente no país relaciona-se à República e ao sentido federativo que constituem os princípios fundamentais do sistema do governo brasileiro, como destaca o Art. 1º da Constituição Federal (BRASIL, 1988). A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, expressa no Art. 18 da Constituição Federal, abarca a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios como entes que são definidos como autônomos. No Capítulo VI – Da Intervenção, Art. 34, VII, C, reafirma-se a “autonomia municipal”, desde que não fira os princípios constitucionais, e assim reconhece os municípios como entidades infraestaduais e autônomas.

No âmbito da educação, segundo a Constituição Federal (BRASIL, 1988), compete privativamente à União legislar sobre as “diretrizes e bases da educação nacional” (XXIV), entretanto define no parágrafo único que “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”. Quanto ao Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto, a relação de colaboração entre os entes federados é reafirmada no Art. 24, que sustenta

que “Compete à União, ao Estado e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] IX – educação, cultura, ensino e desporto”, bem como no Art. 211.

Em relação aos municípios, segundo Saviani (2008, p.218), se na Constituição de 1988 a função de legislar permanece dúbia, “[...] já não pairam dúvidas, à luz do texto da LDBEN (Lei n. 9.394/1996), quanto à competência dos municípios para instituir os respectivos sistemas de ensino”, e no que tange à política de financiamento da educação pública no Brasil, se estabelece também o regime de colaboração48 entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios.

A responsabilidade da garantia do acesso à educação é assumida como de

competência comum entre a União, os estados, os Distritos e os municípios que devem “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência” (BRASIL, 1988). Destarte, constitucionalmente é compartilhado com a União, ainda que em níveis de abrangência diferentes (privativa, complementar, concorrentemente ou de competência comum), o gozo de gerir os sistemas de ensino, tanto pelos estados quanto pelos municípios.

A União delega aos estados poder para legislar sobre a educação, especialmente no artigo 24, e, no artigo 25, compartilhar competências materiais que dizem respeito à organização da estrutura e do funcionamento do ensino, proporcionando os meios de acesso à educação, cultura e desporto. Então, enquanto Federação, a União compartilha com estados e municípios não só o poder de legislar, como também o de estruturar o sistema de ensino (COSTA, 2010, p.112).

Na Emenda Constitucional (EC) n. 14/1996 e, posteriormente, na EC n. 53/2006, observamos definições um pouco mais claras quanto à forma de colaboração, embora se limite por delegar também a leis complementares a acepção específica das normas. Observamos, assim, o nexo de gestão por autonomia no âmbito educacional quanto aos entes federados, inclusive com a definição legal na sua jurisdição. Aos municípios, como destaca o Art. 30, VI, compete – “[...] manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programa de educação pré-escolar e de Ensino

48 O debate sobre o regime de colaboração é particularmente importante na pesquisa, uma vez que o foco

de investigação envolve a análise das condições de trabalho dos professores do Ensino Fundamental da rede estadual de educação. Isso envolve as políticas e os investimentos emanados pelo estado mineiro, contudo, não abstém a responsabilidade da União, segundo o regime de colaboração. Por outro lado, analisamos um índice (Ideb) de âmbito federal, por meio do qual a União propõe avaliar a qualidade da educação em todo o país. Este é, de fato, um dos indicadores que tem orientado as políticas de repasse de financiamento federal para os estados e municípios, o que traz, também, repercussões sobre a autonomia dos entes federados.

Fundamental”. O estado não intervirá em seus municípios, nem a União nos municípios localizados em território federal, exceto quando: [...]. III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino [...] (BRASIL, 1988; EC n. 64/2010).

De acordo com a LDB (Lei 9.394/1996), cabe à União “V – coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação”, assim como “VI – assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no Ensino Fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino” (Art. 9º).

A avaliação e a relação entre os entes e a União assumem nuanças particulares na gestão do então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e na orientação do ministro da Educação Fernando Haddad, com o PDE49 (2007). A normatização inicial, a partir do Decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007, estabelece a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação50 pela União Federal, em regime de colaboração com municípios, Distrito Federal e estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da Educação Básica (Decreto n. 6.094, Art. 1º).

Esse apoio da União dar-se-á mediante a elaboração de um Plano de Ações Articuladas (PAR), conjunto articulado de ações apoiado técnica ou financeiramente pelo Ministério da Educação, que visa ao cumprimento das metas do Compromisso e a observância das suas diretrizes (Decreto n. 6.094, Art. 9º), sendo a base para a cooperação entre o MEC e o ente apoiado. Inicialmente é realizado, com o apoio técnico

49 É necessário distinguir o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado em abril/2007 do

Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola), programa iniciado no governo Fernando Henrique Cardoso, tendo financiamento do Banco Mundial. Foi reconfigurado no governo Lula e está em vigor nas escolas.

50 Sobre esse tema, é necessário destacar que no Brasil, em congruência ao movimento internacional,

empresários passaram a se empenhar na construção de uma agenda política em função dos interesses privados do capital nacional e internacional (SHIROMA; GARCIA; CAMPOS, 2011). Ainda segundo esses autores: “Interpelados pela grave crise educacional, os empresários declaram sua vontade em assumir sua cota de ‘responsabilidade social’, chamando seus pares à discussão, articulando seminários, difundindo ideias e propostas, visando construir consensos, tornando-se, desde então, os interlocutores privilegiados dos ministros e governantes, tanto na esfera federal, como estadual e municipal. Os anos de 1990 foram profícuos em termos dessas iniciativas [...]” (Ibidem, p.227). A força desse movimento e da difusão de suas ideias na agenda política, como destacam esses autores, é perceptível nas metas do PDE que aderem claramente ao movimento. Os empresários passaram a anunciar uma crise na educação e a defender, como caminhos para a resolução, a descentralização das atividades para as unidades escolares, a introdução de mecanismo de avaliação e a responsabilização punitiva.

da união, o diagnóstico da educação local a partir do qual o ente elabora o Plano também com o auxílio da equipe técnica. Contudo, seja qual for o diagnóstico, o apoio do Ministério da Educação é delimitado por quatro dimensões de ação: inicialmente voltava-se para a gestão educacional; a formação de professores e profissionais de serviços e apoio escolar; os recursos pedagógicos; e a infraestrutura física. Na Resolução n. 14, de 8 de julho de 2012, os temas foram (re)definidos como gestão educacional; formação de profissionais de educação; práticas pedagógicas e avaliação; e infraestrutura e recursos pedagógicos.

O monitoramento da execução do convênio ou termo de cooperação e do cumprimento das obrigações educacionais fixadas no PAR será feito com base em relatórios ou, quando necessário, em visitas da equipe técnica (Decreto n. 6.094, Art. 11). Enquanto isso, o Ideb será o indicador objetivo para a verificação do cumprimento de metas fixadas no termo de adesão ao Compromisso (Decreto n. 6.094, Capítulo III, Parágrafo único), pois esse Índice permitiu processos de comparação entre estados, municípios, entre as próprias escolas, assim como o acompanhamento de cada um destes ao longo do tempo e a definição daqueles que atingiram ou não as metas pactuadas.

Assim, a adesão voluntária de cada ente federativo ao Compromisso implica a assunção da responsabilidade de promover a melhoria da qualidade da Educação

Básica em sua esfera de competência, expressa pelo cumprimento de meta de evolução do Ideb (Decreto n. 6.094, Art. 5º).

Pode-se considerar que a infraestrutura de sustentação do PDE se assenta em dois pilares, o técnico e o financeiro, em correspondência com a dupla assistência que, conforme a Constituição e a LDB, é atribuição do MEC em relação aos estados, Distrito Federal e municípios. Do ponto de vista técnico, o PDE se apoia em dados estatísticos referentes ao funcionamento das redes escolares de Educação Básica e em instrumentos de avaliação construídos a partir de indicadores do aproveitamento dos alunos e expressos nas provas aplicadas regularmente sob coordenação do Inep, a partir dos quais foi elaborado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). É este índice que se constitui no recurso técnico por excelência para

monitorar a implementação do PDE, definir e redefinir as metas, orientar e reorientar as ações programadas e avaliar os resultados,

etapa por etapa, em todo o período de operação do plano, que se estenderá até o ano de 2022 (SAVIANI; 2007, p.15, grifos nossos).

Para acompanhar o compromisso firmado entre os entes federados se institui o Sistema Integrado de Planejamento, Orçamento e Finanças do Ministério da Educação

(Simec), e um conjunto de resoluções foi lançado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Tais dispositivos legislativos estabelecem, os critérios, parâmetros e procedimentos para a operacionalização da assistência financeira suplementar e voluntária a projetos educacionais, no âmbito do Compromisso Todos pela Educação.

O PDE (2007) foi foco de muitas críticas de diferentes setores da sociedade civil que partilharam da elaboração do PNE (Lei n. 10.172) e que não viram as metas ali traçadas serem consideradas no PDE. No documento, se destaca que o PDE:

Pretende ser mais do que a tradução instrumental do Plano Nacional

de Educação (PNE), o qual, em certa medida, apresenta um bom diagnóstico dos problemas educacionais, mas deixa em aberto a questão das ações a serem tomadas para a melhoria da qualidade da

educação. É bem verdade, [...], que o PDE também pode ser apresentado como plano executivo, como conjunto de programas que visam dar consequência às metas quantitativas estabelecidas naquele diploma legal, mas os enlaces conceituais tornam evidente que não se trata, quanto à qualidade, de uma execução marcada pela neutralidade (PDE, 2007, p.7, grifos nossos).

Na avaliação de Adrião e Garcia (2008, p.780), há uma opção governamental de “[...] responsabilizar as gestões municipais pelo padrão da oferta educativa nos municípios”. Segundo as autoras, desde o redesenho da oferta da educação pública que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef) (Lei n. 9.424/1996) levou os municípios a assumirem papel de destaque na oferta educacional, os quais enfrentam obstáculos de uma estrutura pouco aparelhada e com limites de recursos; assim, “[...] não é de se estranhar que, em um novo esforço de regulação, o MEC tenha proposto, em 2007, a instituição de uma programa de apoio técnico e financeiro” (Ibidem, p.786) voltado para os municípios com maiores dificuldades, desde que se submetam a certos mecanismos de

accountability, como tornar públicas as informações, participar das avaliações em larga escala federal e receber recursos e assistência técnica, com a consequente execução do PAR desenvolvido sob responsabilidade das gestões locais, com vistas à elevação do Ideb, conforme as metas estabelecidas pela União. Ainda para as autoras, a

accountability é “[...] um dos imperativos na consecução dos propósitos do PDE, juntamente com a mobilização social” (Ibidem, p.787).

Segundo Cury (2007), o PDE justifica-se diante da realidade educacional brasileira, mas é preciso que seja realmente um plano com diretrizes, fundamentação,

metas, objetivos e recursos suficientes para a efetivação das metas propostas. Diante da amplitude das ações do PDE destinadas à Educação Básica, interessa-nos neste momento a definição do Ideb como tática da União para assegurar assistência técnica na implementação do PDE. É notória a valorização das ações avaliativas previstas no PDE, justificadas oficialmente como estratégia para identificar e atuar em regime de colaboração para superar problemas diagnosticados na educação. Para Oliveira (2007), nas entrelinhas, a proposta indica mecanismos de controle e premiações vinculados aos índices das avaliações.

Na apresentação do PDE (2007, p.3), o Ideb aparece como uma das políticas centrais para a educação, sob a direção do então ministro da Educação Fernando Haddad. No plano, ele propõe mostrar os princípios políticos, os fundamentos teóricos e os métodos educacionais que marcaram sua gestão à frente do Ministério.

Portanto, o Ideb, segundo Fernandes (2007b, p.29), é um indicador objetivo para a “[...] verificação do cumprimento das metas fixadas no Termo de Adesão ao Compromisso Todos pela Educação, eixo do Plano de Desenvolvimento da Educação do Ministério da Educação que trata da Educação Básica”. Desse modo, as políticas educacionais lançadas no início de 2007 tomavam o Ideb tanto para a implementação dos acordos e ações quanto como um dos elementos importantes do monitoramento das políticas anunciadas. Assim, desde o início da divulgação do acordo, que ficou conhecida como “Caravana da Educação” – que tinha como escopo apresentar as propostas aos prefeitos, estimulando a assinatura do plano de metas do Compromisso Todos pela Educação –, o Ideb já orientou esse processo ao identificar os municípios com pior desempenho, os quais passaram a ser foco de atenção especial.

Tais fatores justificam a ideia das metas intermediárias para o Ideb (a cada dois anos) e finais (2022) que orientam o Compromisso dos diferentes municípios. Essa medida aponta a justificativa oficial de apoiar os municípios vulneráveis economicamente, mas também materializa mecanismos que limitam ainda mais a formulação de políticas públicas locais, centralizando, em termos de planejamento, a direção da educação nas mãos da União.

Seguindo a lógica das políticas nas últimas décadas, o caráter intervencionista de governo tem sido conduzido a processos de avaliação em larga escala com caráter centralizador, o que, segundo Afonso (2003), garante a centralização do poder, nesse caso, da União. Assim, a União, ao avaliar a qualidade da educação ofertada pelos

entes, direcionar suplementos de acordo com os resultados e pactuar com estes metas de melhorias da qualidade da educação pode centralizar o poder de decisão e interferir diretamente sobre os entes, especialmente quando o sentido regulatório das políticas de

avaliação se volta puramente para testes estandardizados. Por meio destas, o Estado toma para si e de maneira mais sólida a regulação da educação e do controle,

interferindo na autonomia constitucionalmente anunciada51, haja vista que o Estado passa a direcionar de forma indireta, mas incisiva, a organização educacional, a definição do currículo diante da matriz avaliada, as concepções de educação e, até mesmo, as práticas educacionais que se voltam à metodologia incutida nos exames. Com isso, centraliza as decisões e “reconfigura” a relação entre os entes federados no que tange às orientações educacionais.

Conforme Luce e Farenzana (2007), a política como estratégia, metas e meios foi concebida centralmente, contudo a execução é descentralizada, podendo ser distinguida tanto como descentralização convergente, uma vez que as ações do MEC e do ente que tenha firmado o compromisso se agregam em torno de diretrizes gerais previamente estabelecidas, como também qualificadas como descentralização monitorada, no sentido das exigências de um planejamento (Plano de Ações Articuladas) ou do Ideb que é tomado para o monitoramento das ações empreendidas para o comprimento das metas.

Nesses termos, as relações entre a União, os estados e municípios no campo da Educação Básica indicam a centralidade da avaliação nos processos decisórios. A distribuição financeira da União passa a ser definida pelo índice alcançado e, posteriormente, com a contemplação ou não da meta estipulada; logo, o papel destacado por diferentes documentos legais em relação ao Ideb o aponta como um dos tripés da regulação no âmbito das políticas públicas de educação em nível da União, juntamente com o financiamento e a gestão.

É no âmbito financeiro que o problema se faz mais evidente, pois experimentamos uma diferença histórica entre os municípios e estados. Na análise de Arelaro (2005), o processo rápido de municipalização do Ensino Fundamental e as diferenças no padrão de arrecadação de recursos dos municípios salientam os problemas da “descentralização” das responsabilidades do atendimento às políticas sociais.

Destarte, a efetivação do município como “ente” politicamente autônomo não pode estar descolada de uma densa reforma tributária.

Do ponto de vista da arrecadação de tributos, cerca de 70% dos municípios dependem, exclusivamente, do Fundo de Participação dos Municípios – o FPM – para as suas despesas regulares, ou seja, para sua “sobrevivência”, e isso traduz que a maioria dos municípios brasileiros não tem autonomia financeira, nem condições de adquiri- la, a menos que adotemos uma reforma tributária radical (ARELARO, 2005, p.1044).

Esse desequilíbrio econômico-financeiro diretamente relacionado à distribuição histórica da riqueza no país entre os entes federados traz implicações à educação e à autonomia dos municípios. Ao assumir a avaliação como base importante na definição e distribuição de recurso entre os entes, uma concepção pautada em testes estandardizados pode levar à limitação nas definições e orientações acerca da educação. A avaliação em larga escala foi “[...] adotada pelos governos como um instrumento de controle político do desenvolvimento social” (MARCHELLI, 2010, p.562); por conseguinte, é compreensível que todos os 5.563 municípios, 26 estados e o Distrito Federal aderiram ao Compromisso, como anunciado no site52 do FNDE.

A elevação dos recursos é fundamental na ampliação do acesso à educação de qualidade para todos, mas é justamente esse um dos pontos mais conflituosos na relação da União com os entes federados, a exemplo dos embates acerca do PNE 2001-2010, que foi aprovado sem a indicação do recurso financeiro. Naquele contexto confrontavam-se duas propostas, sendo que nenhuma delas foi aprovada: a primeira delas, que ficou conhecida como proposta da sociedade civil, indicava a demanda de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para o desenvolvimento do PNE; e a segunda, do Executivo Federal, foi encaminhada ao congresso e que indicava 7% do PIB. Afrontando todas as expectativas, entre as metas vetadas pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso estava a que definia o PIB% destinado à educação. Cumpre salientar que ficamos com um plano que não tinha base financeira para ser realizado (DOURADO, 2011).

Esse entrave está marcado por uma realidade histórica de pouco investimento na educação. Segundo os dados do Inep53, observamos o processo lento e limitado de investimentos na educação que, entre 2000 e 2005, permaneceu estagnado em 3,9 e com

52

Dados disponíveis em: <http://.www.fnde.gov.br>. Acesso em: 20 fev. 2012.

uma lenta ampliação entre 2006 e 2010 (4,3 para 5,1 do PIB). De acordo com esses